Bloomberg — Durante uma recente visita ao escritório europeu da Archer-Daniels—Midland (ADM), o diretor financeiro da empresa, Vikram Luthar, tinha uma mensagem pessimista para entregar.
Falando para os funcionários em Rolle, uma pequena cidade suíça às margens do Lago Genebra, Luthar disse que os custos operacionais continuavam aumentando em toda a empresa e que todos precisavam encontrar maneiras de impulsionar as margens, de acordo com uma pessoa familiarizada com os acontecimentos ouvida pela Bloomberg, que pediu para não ser identificada ao descrever reuniões internas.
Luthar, de 56 anos, que ocupava o cargo de CFO há menos de dois anos, estava sob pressão de várias frentes. Uma dela, não menos importante, foi uma aposta multibilionária relacionada ao negócio de nutrição da ADM, que produz ingredientes para alimentos humanos e de animais.
A queda nos lucros de seu negócio principal de negociação de commodities agrícolas também alimentou dúvidas sobre se a renomada empresa sediada em Chicago atingiria sua meta de lucro de 2023.
Nesta semana, o guidance virou história, depois de ser suspenso pela ADM. A empresa surpreendeu o mercado de comércio e processamento ao informar no final de semana de que Luthar entrou em licença administrativa, aguardando uma investigação sobre práticas contábeis na unidade de nutrição, após um pedido de informações da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC).
A ADM também adiou a divulgação do balanço do quarto trimestre, que estava programada para esta semana. As ações despencaram 24% na segunda-feira (22), apagando US$ 8,8 bilhões em valor de mercado.
O escândalo jogou luz sobre uma década de esforços, em grande parte sob a liderança do CEO Juan Luciano, para reduzir a dependência da ADM de seu legado de trading de commodities agrícolas, notoriamente sujeito a volatilidade.
“Nunca parece bom para um CEO quando a empresa está conduzindo uma investigação para determinar se as demonstrações financeiras estão corretas”, disse Seth Goldstein, analista da Morningstar Investment Service. “Embora não pareça que a ADM esteja planejando uma troca de CEO agora, imagino que o conselho esteja, no mínimo, pensando em um plano de sucessão.”
Um porta-voz da ADM recusou-se a comentar.
Por anos, a ADM e seus concorrentes Bunge (BG) e Cargill ganharam dinheiro comprando, armazenando e vendendo grãos e lucram com informações exclusivas sobre oferta e demanda em todo o mundo.
Com a informação se espalhando cada vez mais rápido, os comerciantes buscaram diversificar seus negócios. A Cargill concentrou-se na carne bovina. A ADM seguiu com uma aposta na nutrição.
Em toda a indústria, esses esforços envolveram bilhões de dólares em aquisições, fortalecendo as gigantes do comércio agrícola - conhecidas como ABCDs (ADM, Bunge, Cargill; o “D” é para Louis-Dreyfus) - e transformando-as em gigantes da cadeia alimentar moderna.
Muitos desses negócios foram bem-sucedidos, mas alguns não atenderam às expectativas, incluindo a tentativa da ADM de construir seu império de ingredientes alimentícios.
A ADM focou em fornecer aos clientes produtos para ajudá-los a alterar a formulação de alimentos processados, como reduzir o teor de açúcar enquanto preserva o sabor doce ou alterar sua aparência.
A iniciativa começou de forma séria com a aquisição de US$ 3,1 bilhões em 2014 da Wild Flavors, uma fabricante europeia de aromas e cores para alimentos. Ainda é o maior negócio da história da ADM, que remonta a mais de 120 anos. A ADM também gastou cerca de US$ 1,8 bilhão para comprar a fabricante de alimentos para animais Neovia, da francesa InVivo.
A guerra na Ucrânia e a consequente interrupção das cadeias de abastecimento agrícola impulsionaram não apenas as atividades principais de negociação da ADM, mas também seu negócio de nutrição.
Empresas que produzem ingredientes especiais estavam em alta demanda imediatamente após a invasão, já que os fabricantes de alimentos buscavam ajustar receitas.
Mas esse ganho foi limitado assim que o pior da interrupção passou. O negócio de nutrição posteriormente enfrentou dificuldades com a demanda por mudanças na formulação de produtos, incluindo proteínas alternativas usadas em alimentos vegetarianos.
Para piorar, a indústria está expandindo rapidamente a capacidade de processamento de soja nos EUA, o que aumenta a concorrência para a ADM e ameaça prejudicar os lucros.
As margens de esmagamento de soja nos EUA estão acentuadamente abaixo do ano passado, enquanto as margens para o etanol - o biocombustível derivado do milho, do qual a ADM é o terceiro maior produtor dos EUA - estão no nível mais baixo em quase um ano.
Em janeiro de 2021, o CEO, Juan Luciano, disse aos investidores que o negócio de nutrição da ADM estava prestes a entrar em um período em que o crescimento anual do lucro operacional seria em média de 15%.
De fato, os ganhos operacionais para a nutrição aumentariam mais de 20% naquele ano, mas o impulso logo desapareceu. O crescimento foi inferior a 7% em 2022, e os ganhos diminuíram em um quinto em 2023, segundo estimativas de analistas compiladas pela Bloomberg.
Ainda assim, a empresa continuou, anunciando duas aquisições de ingredientes em dezembro. A ADM recentemente estudou a possível compra do negócio de alimentos e bebidas da International Flavors & Fragrances como uma forma de expandir o segmento de nutrição, disseram pessoas familiarizadas com o assunto à Bloomberg em novembro.
Conforme o negócio de nutrição aumentava em importância e tamanho, também servia como um trampolim para a carreira de Luthar na ADM.
A surpreendente suspensão de Luthar - o executivo da ADM Ismael Roig agora é o CFO interino - deixa a ADM em um estado de limbo. Embora a empresa tenha reduzido sua previsão de lucros para 2023, as perguntas claramente persistem sobre o impacto total do que ocorreu internamente, e os investidores já precificaram um grande golpe.
Pelo menos cinco analistas de ações reduziram suas recomendações para a ADM na segunda-feira. Segundo um desses analistas, Vincent Anderson da Stifel, a investigação e a troca de CFO “tornam um caso de avaliação já mais difícil ainda mais difícil”. A notícia “será um revés para a confiança do investidor em um momento em que a avaliação já estaria sob pressão por causa dos lucros.”
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