Bloomberg — O novo mercado regulamentado de carbono brasileiro enfrenta um possível revés antes mesmo de obter aprovação final: a exclusão do setor agropecuário, segunda maior fonte de gases de efeito estufa do país, de seu limite de emissões.
O sistema de créditos de carbono está no cerne dos planos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para impulsionar a transição verde no país, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, passou semanas pressionando congressistas a sujeitar o agronegócio ao limite de emissões, depois que o Senado isentou o setor na legislação aprovada em outubro.
Mas Haddad, que vê a inclusão como crucial para a meta do governo de alcançar neutralidade em CO2 até 2050, não conseguiu superar a forte oposição do setor e da bancada ruralista. A Câmara dos Deputados agora planeja manter a exclusão quando votar o projeto, possivelmente ainda esta semana, de acordo com três pessoas familiarizadas com as negociações que falaram à Bloomberg News.
É o mais recente desafio enfrentado pela proposta de “transformação ecológica” de Lula, um plano que desencadeou debates internos sobre a produção de combustíveis fósseis e às vezes enfrenta o ceticismo de um Congresso conservador.
Durante as negociações, alguns congressistas próximos ao agronegócio questionaram a existência de mudanças climáticas, disseram as fontes, solicitando anonimato para detalhar discussões fechadas.
O mercado regulamentado de carbono deve afetar cerca de 5.000 empresas que emitem anualmente o equivalente a mais de 25.000 toneladas de CO2. O impacto mais imediato será na siderurgia, alumínio, setor de cimento e indústria química.
O modelo é amplamente baseado no sistema cap-and-trade da União Europeia, que consiste em limitar (cap) as emissões e permitir a negociação (trade) de créditos de carbono entre quem polui de menos e quem polui de mais.
Os produtores rurais europeus também não participam do mercado de carbono do bloco, embora algumas autoridades tenham pressionado pela inclusão, a fim de ajudar a conter as emissões relacionadas com a agropecuária, que não recuaram ao longo da última década.
No Brasil, a produção agropecuária é responsável por 25% das emissões, segundo estudos, e também está intimamente ligada ao desmatamento, que é responsável por cerca de metade do total de emissões do país.
O setor e a bancada ruralista, no entanto, argumentaram durante as negociações com a equipe de Haddad que as novas regras introduziriam incertezas sobre a forma como seria calculado o impacto ambiental das emissões relacionadas com a agropecuária, disseram as fontes.
As indústrias que processam produtos agropecuários estarão sujeitas ao mercado regulamentado. Mas congressistas próximos ao setor defendem que o agronegócio, no estágio primário da produção, deve permanecer no mercado voluntário de carbono até que a Embrapa desenvolva critérios de medição de emissões específicos para o setor.
Caso contrário, as regras só aumentariam os custos e imporiam um ônus regulatório indevido aos produtores.
“No mercado regulado, existe a necessidade de ter métricas, números e dados e, principalmente, condicionantes referentes à produção primária que ninguém ainda conseguiu apresentar”, disse o deputado Pedro Lupion (PP-PR), líder da bancada ruralista, em entrevista à Bloomberg News.
A participação do agronegócio permitiria aos produtores negociar créditos de carbono e usufruir de outros benefícios, impulsionando tanto o setor quanto o mercado, disse Guilherme Mello, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
Mas embora a isenção prejudique o plano de descarbonizar a economia, não seria um golpe devastador, argumentou. Os números do desmatamento caíram durante o primeiro ano do novo governo, e as políticas para combater o desmatamento ilegal devem ajudar a reduzir as emissões, disse Mello.
O BNDES também suspendeu o crédito a produtores com ligações comprovadas ao desmatamento ilegal, enquanto o governo incluiu incentivos a práticas agropecuárias sustentáveis no Plano Safra divulgado em junho.
“Existem muitos instrumentos além do mercado de créditos para fortalecer ainda mais a sustentabilidade da nossa agricultura”, disse Mello. “Essas são as políticas em que estamos trabalhando, independentemente do formato do mercado de crédito brasileiro que será aprovado.”
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