Bloomberg Línea — Nos últimos oito anos, a história da Brasil Química, ou BRQ, empresa de controle familiar que atua com fertilizantes, foi marcada por algumas reviravoltas: em 2017, a companhia entrou em recuperação judicial, um período turbulento nos negócios. Apesar disso, o desenho de um plano estratégico e a subsequente execução fizeram com que a empresa voltasse ao lucro.
Mudanças na estratégia da companhia desde a recuperação judicial, sobretudo com a importação de insumos utilizados nos fertilizantes em vez de produção própria, têm surtido efeito no fluxo de caixa da companhia, segundo contou Marcelo Fernandes, presidente do conselho e herdeiro dos negócios da BRQ, em entrevista à Bloomberg Línea.
Para este ano, a empresa projeta um crescimento de 30% no faturamento, com uma previsão entre R$ 300 milhões e R$ 310 milhões.
A recuperação judicial enfrentada pela empresa em 2017, segundo Fernandes, ocorreu em razão de problemas de caixa com o aumento das despesas financeiras e dos investimentos.
Segundo ele, essa situação delicada levou instituições financeiras a se retrair, e, depois, veio “uma avalanche”.
“Fizemos a lição de casa quando muitos acreditavam que não iria dar certo. Apesar disso, nós acreditávamos muito na companhia, porque a capacidade de geração de Ebitda dela sempre foi muito forte”, disse o executivo à frente dos negócios da empresa.
Leia também: Yara aguarda regras do setor marítimo para produzir mais amônia verde, diz CEO
Fernandes, que é presidente do conselho, tomou a frente dos negócios justamente durante a recuperação judicial e optou por trazer uma consultoria de fora para analisar exatamente os pontos que precisavam de melhoria.
O plano de reconfiguração dos negócios começou a ser posto em prática em 2018. Uma das primeiras ações tomadas foi a demissão de mais da metade dos funcionários: de 130, a empresa passou a contabilizar 52.
Com o tempo, o patamar de funcionários voltou a crescer e se estabilizou em 160.
Com a recuperação judicial superada em 2020, Fernandes explicou que decidiu nomear o contador da companhia, Renan Cardoso, como CEO, enquanto ele próprio assumiu a presidência do conselho.
“Eles [os diretores] tocam questões operacionais, mas eu estou no dia-a-dia da empresa e faço aquele trabalho de coaching com o CEO. Nós trabalhamos muito unidos, para o objetivo maior que é fazer a Brasil Química crescer”, disse.
Em 2024, a empresa registrou R$ 232 milhões em faturamento bruto - e superou a meta de R$ 200 milhões. Segundo Fernandes, o crescimento no período foi impulsionado por um mercado favorável e pela preparação da empresa para a safra, o que resultou em um desempenho acima do esperado.
“Em contraste, 2024 apresentou desafios significativos, especialmente devido às oscilações cambiais. No entanto a empresa manteve uma visão otimista e se preparou estrategicamente para minimizar impactos negativos”, disse o executivo.
A volatilidade do dólar, citada por Fernandes, influencia diretamente o custo dos insumos e o preço das commodities exportadas.
Ou seja, quando o dólar sobe, os insumos importados, como fertilizantes e combustíveis, ficam mais caros, o que aumenta os custos para as empresas. Se o dólar cai, o efeito é o oposto.
No entanto a empresa se protegeu dessas oscilações da moeda americana em relação ao real com estratégias de compra planejada e travas cambiais, disse Fernandes, o que ajudou para a estabilidade de seus resultados financeiros.
Segundo o executivo, o melhor ano para os negócios foi o de 2022, impulsionado por um forte crescimento do agronegócio e da construção civil.
Para 2029, a meta é ainda mais ousada do que a de anos anteriores: triplicar o faturamento do ano passado, para cerca de R$ 800 milhões.
Fernandes disse que, devido à superação da meta de faturamento e à manutenção da eficiência, a empresa apresentou um crescimento tanto do Ebitda (métrica de geração de caixa operacional) quanto no lucro líquido acima da casa dos 50% em 2024.
Antes da recuperação financeira, entre 35% e 40% das matérias-primas eram importadas. Hoje, esse percentual atinge 70%, com produtos da China, dos Estados Unidos, da Rússia, da Turquia, do Chile e da Argentina.
A comercialização de matérias-primas responde por cerca de 70% do faturamento da empresa, enquanto os fertilizantes especiais e bioinsumos correspondem aos 30% restantes.
A previsão é que a participação dos bioinsumos de forma isolada dobre nos próximos dois anos, para cerca de 20% do faturamento até 2027.
Bioinsumos de Batatais
Com quase 30 anos de trajetória, a história da empresa está ligada à de Fernandes, que começou sua carreira na Brasil Química aos 18 anos. Seu pai, fundador da companhia, teve um papel fundamental na sua consolidação e também na negociação com os credores durante o processo de recuperação judicial.
Em 1995, a empresa atuou como revendedora de fertilizantes, com atendimento tanto de companhias do setor quanto de produtores diretamente.
Anos depois, em 2008, a BRQ começou a industrializar suas próprias soluções, como fertilizantes foliares e, posteriormente, fertilizantes especiais.
Leia mais: Ducoco: como o grupo passou de império familiar à recuperação judicial
A partir de 2016, a companhia ampliou suas operações para incluir a produção de bioinsumos.
A fabricação de bioinsumos, anteriormente chamada de biológicos, tornou-se um dos pilares da companhia, que tem uma unidade industrial localizada em Batatais, no interior de São Paulo, que ocupa 40.000 metros quadrados.
A capacidade produtiva é de mais de 30.000 toneladas mensais, além de um robusto volume de produção de bioinsumos, embora a quantificação desses produtos seja mais complexa devido às suas características biológicas, explica Fernandes.
Outro pilar importante é a retenção de talentos, disse Fernandes.
A companhia adotou um modelo de sociedade que distribui participação acionária entre os funcionários mais seniores, para tentar assegurar que aqueles que ajudaram a construí-la tenham um compromisso com seu crescimento.
Hoje 92% da companhia é de Fernandes, enquanto que 7,5% são divididos entre três sócios: o CEO, Renan Cardoso, Murilo Spina, diretor comercial, e Fábio Fernandes, diretor de operações, possuem 2,5% cada um.
Fernandes disse que a empresa está em um processo de colher o que foi planejado ao longo dos anos, com o objetivo de maximizar os resultados, mas sem alavancar a empresa com novas aquisições e endividamentos.
“Acho que agora pode não ser o melhor momento para o mercado de M&A, mas estamos sempre dispostos a conversar. Sempre com muito ‘pé no chão’ daquilo que queremos, a partir daquilo que já colhemos e do que podemos colher”, disse.
Leia também
JBS se aproxima de dupla listagem em Nova York após acordo com BNDES
Recuperação judicial de gigante do café expõe crise no setor e grandes credores