Bloomberg Línea — Quando o português Francisco Roque de Pinho começou a trabalhar com o uruguaio Joaquín Labella há cerca de 13 anos, as conversas sobre agricultura regenerativa ainda pareciam um tema distante das discussões do setor.
Mas foi justamente com a falta de iniciativas que eles vislumbraram um gap para um negócio considerado inovador: conectar investidores às fazendas com foco em projetos sustentáveis.
Dessa visão nasceu, em 2016, a gestora The Land Group. Inicialmente, a atuação da dupla incluía a gestão de projetos imobiliários e de energias renováveis, como o de pequenas hidrelétricas no Peru.
“A oportunidade que nós vislumbrámos foi a de conectar e ajudar investidores europeus e family offices a assumirem o controle dos investimentos problemáticos”, disse o cofundador português da The Land Group, Roque de Pinho, em entrevista à Bloomberg Línea.
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A mudança de direção do projeto ocorreu quando um cliente francês pediu ajuda com um investimento no setor agrícola. A partir daí, a agricultura regenerativa ganhou espaço e se tornou o centro de toda a operação.
“Começamos a aplicar práticas regenerativas por necessidade. As terras estavam degradadas, e vimos na pecuária rotativa uma forma eficiente de restaurar os solos”, afirmou Pinho.
Hoje, a empresa administra cerca de 40.000 hectares no Uruguai e no Paraguai. Recentemente, o Brasil entrou no radar de expansão dos negócios como mais um local que poderá abrigar terras a serem recuperadas.
No mês passado, Roque de Pinho desembarcou no Brasil para uma série de reuniões com investidores interessados em diversificar suas carteiras com ativos ligados ao agronegócio sustentável.
A meta inicial é considerada ambiciosa: levantar entre US$ 40 milhões e US$ 50 milhões, com potencial de alcançar até US$ 150 milhões nos próximos três anos para a criação de um fundo.
“A receptividade foi excelente. Começamos a enxergar possibilidades reais de operar no Brasil. O mercado é enorme e os investidores locais não enfrentam as limitações cambiais de estrangeiros”, afirmou Pinho.
O avanço depende, principalmente, da formação de uma equipe local. “Se tivermos capital, conseguimos contratar pessoas, trazer alguém do Uruguai para formar uma equipe aqui”, afirmou o executivo. A maior despesa da empresa, segundo ele, é com pessoal.
Uma dessas negociações envolve um gestor de capital especializado em recuperar terras degradadas.
“O Brasil é riquíssimo em recursos naturais e, além disso, existe aqui uma compreensão muito maior sobre o que é agricultura regenerativa. As pessoas realmente se interessam pelo o assunto”, disse. Em termos de rentabilidade, ele disse que “é tão competitivo quanto Uruguai ou Paraguai”.
Operação em países vizinhos
O grupo opera em sete fazendas no Uruguai que somam 20.000 hectares. Seis delas já adotam a pecuária regenerativa, enquanto a sétima está em processo de transição. No Paraguai, a atuação se dá por meio de uma operação de agricultura com 20.000 hectares.
A estratégia do grupo combina modelos considerados ancestrais com tecnologia e gestão moderna: rotacionar culturas de grãos com bois para regenerar o solo, prática que ganha espaço no agronegócio e nas discussões sobre a rentabilidade do solo.
A metodologia da The Land Group conta com rotações rápidas em áreas menores do que as que são utilizadas no modelo tradicional, o que aumenta a densidade animal por hectare.
“Onde antes cabiam cem vacas, hoje conseguimos colocar 150 ou até 200. Isso se traduz em maior produção de carne por hectare e, consequentemente, em mais rentabilidade”, explicou Pinho.
Além da pecuária, a empresa também atua com lavoura — principalmente soja, milho, trigo, sorgo e arroz —, embora essas áreas correspondam a cerca de 10% das terras.
As operações do grupo eram arrendadas a terceiros no início. Porém, diante da dificuldade em convencer os inquilinos a adotarem práticas regenerativas, o grupo optou por internalizar a operação.
Em 2024, eles plantaram os primeiros 700 hectares de soja regenerativa na Fazenda Villa Lucero, em Tacuarembó, no norte do Uruguai. A expectativa é que até 2026 todas as áreas estejam sob gestão direta e com práticas regenerativas.
O modelo de negócios da gestora tem como base a prestação de serviços: os ativos pertencem aos investidores, enquanto a The Land Group atua como operadora e gestora das propriedades.
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“Temos conseguido fazer um bom bootstrap e manter 100% do ownership conosco. Se tivéssemos comprado terra, seria mais complicado, obviamente, porque é altamente intensivo em capital”, disse Pinho.
No Brasil, a aquisição de terras por estrangeiros, regulada pela Lei 5.709/1971, é limitada a compra ou o arrendamento de áreas com mais que 50 módulos fiscais por não brasileiros.
Gestão personalizada
O modelo de gestão escolhido pela The Land Group é o Separately Managed Accounts — ou seja, cada investidor tem uma operação personalizada e escolhe desde o tipo de propriedade até o nível de envolvimento na gestão.
“Temos clientes que querem uma fazenda a duas horas da capital, outros que nunca pisaram na terra e só querem um relatório anual”, explicou Pinho.
Essa abordagem personalizada, porém, também traz desafios.
A compra de uma das fazendas no Uruguai, por exemplo, levou dois anos para ser concluída, contou Pinho, devido à complexidade das exigências do investidor.
Segundo o executivo, a escalabilidade é o maior trunfo do modelo. “Há práticas regenerativas que não são escaláveis. A fazenda que fornece comida para minha família em Portugal atende 200 famílias e é incrível, mas impossível de escalar.”
A proposta da The Land Group é justamente combinar sustentabilidade com retorno financeiro. “Existe a percepção de que, para ser sustentável, é preciso abrir mão de rentabilidade. Mas com nosso modelo conseguimos as duas coisas”, afirmou o executivo, que prevê que em até dois anos já terá uma produção superior à da pecuária extensiva convencional.
O executivo divide a atuação da empresa em três fases: a primeira foi a de reestruturação de propriedades, a segunda consolidou a operação como produtora regenerativa, e a terceira, iniciada recentemente, é a de crescimento com entrada em novos mercados.
“Até o fim do ano, gostaríamos de ter mais um ou dois clientes e um fundo em fase de lançamento. Se isso acontecer, teremos um grande avanço”, afirmou.
Fora da América do Sul, a The Land Group estuda adaptar o seu modelo à realidade portuguesa. Em parceria com uma consultoria local, a empresa estuda as diferenças regulatórias e de subsídios que caracterizam a agricultura europeia.
“A agricultura em Portugal é muito dependente de subsídios da União Europeia. No Uruguai, não há isso, então estamos ajustando o modelo”, explicou.
A ideia é iniciar com cerca de mil hectares sob gestão e escalar a partir daí. “O conceito é o mesmo: pecuária regenerativa com uso estratégico de irrigação”.
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