Como a agricultura regenerativa no Brasil se tornou parte do plano global da Engie

Iniciativa batizada de Regenera+ incentiva o uso de técnicas sustentáveis por produtores rurais, reduzindo os custos com insumos, conta Luciana Nabarrete, diretora da Engie Brasil Energia, à Bloomberg Línea

Soja
Por Naiara Albuquerque
19 de Dezembro, 2024 | 02:05 PM

Bloomberg Línea — A Engie Brasil Energia (ENGIE3) tem apostado na agricultura regenerativa como parte de um esforço global da multinacional de energia francesa para reduzir as emissões de carbono. Um dos objetivos é trazer benefícios ao meio ambiente usando técnicas de produção sustentáveis, em um momento em que as empresas do setor são cobradas para reduzir seus impactos ambientais.

No Brasil, a operação local da companhia investiu em um projeto para desenvolver técnicas de manejo sustentáveis em parceria com o Sebrae e produtores rurais que atuam no entorno da usina hidrelétrica de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, da qual a empresa é detentora dos direitos de operação.

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A iniciativa batizada de Regenera+ começou a ser desenvolvida em 2022 com adoção de práticas de cultivo regenerativo para a produção de grãos, como a rotação de culturas, fabricação de bioinsumos e plantio de diferentes culturas. Agricultores de 18 propriedades participaram do projeto.

Esta é a primeira vez que a companhia abre à imprensa os números da iniciativa.

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A Engie Brasil Energia investiu R$ 250 mil ao ano no projeto no Rio Grande do Sul. A escolha por Passo Fundo aconteceu em razão da relação estabelecida com a região, segundo Luciana Nabarrete, diretora de pessoas, processos e sustentabilidade do grupo.

“Temos uma estrutura e uma comunicação estabelecidas com a comunidade. E, como o Sebrae da região também fez essa proposição, juntou o local que a gente conhece, a proximidade com a comunidade, com a entidade que pudesse dar apoio. Essas são as condições ideais para a gente colocar um projeto desses em pé”, disse a executiva em entrevista à Bloomberg Línea.

A Engie Brasil Energia é a segunda maior geradora de energia do país, com 9 GW, atrás apenas da Eletrobras, com 44,7 GW de capacidade. No país, a companhia atua em geração, comercialização e transmissão de energia elétrica, transporte de gás e soluções energéticas.

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Luciana Nabarrete, Diretora de Pessoas, Processos e Sustentabilidade da Engie Brasil

Redução de custos e ganhos ambientais

A empresa estima que houve uma diminuição de 32,06% nos custos de produção de grãos de 533,64 hectares dos produtores no primeiro ano do projeto de agricultura regenerativa em Passo Fundo.

A projeção foi feita com base em como os produtores deixaram de usar pesticidas e passaram a fabricar os seus próprios bioinsumos.

Os custos com pesticidas e insumos normalmente são dolarizados, o que representa uma grande fatia das despesas de um produtor, a depender de que tipo de cultura é feita na região.

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A partir dos investimentos nessa toada de agricultura regenerativa, a empresa estima que a cada R$ 1 investido no projeto ocorreu uma economia real de R$ 1,78.

“Quando a gente fala de agricultura regenerativa, a gente fala de técnicas de rotação de cultura, de eliminar o uso de insumos químicos e passar a usar soluções baseadas na natureza, para fazer o controle biológico de pragas e doenças”, disse Nabarrete.

Dentre os indicadores avaliados pela Engie no projeto, estão produtividade, risco de contaminação da água (como uso de agrotóxicos versus uso de bioinsumos), gerenciamento de resíduos, fertilidade do solo e qualidade da água.

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Um ano depois, em 2023, foi registrada melhoria de 50%, em média, dos indicadores socioambientais avaliados pela empresa em parceria com o Sebrae e 30% das propriedades investiram no aprimoramento de cultivos regenerativos.

A redução no balanço de emissões e remoções de carbono de 1.004,53 toneladas de CO2 na região também foi destacada pela companhia.

O projeto em Passo Fundo superou as expectativas, segundo a companhia, e a empresa já estuda juntamente com o Sebrae a aplicação de uma outra iniciativa semelhante em Minas Gerais e em outro ponto ao longo do Rio Uruguai.

