Fiagros em xeque: investidores de varejo pagam preço de queda do agronegócio

Desvalorização nos preços de commodities e aumento de custos de financiamento ampliam pedidos de recuperação judicial, gerando perdas em fundos que investem em ativos do setor

Homem observa despejo de grãos em silo
Por Dayanne Sousa - Clarice Couto - Isis Almeida
11 de Novembro, 2024 | 01:32 PM

Bloomberg — Um boom no setor agrícola brasileiro provocou uma onda de investimentos: o mercado de US$ 7 bilhões para fundos para o agronegócio atraiu pessoas de diferentes esferas nos últimos três anos.

Mas, conforme as colheitas abundantes em todo o mundo fizeram com que os preços despencassem e os agricultores brasileiros declarassem recuperação judicial a taxas alarmantes, o chamado investidor de varejo começou a pagar o preço.

É um lembrete dos riscos do mercado para investidores que foram “bombardeados” com mensagens na televisão para promover a agricultura como moderna e descolada, e até mesmo com músicas que celebram o sucesso do setor. Muitos despejaram dinheiro em instrumentos recém-criados para financiar o agronegócio, atraídos pela promessa de altos retornos.

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Agora, os executivos do setor estão preocupados com a possibilidade de a nova fonte de receita secar em breve, e as autoridades estão presas no dilema de como manter o crédito acessível aos agricultores sem prejudicar os investimentos.

“Uma questão que antes estava contida no setor extrapolou para o investidor não profissional, que faz seu investimento, sua poupança, sua aposentadoria”, disse Fabiana Alves, CEO do Rabobank no Brasil, em uma entrevista no evento Bloomberg New Economy em São Paulo no mês passado.

Gráfico

Tudo começou quando players da Faria Lima encontraram uma maneira inovadora de financiar a gigantesca expansão agrícola do Brasil. Eles criaram os Fiagros – fundos de investimento lastreados em recebíveis agrícolas, como juros, dividendos e pagamentos de arrendamento de terras.

Essa foi uma mudança em relação ao passado, quando o setor era financiado principalmente pelo Estado. Os agricultores tinham acesso a linhas de crédito subsidiadas oferecidas pelo governo, mas isso não era suficiente para alimentar um setor responsável por quase um quarto da economia do país.

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Mercado em expansão

O mercado logo se expandiu para players profissionais como o Rabobank e, nos últimos três anos, foi aberto a investidores de varejo.

“Estamos gradualmente liberando o Tesouro”, disse o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. A expansão de novos mecanismos, como os Fiagros, permite que o governo se concentre no financiamento de pequenos agricultores, em vez de ter que apoiar também os grandes produtores, acrescentou.

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A agricultura já é extremamente popular no país – uma pesquisa recente do grupo de marketing ABMRA apontou que cerca de 68% das pessoas no país admiram negócios na agricultura.

As novelas e as músicas enaltecem a vida no campo. Isso atraiu alguns herdeiros da Geração Z a assumir o controle de empresas do agronegócio e tornou mais fácil para bancos de investimento e corretoras venderem notas e fundos agrícolas para investidores comuns.

Ainda assim, o investimento em agricultura pode ser arriscado, com o sucesso de produtores dependendo do clima e da volatilidade dos preços das commodities.

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Garantias nem sempre funcionam

Os problemas recentes ocorreram depois que anos de expansão alimentada por dívidas na potência agrícola foram seguidos por uma queda nos preços das principais culturas e um aumento nos custos de empréstimos.

Agricultores brasileiros entraram com pedido de proteção contra credores no segundo trimestre em volume total mais de seis vezes o número registrado no mesmo período do ano anterior, totalizando 214, de acordo com dados da Serasa Experian.

Uma onda de pedidos de falência poderia “assustar” investidores se eles acharem que não há garantias suficientes, disse Fávaro.

Uma grande preocupação do ponto de vista de segurança jurídica é que juízes no Brasil recentemente protegeram as terras de produtores agrícolas contra a apreensão por parte de credores.

Como os recebíveis do agronegócio geralmente são garantidos por imóveis e outros ativos, essas decisões significam que os credores enfrentam a perspectiva de brigas legais caras e demoradas para tomar posse da garantia.

Um risco adicional é que a maioria dos emissores de recebíveis que lastreiam os investimentos em Fiagros não tem classificação de risco e não fornece nenhuma informação pública aos investidores.

Alves disse que, embora o Rabobank tenha uma carteira de crédito de mais de US$ 10 bilhões em negócios agrícolas no Brasil, a empresa não foi afetada pela última crise. Isso se deve ao fato de o banco ter como alvo os maiores agricultores, enquanto as recuperações judiciais afetaram produtores menores.

Mas os investidores pessoa física podem estar mais expostos.

“Analisar a agricultura em seus vários aspectos exige um conhecimento especializado que nem todo operador financeiro tem”, disse Alves. “Não se pode vender isso a um investidor comum como se vende um CDB”, disse.

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