Bloomberg — A LanzaJet tem a ambição de se tornar a primeira fabricante comercial de combustível de aviação sustentável a partir do etanol. Mas agora as tarifas dos Estados Unidos de Donald Trump sobre o biocombustível brasileiro criam um obstáculo.
Embora sua fábrica no estado da Geórgia esteja localizada a cerca de 1.000 milhas do maior centro de milho e etanol dos EUA, em Iowa, ela se posiciona para receber remessas de matéria-prima da América do Sul.
Não é que a LanzaJet não queira usar produtos agrícolas nacionais para seu combustível.
Na verdade, essas commodities não são consideradas suficientemente favoráveis ao clima, de acordo com as diretrizes federais dos EUA, para se qualificarem para um crédito fiscal, conhecido como 45Z.
Esse crédito é destinado a impulsionar a produção de combustíveis de baixo carbono — incluindo o combustível de aviação sustentável, ou SAF na sigla em inglês.
“Se essa tarifa for aplicada às importações de etanol, o resultado será um produto SAF de custo mais alto do que estamos fabricando nos EUA”, disse o CEO da LanzaJet, Jimmy Samartzis, em uma entrevista à Bloomberg News, referindo-se a um novo imposto sobre produtos brasileiros.
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“Não há alternativa para um etanol produzido nos EUA que se qualifique [ao crédito].”
Embora o setor de combustível de aviação “verde” esteja ainda em fase de construção, o possível revés das tarifas poderia ter um efeito inibidor sobre o investimento dos EUA em um momento em que a China e o Brasil procuram aumentar seus próprios mercados domésticos de SAF.
O dilema da LanzaJet ressalta os efeitos em cascata que os impostos do presidente Donald Trump estão tendo sobre o mercado de biocombustíveis dos EUA e o setor agrícola que o sustenta.
Os impactos estão sendo sentidos em termos de importações de suprimentos que alimentam as fábricas, e também há preocupações sobre o que as medidas retaliatórias dos parceiros comerciais significarão para as exportações.
Enquanto isso, as brigas comerciais se agravam em um momento em que o setor já estava enfrentando uma política incerta em Washington, especialmente porque o governo Trump mira atacar as políticas de mudança climática que impulsionaram os combustíveis renováveis sob Joe Biden.
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“Coloque o cinto de segurança e outro e talvez um terceiro cinto de segurança, e aguente firme, porque vai ser volátil”, disse Jim Schultz, fundador da empresa de gestão de fundos de private equity Open Prairie e investidor agrícola de quinta geração que cresceu na fazenda de sua família em Illinois.
Ele falou em uma entrevista na semana passada no evento “Farm, Food & Fuel Summit” da Bloomberg Intelligence em Indianápolis.
Diesel verde
Uma área específica de preocupação é o diesel verde dos EUA.
Alguns produtores do biocombustível têm dependido de matérias-primas de óleo de cozinha usado, ou UCO, da China. Agora, esse comércio também pode acarretar despesas mais altas.
Os EUA importaram 2,8 bilhões de libras de óleo de cozinha usado da China no ano civil de 2024, acima dos 1,5 bilhão do ano anterior, de acordo com a analista da No Bull, Susan Stroud, que citou dados do governo.
As remessas do país asiático representaram cerca de metade do que os EUA compraram do exterior no ano passado.
O UCO é altamente valorizado para a fabricação de diesel renovável e outros biocombustíveis devido à sua baixa intensidade de carbono.
No entanto a enxurrada de importações do ano passado gerou a preocupação de que algumas remessas pudessem ser fraudulentas, o que levou o governo Biden a proibir que a matéria-prima estrangeira se qualificasse na 45Z.
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Mesmo assim, as importações continuam a chegar aos EUA enquanto o mercado espera que o governo Trump se pronuncie sobre as regras inacabadas de crédito fiscal.
"A UCO está enfrentando um duplo golpe", disse James Primrose, consultor independente de biocombustíveis.
A redução das importações de óleos e gorduras residuais pode ser uma boa notícia para os agricultores e processadores de soja dos EUA. O óleo de soja fresco, produzido pelo esmagamento de grãos inteiros, também é usado como matéria-prima para biocombustível.
No passado, ele enfrentou forte concorrência do UCO, que é visto como tendo uma pegada de carbono menor e, portanto, pode ser mais valioso sob a política federal, bem como em mercados de baixo carbono, como a Califórnia. Os futuros do óleo de soja em Chicago caíram 16% no ano passado.
O impacto das tarifas poderia dar mais apoio ao óleo de soja em relação ao UCO estrangeiro este ano. Isso ajudaria os agricultores dos EUA, que estão cada vez mais preocupados com o fato de seus carregamentos de soja para a China sofrerem uma redução na demanda em meio à disputa comercial.
Como a turbulência tarifária gera preocupações, alguns observadores do mercado esperam que o momento crie um impulso para que a política de biocombustíveis dos EUA esteja mais bem alinhada com a agricultura doméstica em geral.
“Uma cadeia de suprimentos integrada para biocombustível dos EUA, combustível de aviação sustentável e diesel renovável - essa é uma história interessante”, disse Ken Zuckerberg, diretor de pesquisa da CHS, a maior cooperativa agrícola dos EUA, no fórum da Bloomberg Intelligence na semana passada.
“É uma reformulação da ordem agrícola.”
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