Café: como os preços recordes afetam o setor, de produtores a torrefadores e cafeterias

Aumento dos futuros do grão cria um dilema para a indústria, que sente a pressão para elevar ainda mais os preços para o consumidor final

Grãos de café torrados

Bloomberg Línea — O preço recorde do café, que ultrapassou US$ 4 por libra-peso (aproximadamente 450g) em Nova York, é uma boa notícia para os produtores, mas ruim para os torrefadores, importadores e cafeterias, que enfrentam custos crescentes e o dilema de repassar os aumentos para o consumidor em meio a dúvidas persistentes sobre a oferta global.

Enquanto os produtores se animam com os preços e o restante da cadeia se preocupa com seus custos, a análise da evolução do mercado agora se concentra na intensa seca que afeta o Brasil, o principal produtor de café arábica.

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“Claramente, a próxima safra de arábica no Brasil (2025/2026) será uma safra bem abaixo do potencial. Seria a quinta safra consecutiva de arábica a decepcionar”, disse Carlos Mera, chefe de mercados de commodities agrícolas do Rabobank, à Bloomberg Línea.

De acordo com um relatório do Citi, divulgado em 11 de fevereiro, o café arábica é a commodity de melhor desempenho este ano, com alta de mais de 31% no período e de 120% em relação ao ano anterior.

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No relatório, o Citi revisou sua perspectiva de preço para o café arábica para US$ 3,60/libra-peso em 3 meses (12% abaixo dos futuros) e US$ 3,30/libra-peso em 12 meses (8% abaixo dos futuros). “É provável que os preços do café tenham atingido seu pico à medida que a demanda começa a diminuir e a oferta começa a ser reabastecida”, diz ele.

Embora a disparada do café gere entusiasmo em parte dos investidores, os países produtores estão cautelosos e analisam de perto os efeitos sobre o restante da cadeia, já que os custos aumentam em um momento em que é difícil repassar os preços mais altos para os consumidores devido aos efeitos da inflação em seus bolsos.

Os preços altos significaram maior renda para as economias produtoras, como a brasileira e a colombiana, mas a perspectiva não é de todo positiva. Por trás desse boom, foram enfrentadas dificuldades em meio aos benefícios dos preços mais altos.

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“No nível dos exportadores, há uma necessidade maior de liquidez para comprar café para seus clientes, com o consequente valor mais alto no financiamento da operação”, disse o presidente da Federação Nacional dos Cafeicultores da Colômbia (FNC), Germán Bahamón.

Enquanto isso, do ponto de vista dos torrefadores, eles enfrentam o desafio do aumento de preços para o consumidor final, uma vez que os produtos nas prateleiras já são vendidos por um preço maior, na avaliação dele.

Contratos não honrados

Na Colômbia, a Federação Nacional dos Cafeicultores assegura aos produtores de café a compra de seu produto por meio da chamada garantia de compra, estabelecendo um preço de referência básico.

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Esse preço é determinado diariamente com base no valor de fechamento do café na Bolsa de Valores de Nova York, na taxa de câmbio atual e no diferencial ou prêmio específico do café colombiano.

No contexto do aumento dos preços do café, a Federação enfrenta um problema com as cooperativas de cafeicultores que não cumpriram com as entregas de café acordadas antes de os preços atingirem os valores máximos na bolsa.

A origem da situação está nos compromissos assumidos por algumas cooperativas no final de 2019. Essas organizações pré-venderam café a preços mais baixos do que os atuais, mas o aumento do mercado internacional levou os cafeicultores a vender sua produção a compradores que ofereciam mais dinheiro, deixando as cooperativas incapazes de honrar seus contratos com a Federação.

(Foto: Jair F. Coll)

No início, quando o preço do café estava entre US$ 0,80 e US$ 0,90 por libra-peso, as operações geraram resultados positivos. Com o passar do tempo, o valor do grão na bolsa internacional começou a subir e as cooperativas começaram a deixar de entregar o café, pois os produtores preferiram vendê-lo no mercado livre.

O presidente da Federação, Germán Bahamón, explicou que, até janeiro, o volume de café não entregue era de 32 milhões de quilos, o que equivale a 3,4% da produção anual e afeta menos de 1% dos cafeicultores.

Para lidar com a situação, a Fedecafé lançou na semana passada o chamado Plano de Ação Solidária, sem precisar de apoio financeiro do governo. A estratégia prevê que o Fundo Nacional do Café venda o café não entregue às cooperativas, o que permitirá que elas cumpram seus compromissos..

(Foto: Nicolo Filippo Rosso/Bloomberg)

Como as cooperativas teriam que comprar os grãos pelo preço de mercado, a Federação oferecerá outros mecanismos, como a extensão do programa Coseche y Cumpla, que havia sido lançado anteriormente para permitir que as cooperativas cumprissem suas entregas, e lhes dará créditos de longo prazo.