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Metas globais

O projeto no Brasil faz parte de um trabalho global da companhia para promover iniciativas classificadas como Soluções Baseada na Natureza (SBN) pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), como é o caso do Regenera+.

O interesse da companhia em desenvolver projetos enquadrados como SBN é o de alcançar a sua meta global de desenvolver 10 projetos como o do Rio Grande do Sul ao redor do mundo até o final de 2025.

No Brasil, há ainda o projeto ConservAção Araucária, conduzido em parceria com a Embrapa Florestas para a recuperação de áreas degradas no Paraná. O projeto está em fase de análise para ser enquadrado como uma Solução Baseada na Natureza e a expectativa da empresa é que isso ocorra também no ano que vem.

Até o momento, a companhia tem quatro soluções enquadradas como SBN. Contando com a iniciativa brasileira, há ainda em Bangladesh, nos Emirados Árabes e na França. Ao todo, são 11 projetos conduzidos pela Engie em todo mundo, entre aqueles que já foram categorizados e os que estão em análise.

Os planos da Engie Brasil Energia no país

Há 28 anos a Engie chegou ao Brasil - dois anos depois, em 1998, a empresa concluiu a a aquisição de parte da Eletrosul em leilão, lembra a diretora de pessoas, processos e sustentabilidade do grupo, Luciana Nabarrete.

Os projetos de descarbonização no país começaram em 2014. Em 2023, a empresa vendeu a sua operação de energia gerada com base em carvão. Globalmente, o target é encerrar as operações a base de carvão até 2027.

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A decisão da companhia acompanhou também a expansão da capacidade instalada de geração de energia elétrica no Brasil, que nos últimos 20 anos cresceu 120%, para 199,3 GW, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Considerada uma das mais limpas do mundo, a matriz energética brasileira utiliza de muitas fontes renováveis em sua composição, com quase 49,1% entre fontes éolica, solar e hidráulica, além de derivados da cana-de açúcar, que tem crescido especialmente nos últimos anos. Apesar disso, petróleo e derivados ainda é responsável por 35,1% da matriz.

“Em 2023, nós nos tornamos a primeira geradora privada 100% renovável no Brasil. Todos os nossos investimentos são feitos em fontes renováveis. Então, eólica, solar, todas as fontes renováveis a gente faz um investimento em geração aqui no Brasil. Temos uma preocupação muito grande, não só ambiental, mas social também, abarcando os conceitos da transição justa, por isso a gente fez toda essa jornada de descarbonização dos nossos ativos”, disse Nabarrete.

Nos últimos oito anos, foram R$ 22 bilhões investidos na expansão da área de renovável no país e a previsão da Engie Brasil Energia é alocar R$ 14 bi até 2026, sobretudo na construção de estruturas de eólicos fotovoltaicos.

Desse total previsto até 2026, R$ 5,6 bilhões já foram aportados nos primeiros seis meses de 2024, com R$ 3,1 bilhões para novos projetos, R$ 2,4 bilhões para a aquisição de novos conjuntos fotovoltaicos operacionais, além de investimentos na modernização de usinas hidrelétricas e na manutenção e revitalização do parque gerador.

Esses investimentos acontecem mesmo com um recuo de 28,2% no lucro líquido ajustado da companhia reportado no terceiro trimestre de 2024, quando a empresa registrou R$ 666 milhões.

A empresa diz que quer levar essa jornada de descarbonização para os seus fornecedores. “Temos um software para que eles [parceiros e fornecedores] possam fazer um inventário simplificado e ali mesmo colocar as ações de descarbonização que eles vão fazer e ver o impacto disso na própria pegada de carbono deles”, disse Nabarrete.

Além do Brasil, a Engie é negociada nas bolsas de Paris e Bruxelas (ENGI). Na França, os papéis da companhia recuaram cerca de 6% desde o início do ano. Na mesma base de comparação, as ações no Brasil caíram cerca de 16%.

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Naiara Albuquerque

Naiara Albuquerque

É editora-assistente da Bloomberg Línea Brasil. Foi repórter na editoria de Agronegócios do jornal Valor Econômico. Já produziu podcasts, vídeos e reportagens para Capricho, Nexo Jornal, Exame e Jota. É mestranda em comunicação pela Unisinos e tem graduação em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero.