Estas startups prometiam revolucionar o agro. Agora estão em crise e demitem

Dificuldades para atender os produtores rurais e para levantar capital em meio à alta de juros desafiam empresas novatas de tecnologia nos Estados Unidos

Fazendeiro em plantação de trigo em Oklahoma
Por Kim Chipman - Michael Hirtzer
13 de Junho, 2024 | 04:26 PM

Bloomberg — Startups que antes ameaçavam disruptar o setor agrícola avaliado em US$ 1,5 trilhão e desestabilizar gigantes do comércio de safras, como a Archer-Daniels-Midland e a Cargill, enfrentam dificuldades nos Estados Unidos.

A Indigo, que já foi um hub de comércio e transporte de grãos, cortou empregos e reduziu negócios. A Farmers Edge fechou o capital por uma pequena fração do valor de sua oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês). A Gro Intelligence, nomeada pela revista Time como uma das 100 empresas mais influentes, vai fechar as portas, de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto ouvida pela Bloomberg News.

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O erro de muitos desses recém-chegados ao mercado: pensar que poderiam facilmente aplicar o manual do Vale do Silício ao mundo da agricultura.

“Quantos fazendeiros você vê aqui?”, questionou Matt Carstens, CEO da Landus, a maior cooperativa agrícola de Iowa, durante uma apresentação na feira World Agri-Tech Innovation Summit, realizada em São Francisco, em março. “Estamos todos falando para nós mesmos. Isso é legal. Mas alguém tem que executar isso em uma fazenda.”

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As dificuldades mostram como é difícil mudar um dos setores mais antigos do mundo, especialmente durante uma desaceleração na economia agrícola. A tarefa é ainda mais desafiadora, pois as operadoras tradicionais e poderosas também estão promovendo agressivamente serviços de alta tecnologia para os agricultores.

Inicialmente, as startups levantaram bilhões de dólares de investidores, beneficiando-se de taxas de juros ultrabaixas que ajudaram a alimentar os empreendimentos.

Sua visão, inspirada em empresas como eBay e Uber, era levar o comércio e a gestão de safras tradicionais para plataformas digitais, oferecendo dados e tecnologias para mudar as práticas em toda a cadeia de suprimentos agrícolas.

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No entanto, o financiamento, que antes era abundante, se esgotou rapidamente. O setor global de “agrifoodtech” levantou US$ 15,6 bilhões no mundo em 2023, uma queda de quase 50% em relação ao ano anterior e o nível mais baixo desde 2017, de acordo com um relatório de investimentos da empresa de capital de risco AgFunder.

Os gigantes do setor provaram ser adversários formidáveis. Houve uma “resistência muito forte do setor à entrada da FBN no mercado”, disse Charles Baron, cofundador da Farmers Business Network (FBN).

A empresa enfrentou a resistência de rivais maiores no setor de insumos em seus esforços para usar dados coletivos de produtores para oferecer transparência de preços, o que resultou em um litígio antitruste há vários anos envolvendo alegações contra a Bayer e outros.

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Mas o principal problema para muitas das startups é a dificuldade de se conectar com os agricultores.

Lance Lillibridge, que cultiva milho e soja em Iowa, disse que as startups não entendem o agricultor, enquanto os próprios produtores têm receio de compartilhar dados sensíveis de produção em troca de pagamentos vinculados a créditos de carbono.

“Eles pegam nossos dados e os usam para coisas que não pretendíamos que eles usassem”, disse ele. “Eles quebraram a confiança do agricultor.”

‘Uma chance’

A comunidade de venture capital tem aprendido que os retornos no segmento de tecnologia agrícola é diferente de outras áreas, de acordo com Marc Kermisch, diretor digital e de informações da fabricante de tratores CNH Industrial, que tem sua própria estratégia para conectar os agricultores a equipamentos de alta tecnologia.

“No final das contas, os agricultores são pequenos empresários e geralmente têm uma única chance de plantar sua safra a cada safra”, disse ele. “Portanto, o nível de exigência deles para adicionar tecnologia é muito alto, pois se estragarem a colheita”, estarão afetando seus lucros.

Dean Banks, CEO da Indigo, diz que é mais fácil falar sobre disrupção do que de fato realizar a disrupção. A empresa abandonou algumas áreas de negócio, inclusive uma que tentava usar caminhões ociosos para transportar colheitas, e agora se concentra principalmente em revestimentos de sementes e em ajudar os agricultores a sequestrar carbono.

