El Niño mais forte é novo risco ao agro brasileiro e ao crescimento da economia

Alterações no clima provocadas pelo fenômeno climático têm prejudicado a colheita e o plantio de arroz, soja, trigo, leguminosas e frutas, com pressão sobre os preços de alimentos

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Bloomberg — O Brasil enfrenta uma ameaça vinda do clima que tem complicado os esforços de combate à inflação e de impulso à economia.

As preocupações com os efeitos do El Niño para a agricultura, responsável por um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) do país, têm causado revisões nas estimativas para a atividade em 2024, um ano depois de uma safra robusta ter impulsionado um crescimento mais forte do que o esperado.

O impacto nos preços dos alimentos também são uma preocupação para os economistas, cautelosos com o que uma aceleração representaria para o ciclo de corte de juros do Banco Central.

A combinação de uma economia em desaceleração e aumento dos custos dos alimentos acarretaria riscos políticos para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que terminou 2023 declarando ter cumprido as promessas de campanha de preços mais baixos para os brasileiros.

“O El Niño está pior que o esperado”, disse Adriano Valladão, economista do Santander Brasil (SANB11). “Esperamos números piores para a inflação de janeiro por conta do El Niño, impactando os produtos mais voláteis de alimentação.”

Dados globais sugerem que, até o momento, é improvável que o fenômeno climático tenha a mesma gravidade do evento que atingiu a Ásia, a Austrália e as Américas entre 2014 e 2016. Mas o aquecimento das águas no leste do Oceano Pacífico já teve um impacto na economia global, contribuindo para problemas da Índia até a África e provocando o aumento dos preços do arroz, do café e de outros produtos.

Agora, sinais de alerta começam a aparecer no Brasil. A inflação medida pelo IPCA acelerou mais do que o esperado em dezembro, segundo dados do IBGE divulgados no dia 11 deste mês, impulsionada pelo aumento dos custos de alimentos e bebidas.

Itens básicos como batata, feijão, arroz e frutas ficaram mais caros em meio a altas temperaturas e fortes chuvas.

O custo da alimentação em casa – onde os efeitos são mais pronunciados – aumentou 1,34%, muito mais rapidamente do que o aumento de 0,75% do mês anterior.

Se o El Niño se mostrar tão severo quanto da última vez, isso poderia adicionar 0,8 ponto percentual à inflação acumulada para 2023 e 2024, de acordo com pesquisa com economistas feita pelo Banco Central antes do Copom de dezembro.

O fenômeno climático fez com que o BC aumentasse as suas estimativas de inflação, disse Diogo Guillen, diretor de política econômica da autoridade monetária, durante um evento virtual organizado pelo JPMorgan no último dia 10. Mas “não é algo que muda tudo”, adicionou.

Preços para cima, previsões para baixo

Na América do Sul, Peru e Colômbia são os que enfrentam os maiores riscos vindos do El Niño, por potenciais impactos nas hidrelétricas, na agricultura e na pesca, disse William Jackson, economista-chefe para mercados emergentes da Capital Economics.

A Argentina, por outro lado, poderá se beneficiar do fenômeno com alívio nos efeitos das secas recordes que devastaram a economia local.

“Em termos de riscos, o Brasil está em algum lugar no meio”, disse Jackson.

O El Niño impulsionou a agricultura em algumas partes do Brasil. Mas causou fortes chuvas e secas em outras regiões importantes, com impacto em colheitas que são vitais para a economia do país.

Tempestades extremas no sul do país causaram inundações que atrasaram o plantio deste ano no Rio Grande do Sul, o principal estado produtor de arroz do país.

Como resultado, os preços do arroz dispararam e os custos para o consumidor saltaram quase 6% só em dezembro, segundo o IBGE.

“O custo da colheita deste ano aumentou significativamente devido aos desafios climáticos”, disse Alexandre Velho, agricultor e presidente da Federarroz.

Os preços de tubérculos e leguminosas, como batata, também subiram 8,1% no mês passado, em função das fracas colheitas na região Sul. Apenas o custo da batata aumentou 19% em dezembro.

A produção deverá ficar mais cara nos próximos meses, disse Margarete Boteon, professora de economia da Universidade de São Paulo.

O tempo chuvoso também prejudicou as colheitas de trigo e deverá resultar num aumento dos preços da farinha, de acordo com a Abitrigo.

Enquanto isso, os regiões agrícolas do norte e centro do Brasil receberam menos chuva do que o esperado, já que os efeitos do El Niño se combinaram com interrupções no fluxo normal das monções (ventos que mudam de direção e alteram as chuvas), segundo o presidente da World Weather, Drew Lerner.

Algumas partes do país ainda enfrentavam escassez de precipitação no início de janeiro, quando tipicamente as chuvas são generalizadas.

Isso prejudicou as previsões para a soja, o principal produto agrícola de exportação do Brasil. Os produtores de Mato Grosso, maior reduto da soja, relataram a necessidade de replantar 4% da área, resultando em custos mais elevados, segundo o instituto de economia rural do estado.

Como resultado, não se espera que os preços das oleaginosas aumentem, mas muitos agricultores acreditam que enfrentarão perdas financeiras, disse o analista da XP Leonardo Alencar. Empresas como a SLC Agrícola (SLCE3), inclusive, já revisaram estimativa de área plantada para baixo em razão do El Niño.

Embora os meteorologistas considerem que o impacto na América do Sul começa a enfraquecer, as consequências econômicas ainda estão por vir.

As safras interrompidas e os problemas na produção fizeram com que o Itaú (ITUB4) revisasse sua previsão de PIB agrícola de 2024 para 0,7%, bem abaixo da estimativa anterior de 2,5%.

“Em um cenário extremo”, disse Natalia Cotarelli, economista do Itaú, “poderíamos ter um PIB agro negativo esse ano”.

Mesmo que o El Niño continue relativamente ameno, não se espera que o setor agrícola cresça em 2024, segundo Felippe Serigati, pesquisador do centro de estudos do agronegócio da Fundação Getulio Vargas.

Riscos crescentes

Até o momento, os efeitos têm sido relativamente moderados sobre a América Latina, disse Jackson, da Capital Economics.

Embora o fenômeno tenha feito com que o banco central da Colômbia permanecesse cauteloso durante meses, à medida que os seus principais pares sul-americanos cortavam as taxas de juros, a autoridade monetária conseguiu realizar o primeiro corte nas taxas em três anos em dezembro.

Na Ásia, pelo contrário, o aumento da inflação forçou muitas autoridades monetárias a adiar os ciclos de flexibilização que tinham planeado lançar no segundo semestre de 2023.

Ainda assim, o El Niño enfatiza o risco crescente de condições meteorológicas extremas para os países cujas economias dependem da agricultura, especialmente com grandes eventos climáticos - como inundações e secas inesperadas - mais frequentes.

Isso provavelmente tornará o clima um fator ainda mais importante para a inflação e o desempenho econômico.

“Os riscos de longo prazo decorrentes do clima deverão fazer com que fenômenos climáticos severos se tornem mais frequentes e provavelmente isso vai levar a uma inflação mais elevada e mais volátil”, disse Jackson.

-- Com a colaboração de Clarice Couto, Oscar Medina, Jonathan Gilbert e Andrea Jaramillo.

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