Bloomberg Línea — A avelã tem sido um dos principais trunfos da Ferrero para contornar a disparada global nos preços do cacau e, consequentemente, do chocolate. Como o fruto é a base dos produtos mais conhecidos do grupo italiano, como Ferrero Rocher, Kinder Ovo e Nutella, ocupa um papel central na receita e na estratégia.
Foi o que explicou o diretor de Assuntos Corporativos da Ferrero para a América do Sul, Fernando Careli, em entrevista à Bloomberg Línea.
“O cacau é importante, mas em nossos produtos ele é apenas um dos muitos ingredientes”, disse o executivo.
“O ‘segredo’ empresarial está em buscar eficiências em toda a cadeia, desde a produção até a logística, para equilibrar os custos e garantir que o consumidor continue tendo acesso aos nossos produtos sem arcar com aumentos proporcionais ao das matérias-primas”, completou.
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O protagonismo da avelã para a Ferrero, no entanto, remonta a seis décadas, muito antes do atual encarecimento do cacau.
A receita da Nutella, que tem em sua composição açúcar, óleo de palma, avelãs, cacau, leite desnatado em pó, lecitina e aromatizante, começou a ser pensada logo após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Os irmãos Pietro e Giovanni Ferrero trabalhavam em uma pequena confeitaria em Alba, no norte da Itália, e começaram a pensar em formas de produzir receitas com menos cacau e mais avelãs, que eram abundantes na região em que viviam.
Foi assim que nasceu a receita do Super Crema, que em 1964 viria a ser conhecido como Nutella.
De lá pra cá, a empresa ampliou o seu portfólio. Atualmente, a Ferrero possui 35 marcas de confeitaria, snacks e balas, como o Tic Tac.
O grupo se consolidou como um dos maiores da indústria de alimentos, com foco em chocolates e doces. No ano fiscal encerrado em agosto de 2024, o faturamento chegou a € 18,4 bilhões.
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Em 2015, a companhia criou a Ferrero Hazelnut Company (HCo), divisão global dedicada exclusivamente à produção de avelãs, com fazendas na Turquia, na Itália, nos Estados Unidos e no Chile.
A Turquia responde por cerca de 70% da produção global de avelã, com aproximadamente 740 mil hectares de pomares localizados principalmente na região do Mar Negro.
“A avelã é nosso ingrediente símbolo. Ela não apenas define o sabor dos nossos produtos como também nos permite ter um controle completo de qualidade e sustentabilidade”, disse.
Verticalização da cadeia
Para Careli, a verticalização da produção da avelã foi uma das decisões estratégicas mais importantes do grupo, o que permitiu que a companhia tivesse mais controle da cadeia produtiva.
Na Itália, por meio de um programa de desenvolvimento agroindustrial, a empresa colabora com universidades, institutos de pesquisa e especialistas para avançar no cultivo sustentável da fruta e respeitar as especificidades regionais e as exigências do clima, solo e cultura, explicou Careli.
A produção das aveleiras, no entanto, é extremamente exigente em termos climáticos e necessita de frio, vento e umidade em patamares específicos, o que torna a especialização da Ferrero ainda mais valiosa em termos de mercado.
Além da aposta nas avelãs, as empresas europeias de chocolate - como é o caso da Ferrero - podem ser favorecidas pelas tarifas de Donald Trump.
Segundo informações da Bloomberg News, a escassez de oferta de cacau já fez com que os preços da amêndoa atingissem níveis recordes no ano ano passado.
O cacau utilizado para o chocolate é cultivado na África, na Ásia e na América do Sul, o que leva as empresas de chocolate dos Estados Unidos a dependerem mais de importações.
Trump impôs uma tarifa de 21% sobre a Costa do Marfim, que responde por cerca de 40% da produção mundial de cacau, o que atinge mais as empresas americanas do que as europeias.
Dobro do tamanho no Brasil
Essa visão estratégica se reflete também na forma como a Ferrero se posiciona no Brasil, hoje um dos dez principais mercados da empresa no mundo e responsável por 70% do negócio na América do Sul.
Nos últimos quatro anos, a empresa dobrou o negócio no Brasil e, para os próximos anos, a meta é seguir crescendo com a ampliação do portfólio, disse Careli.
Os principais mercados da Ferrero estão na Europa; Itália, França e Alemanha. Ao todo, a empresa está presente em 170 países.
A empresa chega à Páscoa brasileira com a estratégia de apostar na categoria de “presenteáveis”, ou seja, com produtos que vão desde caixas com quatro bombons e com preços mais acessíveis até ovos de maior valor.
“Pensamos em uma Páscoa democrática, em que o consumidor possa escolher presentear com um produto de qualidade, seja com um Kinder Ovo com surpresas temáticas ou com um Ferrero Rocher em formatos inovadores como tablets ou snacks”, afirmou.
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