“Um setor solidário saudável e eficiente é definitivo para a cafeicultura, por isso continuamos a construir esse ecossistema para salvaguardar a garantia de compra”, disse Bahamón após o anúncio do plano.

Em um comunicado, a Federação disse que a medida liberará liquidez para atender à necessidade de recursos na garantia de compra. “Os atrasos nas entregas de café por parte de algumas cooperativas têm gerado pressões financeiras, por isso essa solução busca garantir a estabilidade do sistema”, explicou o sindicato.

Para implementar o plano, a Federação já iniciou reuniões com as cooperativas e, nesta semana, anunciou que 68% dos compromissos de entrega de café futuro já haviam sido quitados. De acordo com o anúncio de terça-feira, dos 32 milhões de quilos de café pendentes de entrega, havia cooperativas, representando 22 milhões de quilos de café, que assinaram o acordo proposto.

O cenário ocorre em um momento de expansão do setor cafeeiro colombiano, que contribuiu com 47% do crescimento da economia nacional no final do ano passado, de acordo com os números apresentados esta semana pela Dane, a agência oficial de estatísticas.

“Quando olhamos para o último trimestre de 2024, de outubro a dezembro, foram as famílias produtoras de café que fizeram uma grande contribuição para o crescimento econômico nacional”, disse Bahamón.

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Pressões de preços para o consumidor final

Além do impacto sobre os cafeicultores, o aumento está começando a ser um tema recorrente entre as empresas do setor.

O recorde do café é um ajuste de preço que afeta os torrefadores e os consumidores finais, mas beneficia diretamente os cafeicultores, explica Luis Fernando Vélez, fundador da rede de café colombiana Amor Perfecto.

“Beber um bom café envolve muito esforço na fazenda e em seus processos, e é hora de o consumidor reconhecer seu verdadeiro valor”, disse ele.

Ele explica que aumentar os preços para os clientes é uma tarefa difícil e uma medida inevitável que tem repercussões em toda a cadeia. Mesmo com um preço alto de 60.000 pesos colombianos por 500g (US$ 14,20), o custo ainda é baixo em comparação com o preço de varejo nas cafeterias, permitindo que parte do aumento seja absorvido. Entretanto, a negociação não é fácil, pois “ninguém quer que sua matéria-prima dobre de preço em um ano”.

Cada torrefador enfrenta o desafio de forma diferente: alguns podem optar por não aumentar os preços e reduzir a qualidade, enquanto outros, como a Amor Perfecto, dizem que preferem ajustar os valores até onde o cliente permitir, sem sacrificar a excelência. Embora os cafés especiais custem mais, isso pode garantir uma cadeia de valor mais equilibrada e uma renda melhor para os produtores, que são os principais responsáveis pela qualidade de cada xícara, diz Vélez.

Executivos de empresas como Nestlé, Starbucks, CCL Products India e JDE Peet’s reconheceram os desafios que isso representa para suas margens e estratégias comerciais.

Laurent Freixe, CEO da Nestlé, observou na última apresentação de resultados que o aumento dos custos do café e do cacau levou a empresa a implementar ajustes em sua estrutura de preços.

“No que diz respeito ao café e ao chocolate, como os custos dos insumos aumentaram, vocês devem ver alguns preços”, disse ele. “Primeiro tentaremos mitigar, por meio de nossos programas de produtividade e economia, o impacto dos custos de insumos e estabeleceremos preços adequados.”

Freixe explicou que a Nestlé tem uma vantagem competitiva por vender principalmente café em cápsulas, solúvel e pronto para beber, o que reduz a incidência de preços dos grãos verdes em comparação com os produtores de café torrado e moído.

Na Starbucks, a vice-presidente financeira Rachel Ruggeri disse que os aumentos de preços “para um consumidor já pressionado” provavelmente afetarão os volumes da empresa e, em última análise, as receitas e a lucratividade.

Enquanto isso, Praveen Jaipuriar, CEO da CCL Products India, uma marca asiática com presença em mais de 90 países, observou que os preços do café permaneceram voláteis e continuaram a subir, embora a empresa tenha conseguido manter o crescimento da receita e do Ebitda.

Ele explicou que, no segmento B2C, a empresa implementou aumentos de preços com algum atraso em comparação com o B2B, devido à dinâmica do mercado. “Nos pacotes maiores, já tivemos aumentos de preços de quase 30% a 40% no último ano e meio, e acreditamos que ainda há 10% a 15% para cobrir.”

(Foto: Adam Gray/Bloomberg)

Na Europa, Luc Vandevelde, CEO interino da JDE Peet’s, disse que a empresa tem operado em um ambiente desafiador devido ao aumento dos preços do café verde e à crescente demanda por produtos mais acessíveis.

“O aumento dos preços do café verde nos últimos trimestres terá impacto em nosso P&L (balanço de lucros e prejuízos) nos próximos meses, o que inevitavelmente exigirá aumentos adicionais de preços e uma rigorosa disciplina de custos.” Ele observou que os mercados emergentes implementaram aumentos de preços de até 9,8% para compensar a inflação dos custos do café.

