Bloomberg — Os Estados Unidos deram um enorme salto tecnológico ao lançar a primeira usina de combustível de aviação sustentável a partir de etanol do mundo – mas serão os produtores de etanol brasileiros, e não os americanos, que inicialmente colherão os frutos.
Embora capaz de processar etanol produzido a partir do milho nos EUA, a usina da LanzaJet na zona rural do estado da Geórgia funcionará principalmente à base de etanol de cana-de-açúcar importado do Brasil quando sua produção comercial começar.
Isso porque muitas das maiores usinas brasileiras já foram certificadas para produzir matéria-prima para o combustível de aviação sustentável (SAF, na sigla em inglês), atendendo aos padrões americanos e internacionais.
A São Martinho (SMTO3) espera ser a primeira a abastecer o mercado de SAF dos EUA.
A empresa recebeu as certificações necessárias – incluindo o padrão Corsia, globalmente aceito, estabelecido pelo órgão regulador da aviação das Nações Unidas, além do registro na Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) – e começou a produzir etanol de cana-de-açúcar em conformidade com o SAF para exportação, afirmou o presidente da empresa, Fabio Venturelli, em entrevista à Bloomberg News.
A companhia prevê produzir entre 13 milhões e 15 milhões de litros na atual safra, segundo o executivo. “Chegou a hora de recebermos o devido reconhecimento pelo nosso trabalho”, afirmou Venturelli.
Para serem elegíveis sob o padrão Corsia de compensação e redução de carbono para a aviação, os produtores devem garantir que o etanol foi fabricado com emissões baixas e não contribuiu para o desmatamento. A EPA exige que os produtores provem que os volumes podem ser armazenados e transportados separadamente de outros combustíveis.
Leia mais: Brasil manterá tarifas sobre a importação de etanol, diz ministro de Agricultura
Outros grandes produtores brasileiros, incluindo Raízen (RAIZ4), BP Bunge Bioenergia e usinas ligadas à Copersucar, obtiveram a certificação Corsia. A Raízen e a Copersucar também se registraram junto à EPA, disseram as empresas.
A corrida para fornecer etanol para SAF é crítica para as usinas devido à ascensão de veículos elétricos, o que ameaça diminuir o consumo do biocombustível. A produção mundial de SAF a base de etanol exigiria até 9 bilhões de litros por ano do biocombustível até 2030, estima a Raízen. Isso equivale a quase um terço de toda a produção de etanol de cana-de-açúcar no Brasil.
“Estamos prontos para fornecer etanol em diferentes pontos dos EUA, com certeza”, disse Paulo Neves, vice-presidente da Raízen, uma joint venture entre a Cosan e a Shell.
A usina da LanzaJet, que conta com o apoio do Departamento de Energia dos EUA, usou etanol de milho americano durante a fase de testes. O CEO da empresa, Jimmy Samartzis, insistiu que pretende usar a matéria-prima produzida nos EUA novamente quando sua intensidade de carbono diminuir.
Também é fundamental que o governo Biden faça mudanças para reconhecer as práticas de redução de gases de efeito estufa que já ocorrem na produção de etanol de milho nos EUA, disse Samartzis por e-mail.
Leia mais: Índia avalia destinar volume maior de açúcar à produção de etanol, dizem fontes
“Nossa prioridade é continuar a buscar o etanol americano à medida que melhoras são feitas em sua intensidade de carbono”, disse Samartzis. Além do etanol de cana-de-açúcar, a usina utilizará uma série de outros tipos de etanol de baixo carbono, como o combustível a base de celulose, quando passar para a fase de produção comercial.
Várias das fábricas de SAF ficam perto da costa do Golfo do México, no sul dos EUA, onde as importações terão maior viabilidade econômica. Quando a LanzaJet inaugurou formalmente suas instalações em janeiro, as associações do setor de milho e etanol dos EUA criticaram a falta de etanol americano de baixo carbono disponível para ser utilizado na fábrica.
Os membros da indústria americana consideraram a abertura como um alerta para agirem muito mais rapidamente na redução dos gases de efeito estufa em toda a cadeia de produção.
Leia mais: Raízen: plano é ser líder global em combustível sustentável de aviação, diz CEO
“As usinas não estão no cinturão do milho americano. Então, as portas já estão abertas para o etanol mais competitivo”, disse Ricardo Carvalho, diretor comercial da BP Bunge.
A produção e os embarques de etanol para a fabricação de SAF da BP Bunge ainda não começaram, mas a meta é que isso aconteça ainda neste ano. A empresa disse que poderia exportar até 500 milhões de litros de etanol para SAF assim que mais usinas sustentáveis de combustível de aviação sustentável entrarem em operação.
A indústria de etanol americana corre para nivelar as condições de concorrência por meio do apoio a projetos massivos de captura e armazenamento de carbono para baixar a pontuação de intensidade de carbono o suficiente para participar no setor de SAF. Mas alguns desses projetos enfrentam oposição de ambientalistas e proprietários de terras.
“Quando olhamos para a cadeia de emissões do etanol de milho americano”, disse Tomas Manzano, CEO da Copersucar, “eles ainda estão aquém”.
O Brasil também ainda tem trabalho a fazer. Muito do etanol brasileiro é transportado em caminhões, o que pode significar mais emissões de carbono. Há alguns dutos de etanol, mas ainda não chegam ao principal porto do país.
No caso da São Martinho, a empresa disse que as emissões relacionadas ao transporte serão menores com o uso de ferrovias.
Os documentos do padrão Corsia mostram que as emissões do ciclo de vida do etanol de milho americano são quase três vezes maiores do que as do etanol de cana-de-açúcar brasileiro.
Veja mais em Bloomberg.com
Leia também
Maior produtor de fertilizantes do mundo planeja deixar Argentina, Chile e Uruguai
Vendas da LVHM desaceleram com queda na demanda por bolsas Louis Vuitton
© 2024 Bloomberg L.P.