Marcos Molina recupera a BRF e doma o mercado de frango após anos de tentativas

Magnata da carne à frente da Marfrig quase dobra o valor de sua fatia na gigante de frangos para R$ 8,1 bilhões com seu ‘manual de gestão’, além de ventos favoráveis do mercado

Marcos Molina, acionista controlador da Marfrig e da BRF
Por Clarice Couto e Leda Alvim
18 de Outubro, 2024 | 10:18 AM

Bloomberg — O magnata brasileiro da carne Marcos Molina tentou por mais de uma década replicar seu bem-sucedido manual para os bois no mercado de rápido crescimento de frango. Graças a um momento de impecável sorte e a um plano de recuperação perspicaz, ele parece ter finalmente conseguido.

Desde que a Marfrig de Molina assumiu o controle da rival BRF - em movimento que deu à produtora de hambúrguer bovino número 1 do mundo a propriedade de um dos principais fornecedores de frango -, a companhia de aves teve uma recuperação marcante.

A empresa voltou a lucrar no fim do ano passado após sete trimestres no vermelho com corte em linhas de produtos de baixo desempenho e aumento da produtividade de fábrica. As ações apresentam o segundo melhor desempenho do Ibovespa neste ano.

A BRF (BRFS3), que está por trás de mais de um em cada quatro frangos exportados do Brasil, está inclusive discutindo pagar dividendos novamente em novembro, após oito anos de “seca.

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As ações da BRF mais que dobraram de valor nos últimos 12 meses, superando a valorização de pares globais como JBS (JBSS3) e Tyson Foods. Graças à BRF, a participação de 66% da família Molina na controladora Marfrig agora vale cerca de R$ 8,1 bilhões, ante cerca de R$ 4,2 bilhões há um ano.

“Acredito que existe uma confiança maior no modelo de gestão da BRF com o Molina”, disse Rafael Oliveira, gestor de ações da Kinea Investimentos. “E ele se cercou de boas pessoas, entre elas o Miguel Gularte”, em referência ao CEO escolhido a dedo. “Se não fosse pela nova gestão, nós achamos que a BRF estaria se beneficiando do ciclo bem menos.”

Ainda assim, é difícil negar que o acordo que coincide com uma melhora notável no mercado global de frango também oferece um vento favorável valioso.

Se o frango não estivesse com um desempenho tão positivo, “talvez fosse até mais fácil de visualizar o trabalho que ele tem feito dentro da BRF”, disse o analista da XP Leonardo Alencar sobre Gularte. “Não podemos separar uma coisa da outra.”

A BRF marca um raro sucesso de M&A em frango para a Marfrig (MRFG3) de Molina, que foi forçada a abandonar uma série de tentativas anteriores de diversificação em aves sem que os investimentos tivessem a chance de se pagar totalmente.

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No período de cerca de uma década, a Marfrig comprou e revendeu a produtora de aves do Reino Unido Moy Park, a empresa brasileira de alimentos Seara Foods e a Keystone Foods, com sede nos Estados Unidos, conhecida principalmente por seus nuggets de frango.

Observadores do setor dizem que as jogadas abortadas anteriormente em aves ocorreram em um momento em que a indústria parecia perseguir escala a qualquer custo.

Cada compra aumentou as crescentes obrigações de dívida da Marfrig, com a empresa sendo nomeada no início da década de 2010 como o frigorífico mais endividado das Américas.

Molina “tomou decisões no passado em que ele teve que vender a jóia da coroa para poder se manter vivo. Mas eu entendo que ele amadureceu bem nesse sentido”, disse o gestor de fundos Oliveira, que detém pouco menos de 100.000 ações da BRF, de acordo com os últimos registros.

Após as tentativas anteriores, Molina ainda queria dar outra chance ao frango.

Os menores custos trabalhistas do Brasil, as políticas governamentais pró-exportação e o suprimento abundante de milho dão aos frigoríficos brasileiros uma vantagem estrutural global, conforme observadores do mercado.

O empresário voltou sua atenção para a BRF, que tinha acabado de superar um escândalo de segurança alimentar em 2017. Em maio de 2021, a Marfrig divulgou a compra de uma participação minoritária na BRF. Grande parte das ações compradas desde então foi adquirida a preços de pechincha.

A trajetória de M&A e desinvestimentos da Marfrig e de Marcos Molina na indústria de frangos ao longo de 20 anos

No ano seguinte, Molina foi nomeado presidente do conselho.

Ele logo alçou um alto executivo da Marfrig, Gularte, como o novo CEO da BRF - o sétimo da empresa em cerca de dez anos.

Inicialmente chamado de “o cara da carne” por analistas, Gularte introduziu um programa de eficiência com o objetivo de economizar centenas de milhões de dólares por ano, incluindo melhor gerenciamento de estoque para evitar grandes descontos à medida que os produtos se aproximavam de suas datas de validade.

A nova administração também expandiu a participação da marca Sadia no mercado halal, garantiu mais licenças de exportação e levantou fundos, incluindo do fundo saudita Salic, agora o segundo maior acionista.

“Molina trouxe coesão entre o conselho de administração e a diretoria da BRF e hoje há uma clareza de propósito”, disse Pedro de Camargo Neto, um membro independente do conselho da BRF. “Se Molina não tivesse entrado, era uma empresa que caminhava para a falência.”

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A ascensão global do frango também desempenhou um grande papel nas vitórias recentes da BRF.

A carne de aves tem aumentado sua liderança sobre a carne bovina e representou 39% do consumo de proteína em 2023, segundo dados da OCDE.

E está a caminho de continuar a ganhar popularidade, graças ao seu menor preço, à versatilidade e ao apelo saudável em comparação com outras carnes. Os baixos custos de ração para frango e a oferta restrita de gado bovino aumentaram ainda mais o abismo entre os dois.

“Estamos em um ciclo muito positivo para o frango, não só no Brasil mas também nos Estados Unidos”, disse Renata Cabral, analista do Citi. Entre preços mais baixos de grãos, demanda crescente e velocidade com que um produtor consegue criar e abater um frango, “essa é basicamente a receita para o sucesso”.

A questão agora é para onde a BRF vai a partir daqui.

“Nestes últimos dois anos, a companhia precisava muito se reorganizar e performar. Agora vamos prestar mais atenção ao crescimento”, disse o CFO da BRF, Fabio Mariano.

“A partir do ano que vem, vamos acelerar o crescimento tanto no Brasil quanto nas exportações. Vamos nos posicionar em mercados em que acreditamos que temos as maiores oportunidades de demanda, analisando os hábitos do consumidor, como o Brasil, o Oriente Médio e a própria Arábia Saudita.”

A terceira fase do plano de eficiência da empresa, atualmente em elaboração e prevista para o ano que vem, deve trazer mais de R$ 1 bilhão em economia até 2025, disse Gularte em entrevista.

A empresa divulgará o balanço do terceiro trimestre em novembro. Analistas prevêem um quarto lucro consecutivo, embora os números de 2025 sejam vistos como um pouco menores do que os deste ano.

O caminho do novo CEO é claro, especialmente depois de ter feito isso primeiro na Marfrig: eficiência operacional e foco em exportações, disse Alencar, da XP. “Se ele fizer a mesma coisa na BRF, já tem um ‘roteirinho’ aí.”

-- Com a colaboração de Daniel Cancel.

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