Bloomberg — O Brasil colhe uma safra gigante após a outra. Mas os produtores rurais estão indo à falência a um ritmo alarmante, desferindo um golpe aos investidores do mercado em rápida expansão dos fundos de investimento em cadeias agroindustriais, que já giram R$ 34 bilhões.
A queda dos preços do milho e da soja provoca inadimplência e prejudica os retornos dos chamados Fiagros, garantidos por pagamentos de juros e dividendos atrelados a ativos agrícolas, bem como arrendamento de terras.
Fundos como Galápagos Recebíveis do Agronegócio e SFI Investimentos do Agronegócio caíram abaixo do valor de seus ativos subjacentes depois que produtores deixaram de pagar algumas linhas de crédito.
É uma reviravolta diante da rápida expansão do agronegócio ao longo da última década – o Brasil ultrapassou pela primeira vez os EUA como maior exportador de soja do mundo em 2013 e subiu para primeiro lugar no milho no ano passado.
O número de produtores que entraram com pedido de recuperação judicial aumentou em seis vezes em 2023, de acordo com a Serasa Experian.
“Há uma onda de recuperações judiciais no setor agrícola brasileiro, e isso é muito preocupante”, disse Paulo Sousa, que dirige as operações brasileiras da Cargill, maior trading agrícola do mundo. “Isso traz incerteza para os credores. Muito dinheiro novo entrou no setor nos últimos anos, e isso é um risco.”
Os Fiagros foram criados em 2021, e ganharam popularidade entre os investidores de varejo que buscam retornos elevados e exposição ao setor de crescimento mais rápido no país. Esses fundos de investimento tinham mais de R$ 34 bilhões sob gestão em janeiro, um salto de 43% em relação ao ano anterior, segundo a Anbima.
O boom agrícola foi em parte financiado por estes novo instrumento do mercado de capitais. Antes dos Fiagros, o setor estava bem mais distante dos mercados de capitais, dependendo do financiamento de bancos e tradings.
O dinheiro novo ajudou os produtores a expandir o plantio de soja a um ritmo recorde – em cerca de 1,9 milhão de hectares ao ano, em média, desde 2019, de acordo com a Conab.
Inadimplência crescente
Agora, uma onda de inadimplência gera preocupações sobre a saúde desses fundos e coloca em risco um esforço para alargar o acesso ao capital por meio da securitização de dívidas.
Se cada vez mais agricultores entrarem em recuperação judicial, isso também poderá representar um risco para a economia brasileira, que se tornou cada vez mais dependente da agricultura.
Grandes bancos, incluindo o Itaú BBA, estão rastreando clientes com dívidas com vencimento no curto prazo para renegociar vencimentos e evitar inadimplência.
“2024 será um ano mais desafiador”, disse Pedro Fernandes, diretor de agronegócio do Itaú (ITUB4), em entrevista à Bloomberg News. “Alguns agricultores terão de adiar o pagamento da dívida.”
As cotações da soja e do milho estão em queda desde meados de 2022, com uma oferta global abundante que compensa as perturbações causadas pela invasão da Ucrânia pela Rússia.
Um indicador da Bloomberg para as principais commodities agrícolas registrou queda de quase 16% no ano passado, a maior em uma década. No Brasil, os preços caíram ainda mais, com o milho e a soja negociados com grandes descontos em relação aos futuros em Chicago.
Entre as empresas agrícolas que entraram com pedido de recuperação judicial estão a Elisa Agro Sustentável, produtora de soja e milho em Goiás. Ela faz parte de um grupo que vendeu R$ 293 milhões em CRAs para investidores, incluindo Galápagos. O Grupo Castilhos, que cultiva cerca de 222.000 hectares na Bahia e no Paraná, também deixou de pagar os CRAs.
A Elisa Agro disse que está trabalhando com credores e consultores para encontrar um plano de reestruturação “viável”. O Grupo Castilhos não respondeu a pedido de comentário.
O número de produtores que já pediram recuperação judicial – 127 no ano passado – é relativamente baixo, mas o ritmo acelerado dos pedidos é “preocupante”, disse Marcelo Pimenta, chefe de agronegócio da Serasa Experian.
Os números são também apenas a ponta do icebergue, já que os produtores normalmente atrasam pagamentos, renegociam dívidas e entram em inadimplência antes de bucarem recuperação judicial.
Aperto de lucro
A redução da lucratividade do agronegócio também prejudica outros setores: as vendas de tratores e outras máquinas agrícolas caíram 20% no ano passado, a maior queda em quase uma década, e um revés para empresas como a Deere & Co.
A fabricante de pesticidas FMC e a produtora de sementes e defensivos agrícolas Corteva também foram duramente atingidas.
A AgroGalaxy Participações, uma distribuidora de insumos agrícolas, perdeu quase 80% do seu valor de mercado em um ano, após um declínio das vendas e maiores taxas de inadimplência.
A empresa investida pela Aqua Capital disse em fevereiro que buscava uma isenção do limite de alavancagem acordado em “covenant” com os detentores de sua dívida, depois de ter ultrapassado o nível máximo permitido.
O setor de Fiagros “cresceu muito rápido e houve um problema de governança, com exposição excessiva aos produtores rurais”, disse Leandro Albuquerque, analista da S&P Global Ratings. A maioria dos emissores dos recebíveis que lastreiam esses investimentos não tem classificação de risco e não fornece qualquer informação pública aos investidores.
A Agropecuária Três Irmãos Bergamasco, que entrou com pedido de recuperação judicial em dezembro, concordou em pagar impressionantes 12,3% ao ano, mais inflação, aos investidores que comprassem seus R$ 36 milhões de reais em CRAs com vencimento em 2027.
Isso se compara a um cupom médio de 7,26% para um cesta de 256 títulos denominados em dólar de empresas brasileiras com pelo menos US$ 300 milhões em dívida pendente. A empresa não respondeu a um pedido de comentário.
“Os Fiagros pegaram emissores com dívidas elevadas e menos capazes de resistir a uma recessão”, disse Vitor Duarte, diretor de investimentos da Suno Asset. Qualquer queda nos lucros torna difícil para eles pagarem dívidas, disse ele.
A Galápagos, cujo Fiagro já enfrenta pedidos de recuperação judicial e inadimplência, disse que os credores estão se tornando mais cautelosos.
“É altamente provável que os empréstimos fiquem restritos, os vencimentos sejam mais curtos e o capital fique mais caro”, disse Carlos Fonseca, sócio do fundo com sede em São Paulo. “Mas o agronegócio é sólido. Temos muitos grandes produtores e empreendedores. Acredito que esse problema será resolvido em breve.”
Para Sousa, da Cargill, o risco é que o tão necessário crédito desapareça.
“O capital é um bichinho assustado e qualquer ameaça pode levá-lo a procurar destinos mais tranquilos”, disse ele. “O capital de giro no agronegócio é como oxigênio.”
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