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Efeitos sobre o comércio local e internacional

Diante do aumento dos preços, há também desafios na gestão do capital de giro para quem compra e vende café, seja no mercado local ou no exterior, devido à maior necessidade de financiamento das compras de café em pergaminho e dos estoques de café debulhado.

“Se os clientes no exterior, devido ao preço de compra, pedissem prazos de pagamento mais longos, teríamos que acrescentar o desafio de financiar as contas a receber”, disse Laura Clavijo, diretora de Pesquisa Econômica, Setorial e de Mercado do Bancolombia, à Bloomberg Línea.

Ela também considera que o aumento de preços poderia gerar um incentivo à procura de cafés arábica, suaves e de alta qualidade em outros países com os quais a Colômbia compete, mas “para os negócios, nunca é positivo para o cliente experimentar os produtos da concorrência”.

Para Laura Clavijo, embora países como a Colômbia tenham a oportunidade de aproveitar ao máximo o bom momento pelo qual a cafeicultura está passando, isso exige um esforço importante da estratégia de marketing e da gestão financeira por parte dos seguintes elos da cadeia do café para que os resultados sejam sustentáveis ao longo do tempo.

Os desafios enfrentados pela Colômbia devido aos efeitos das flutuações dos preços no mercado internacional são compartilhados por outros países produtores, como Honduras, o terceiro maior mercado de café da América Latina, depois da Colômbia e do Brasil, como reconhece Néstor Meneses, gerente técnico assistente do Instituto Hondurenho do Café (Ihcafé).

Como ele explica, o preço do café no mercado – comprado em uvas, pergaminho úmido ou seco – também atingiu máximas históricas e, dependendo da área, estava sendo negociado entre US$ 280 e US$ 320 por quintal oro (equivalente a 100 libras ou 46 kg), antes de o preço ultrapassar US$ 400. Ao mesmo tempo, a colheita atrasou mais de um mês e também se concentrou em um período de tempo mais curto (há uma maturação uniforme na maioria das áreas).

“Há problemas para os compradores pelo fato de que eles têm restrições de liquidez para comprar café ou têm de reduzir suas compras, o que é visto pelos produtores como especulação, pois eles acham que os compradores não querem comprar a preços altos”, disse ele. Também há dúvidas sobre se os exportadores estão conseguindo fechar contratos aos preços atuais, pois certos mercados não têm capacidade de pagar esses preços.

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Demanda começa a ser afetada

Os alertas não pararam por aí. Andrea Illy, presidente da torrefadora italiana Illycaffè, disse que esse aumento de preços pode se traduzir em aumentos significativos no custo do café para os consumidores nos próximos meses, afetando a demanda nos principais mercados.

Quando questionado sobre a possibilidade de os preços de varejo aumentarem de 20% a 25% nos próximos meses, Illy disse em entrevista à Bloomberg TV que “é possível”.

De acordo com o executivo, o aumento acentuado já começou a afetar a demanda nos mercados desenvolvidos e está desacelerando o crescimento do consumo nas economias emergentes, que até recentemente apresentavam um boom na adoção do café.

Até agora, o consumo tem se mantido relativamente estável em economias em desenvolvimento como o Vietnã e a Indonésia, mas sinais de enfraquecimento estão começando a aparecer, informou a Bloomberg. Nesses países, os preços altos estão fazendo com que os consumidores reconsiderem suas compras, optando por grãos de qualidade inferior ou reduzindo seu consumo diário.

Márcio Ferreira, presidente do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), disse a repórteres que os compradores chineses eram muito ativos quando os preços eram competitivos, mas agora há uma percepção de uma atitude mais cautelosa.

A Bloomberg também informou que algumas empresas na Indonésia começaram a substituir os grãos de café por ingredientes alternativos, como milho torrado, arroz e nozes moídas, para reduzir os custos e manter os preços acessíveis.

O Brasil, o maior produtor de café do mundo, também está sentindo os efeitos do aumento dos preços. Pavel Cardoso, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), alertou que, embora os consumidores não abandonem o hábito de preparar café em casa, eles podem reduzir a quantidade diária.

Na Colômbia, que se beneficiou do aumento dos preços, a tendência não foi diferente. De acordo com o índice de preços ao consumidor para a subclasse de café e produtos à base de café, medido pela agência oficial de estatísticas, o aumento foi evidente, a ponto de atingir o maior valor em cinco anos.

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Carlos Rodríguez Salcedo (BR)

Jornalista colombiano, especializado em economia. Fui jornalista e editor do jornal La República, com experiência em questões macroeconômicas, comerciais e financeiras. Eu também trabalhei para a agência de notícias Colprensa.

Daniel Salazar

Profissional de comunicação e jornalista com ênfase em economia e finanças. Participou do programa de jornalismo econômico da agência Efe, da Universidad Externado, do Banco Santander e da Universia. Ex-editor de negócios da Revista Dinero e da Mesa América da Efe.