Dívidas das 10 maiores recuperações judiciais do agro somam R$ 5 bilhões

Segundo especialistas, número de pedidos de RJ deve subir nos próximos meses em ambiente de commodities em queda, perdas de safras com o clima e juros ainda altos

Campo de soja no Brasil
24 de Maio, 2024 | 05:47 AM

Bloomberg Línea — Depois de anos de bonança ininterrupta, a crise chegou ao agronegócio.

Os efeitos causados pelo El Niño, combinados com inflação dos insumos, queda dos preços de commodities e juros elevados persistentes, criaram um cenário adverso para o setor, que deve enfrentar um avanço do número de recuperações judiciais em 2024, segundo fontes ouvidas pela Bloomberg Línea.

As dez maiores dívidas de empresas do setor que já estão em recuperação judicial (RJ) atualmente no país somam cerca de R$ 5 bilhões, de acordo com levantamento do Diamantino Advogados Associados, especializado em direito agrário e do agronegócio, para a Bloomberg Línea.

Os dados foram compilados a partir de informações processuais públicas nos tribunais em que correm as ações e consideram apenas recuperações judiciais já autorizadas pela Justiça ou planos aprovados pelos credores que já estejam em andamento.

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“O número de pedidos de recuperação judicial no setor deve crescer neste ano. Há uma perda de valor no mercado de commodities e, além disso, o agronegócio é cíclico e estamos em um ciclo de baixa”, afirmou o sócio do Diamantino Advogados Associados, Eduardo Diamantino.

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Entre as justificativas das empresas para os pedidos de recuperação judicial estão os efeitos da pandemia, da guerra na Ucrânia e as condições climáticas, segundo a análise dos processos.

As duas maiores recuperações judiciais do agronegócio atualmente superam um passivo individual de R$ 1 bilhão cada uma, segundo o levantamento. A Sperafico Agroindustrial, do Paraná, tem uma dívida de R$ 1,07 bilhão. Já a Usina Maringá, que integra um grupo de empresas com atuação no Estado de São Paulo, acumula dívida de R$ 1,02 bilhão (confira o ranking abaixo).

A terceira maior dívida nesse ranking, de R$ 664,8 milhões, pertence à Elisa Agro. A empresa alegou em petição inicial que uma conjunção de fatores levou ao pedido de RJ: os impactos da covid-19, a guerra na Ucrânia que afetou o fornecimento global de insumos, a queda dos preços de commodities agrícolas e a estiagem em setembro de 2020 contribuíram para o quadro de dificuldades.

A quarta maior dívida do levantamento, da Usina Açucareira Ester, de R$ 651,7 milhões, também tem como pano de fundo os efeitos da pandemia e a guerra na Ucrânia, além de dificuldades relacionadas sao clima. O grupo foi fundado em 1898 e tem a produção de açúcar e etanol como principal operação.

Na avaliação do sócio da consultoria Virtus BR Partners, Douglas Bassi, o cenário para o agronegócio estava positivo há cerca de dois anos, em razão dos altos preços de commodities como soja, milho e algodão. De lá para cá, as cotações estão mais baixas e houve restabelecimento dos níveis de estoques, ao mesmo tempo em que os custos subiram de forma significativa.

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“Há dois ou três anos, muitas empresas tomaram dinheiro emprestado com juros nominais baixos, aproveitando para fazer investimentos. Em 2023, os preços das commodities caíram e os custos não recuaram na mesma proporção”, disse Bassi.

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“Neste ano, o cenário está adverso e vemos os bancos mais seletivos em termos de concessão de crédito”, acrescentou o especialista em reestruturação de dívida.

Bassi ressaltou que, no geral, muitas empresas do agronegócio têm enfrentado dificuldades de capital de giro, principalmente quando há mudança abrupta de preços e consequente pressão de margens.

“Temos um cenário de estresse de estrutura de capital. Banco do governo ou agências de desenvolvimento não vão conceder empréstimos para empresas com esse tipo de problema.”

Para companhias listadas na bolsa brasileira (B3), como SLC Agrícola (SLCE3), BrasilAgro (AGRO3) e 3tentos (TTEN3), a situação está mais estável, disse Bassi. “Essas empresas podem acessar o mercado de ações ou emitir debêntures, os recursos estão mais disponíveis. Já aquelas que faturam até R$ 100 milhões, que são as mais representativas no Brasil, não têm o mesmo acesso a crédito.”

Para um dos sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados, Rodrigo Quadrante, as recuperações judiciais no campo estão começando a aumentar. “Certamente esse movimento deve se intensificar no segundo semestre, em meio à queda da produtividade por causa do El Niño e a inflação dos insumos”, avaliou. Ele acrescentou que, no agro menos profissionalizado, a tendência deve ser ainda mais acelerada.

Em sua visão, os negócios que envolvem produtos com menor valor agregado, como grãos, devem sofrer mais. “O aumento do preço dos insumos, o El Niño e a quebra da safra vão machucar o setor.”

Crise espraiada

De usinas de etanol a diversas culturas de alimentos, o setor tem registrado avanço de recuperações judiciais. Segundo levantamento divulgado nesta semana pela Serasa Experian, a demanda por recuperação judicial de empresas de produtos e serviços que se relacionam diretamente com o agronegócio (exceto produtores rurais que atuam com perfis jurídicos) cresceu de forma significativa em 2023.

No total, foram 321 pedidos no ano passado, ante 176 requisições em 2022, um aumento de 82%. As empresas estão inseridas em segmentos como produção e revenda de insumos, agroindústrias, comércios atacadistas, serviços de apoio à agropecuária, fábricas e revendas de máquinas agrícolas, entre outros.

Ainda segundo a Serasa Experian, também houve aumento dos pedidos de RJ por parte dos produtores rurais que atuam com perfis jurídicos (PJ), de 90 (em 2022) para 116 ao longo de 2023.

Quadrante, do Leite, Tosto e Barros, explicou que, em muitos casos, a pessoa física se mistura com o empresário do agronegócio. “Nesse tipo de situação, não estamos falando de uma empresa, mas, sim, de uma pessoa física como produtor. Existem RJs de produtores rurais com dívidas extremamente elevadas.”

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Bassi, da Virtus, apontou que a China está crescendo menos em um cenário global de consumo mais restrito. “Uma série de empresas do agronegócio vai continuar com dificuldades, algumas vão poder renegociar com bancos de maior porte, mas essas instituições não são soberanas em todos os casos.”

Ele disse acreditar que, em discussões com bancos menores, o desgaste será ainda maior. “É inevitável: o setor vai continuar com um número crescente de empresas que vão aderir a renegociações de dívida, seja do ponto de vista judicial ou não, pelos próximos seis meses.”

Diamantino disse que, muitas vezes, a recuperação judicial é uma medida necessária para a sobrevivência da empresa. “O cenário mostra que nem mesmo um setor forte e sólido como o agronegócio está imune a dificuldades. A recuperação judicial é um mal necessário, ninguém deseja estar nesse processo, mas muitas vezes é o único caminho possível para devedores e credores”, afirmou.

Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.