Como a lei do ‘Combustível do Futuro’ aumenta a demanda por cana-de-açúcar e soja

Projeto de lei aprovado no Senado busca incentivar o uso de biocombustíveis, como etanol e biodiesel; texto segue para a Câmara

Usina de açúcar e etanol no interior de SP
Por Mariana Durao - Dayanne Sousa - Clarice Couto
05 de Setembro, 2024 | 03:27 PM

Bloomberg — Uma nova legislação no Brasil deverá apoiar os agricultores, impulsionando a demanda adicional por biocombustíveis - e afastando-os dos combustíveis fósseis produzidos pela Petrobras (PETR3; PETR4).

Em seus estágios finais no Congresso, o projeto de lei “Combustível do Futuro” do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva cria incentivos mais amplos para os biocombustíveis, reforçando a estratégia do Brasil de confiar nas safras abundantes para lidar com a transição energética.

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É também um forte lembrete para a Petrobras da crescente pressão para investir em alternativas de baixo carbono.

O Brasil já é um grande consumidor de biocombustíveis, produzindo carros de combustível flexível que podem funcionar apenas com etanol.

A legislação, que foi aprovada na quarta-feira no Senado e agora retorna à Câmara dos Deputados, aumentaria ainda mais a demanda pelo combustível à base de plantas, aumentando a mistura permitida de etanol na gasolina comum para até 35%, dos atuais 27,5%.

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A proposta também aumentaria a mistura permitida de biodiesel no diesel comum de 14% para 20% nos próximos seis anos. E o governo planeja obrigar os fornecedores de gás natural a reduzir gradualmente as emissões por meio da compra de biometano.

"A Petrobras é a maior prejudicada pelo projeto de lei e deve ver a produção cair em três de seus principais combustíveis: gasolina, diesel e gás natural", disse Adriano Pires, diretor da consultoria de energia Centro Brasileiro de Infraestrutura, em uma entrevista.

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O consumo de gasolina pode cair até 11% com o aumento da participação do etanol na mistura, segundo a analista de mercado do StoneX Group, Isabela Garcia.

Embora os técnicos do governo ainda precisem validar a mudança, uma mistura de 30% já está sendo testada - uma medida que deve aumentar a demanda de etanol em 1,3 bilhão de litros por ano, de acordo com a consultoria agrícola Datagro. Isso equivale a quase 4% da produção total de etanol do Brasil para a safra atual.

O aumento é uma notícia bem-vinda para as usinas de cana-de-açúcar, incluindo a Raízen (RAIZ4) e a São Martinho (SMTO3), que viram a recente fraqueza na demanda de etanol prejudicar os lucros.

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“As usinas terão mais segurança jurídica para continuar a investir na expansão da produção de etanol”, disse o presidente da Datagro, Plínio Nastari.

A proposta também beneficiará as empresas de esmagamento de soja, como a Cargill, que tem a maior capacidade de produção de biodiesel no Brasil.

Ela adquiriu três plantas de esmagamento de soja e produção de biodiesel no ano passado para reforçar suas instalações em Três Lagoas, no estado do Mato Grosso do Sul.

"Demos um passo importante para crescer no setor", disse Rafael Luco, líder comercial de processamento de soja da empresa. "Essa capacidade não está sendo totalmente utilizada. Continuamos a investir na integração das operações e a alavancar a produção nesses locais."

Os agricultores que cultivam as principais safras de soja e milho do Brasil buscam abastecer o mercado de biocombustíveis em expansão.

Até 2035, novas usinas de biodiesel e esmagamento de soja poderão fazer com que a quantidade de soja processada no país quase dobre, de acordo com o grupo industrial Abiove, que representa a Cargill e outras empresas comerciais, incluindo a Bunge Global e a Archer-Daniels Midland.

O incentivo do governo ao etanol também deve impulsionar mais investimentos em biocombustível de milho. O grupo do setor Unem prevê que a produção total mais do que dobrará até 2034.

A expansão também significa que o aumento do biocombustível no Brasil terá um impacto limitado nos mercados de açúcar.

Embora as usinas de cana normalmente possam transferir a produção entre o etanol e o açúcar, os estoques atuais de etanol estão em níveis “confortáveis”, de acordo com Ana Zancaner, analista da trading de commodities Czarnikow Group.

Quaisquer mudanças futuras dependeriam de um forte crescimento na demanda geral de combustível, disse ela.

A nova regulamentação de Lula para os combustíveis também reforça o argumento de que a gigante estatal brasileira do petróleo deve mudar seus planos de investimento.

A Petrobras trabalha em seu próximo plano de investimentos quinquenal, e os investidores atualmente veem iniciativas mais verdes, incluindo hidrogênio, captura de carbono, energia eólica e solar, como menos lucrativas.

O maior produtor de petróleo da América Latina está, no entanto, preparando suas refinarias para atender à crescente demanda por combustíveis de baixo carbono.

A Petrobras vem desenvolvendo produtos sustentáveis e estudando parcerias, incluindo uma biorrefinaria com a Mubadala Capital.

Ela também concluiu testes com a fornecedora de petroquímicos Braskem para produzir um produto químico usando etanol de cana-de-açúcar.

Mas, em outro obstáculo para a Petrobras, seu chamado diesel R não faz parte da mistura obrigatória de diesel verde definida na nova estrutura legal.

O diesel R é produzido pelo coprocessamento de combustível fóssil com óleo animal ou vegetal, e uma tentativa de incluí-lo no projeto de lei enfrentou forte oposição da bancada do agronegócio do Brasil, que conta com cerca de 60% dos legisladores como membros.

A CEO da Petrobras, Magda Chambriard, prometeu repor as reservas de petróleo que ela considera fundamentais para financiar as iniciativas de transição energética.

A empresa disse em um comunicado enviado por e-mail que acompanha o progresso do projeto de lei no Senado e aguardando a conclusão desse processo antes de concluir sua avaliação.

-- Com a colaboração de Daniel Carvalho.

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