O valuation da Indigo caiu de quase US$ 4 bilhões em julho de 2022 para cerca de US$ 200 milhões um ano depois, de acordo com estimativas da PitchBook, que fornece dados para mercados públicos e privados. Um valuation mais recente não está disponível devido à falta de dados, e a empresa se recusou a comentar o assunto.

Tanto os investidores quanto as empresas iniciantes têm relutado ultimamente em divulgar os valuations das empresas, disse Alex Frederick, analista sênior de tecnologia emergente nos setores de agricultura e alimentos da PitchBook. “Os investidores são mais rápidos em investir quando os valuations são certos, mas os valuations estão em queda livre até certo ponto”, disse ele.

Banks disse que a Indigo fez “progressos substanciais” e está buscando atingir o ponto de equilíbrio (breakeven) até o final do ano, com base nos lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda). “Vendemos ou saímos de negócios nos quais já havia outras pessoas tão boas ou melhores trabalhando”, disse ele.

A Farmers Edge, sediada no Canadá, que busca fornecer soluções tecnológicas em toda a cadeia de suprimentos, atingiu um valor de mercado de cerca de US$ 607 milhões após sua oferta pública inicial há três anos. Ela foi comprada no início deste ano pela Fairfax Financial Holdings a um preço 98% inferior ao de seu IPO.

Valuations evaporados

“A maior parte do setor de tecnologia teve valuations inflacionados, especialmente as startups, e quando as coisas começaram a se normalizar após a covid-19, esses valuations meio que evaporaram”, disse Vibhore Arora, CEO da Farmers Edge.

Arora disse que sua missão foi redefinir a direção da empresa, dobrar o foco na execução e parar de tentar fazer tudo no concorrido mercado de agtech.

A Gro Intelligence, que usava dados de satélite e inteligência artificial para fazer previsões de safras, no início deste mês dispensou a maior parte de sua equipe restante, pois enfrentava uma crise de financiamento cada vez maior, e está fechando as portas depois de não conseguir encontrar um comprador, de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto.

Em fevereiro, a fundadora Sara Menker deixou a empresa. Há apenas cinco anos, a Gro se vangloriava de ser uma alternativa ao Departamento de Agricultura dos EUA quando a agência teve que cancelar relatórios devido a uma paralisação do governo.

A Farmers Business Network, por sua vez, está tentando se reerguer depois de uma série recente de saídas de líderes e demissões de funcionários.

"O ciclo de baixa no setor agrícola nos últimos dois anos afetou muitas empresas, e a FBN não ficou imune", disse o CEO Diego Casanello. Ele disse que a FBN está no caminho da lucratividade este ano com base no Ebitda depois de tomar "muitas decisões difíceis e prudentes" para se concentrar em seus serviços principais e mais lucrativos.

A FBN disse em um comunicado enviado por e-mail que continua a crescer e está atendendo a mais fazendas do que nunca em sua plataforma. A empresa afirmou que é uma importante parceira da ADM e que se tornou sua parceira exclusiva no gerenciamento de programas de sustentabilidade de produtores, apoiando milhares de produtores.

A startup também disse que a alegada forte resistência das empresas de insumos ressalta a necessidade dos agricultores de um mercado competitivo.

A FBN teve um valuation estimada em cerca de US$ 3,8 bilhões há alguns anos, embora não houvesse um valor atual disponível. Recentemente, a empresa fez um empréstimo de curto prazo na forma de uma nota conversível que ainda não foi precificada, de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto.

Carstens, da Landus, disse que tanto a FBN quanto a Indigo fizeram um bom trabalho, mas “enfrentaram a força de nossa agência tradicional” e não conseguiram entrar no mercado.

Por sua vez, a Landus, com o apoio do cofundador e ex-CEO da FBN, Amol Deshpande, está lançando sua própria plataforma digital, inicialmente focada em serviços financeiros, aproveitando as vantagens do modelo cooperativo para prestar serviços a agricultores, associados ou não.

O mercados das startups de tecnologia agrícola em geral deve estar preparado para enfrentar as dificuldades de financiamento que tendem a continuar, disse Rob Leclerc, sócio fundador da AgFunder.

Algumas empresas tentam reformular suas apresentações aos investidores para enfatizar o uso de inteligência artificial, mas geralmente é um esforço fraco e pouco transparente.

“As empresas precisam de uma história realmente convincente sobre por que são fundamentalmente diferentes”, disse ele. “Veremos uma quantidade enorme de fracassos no setor”.

-- Com a colaboração de Sarah McBride.

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