Bloomberg — Em seu primeiro ano como CEO do Carlyle, Harvey Schwartz pegava um trem de alta velocidade todas as terças-feiras em Nova York, com um café do Starbucks na mão, para visitar a sede da empresa de investimentos em Washington.
Em 2023, o escritório se parecia mais com uma pequena filial em um local remoto.
A empresa teve seu início na capital dos Estados Unidos em 1987 e ganhou destaque após contratar ex-funcionários de ministérios que transformaram seus laços com Washington em lucros.
No entanto, sua proximidade com o poder, que antes era um atrativo, tornou-se um foco de acusações de capitalismo de compadrio.
O Carlyle (CG) buscou minimizar essas conexões políticas à medida que crescia. Nova York - a sede de sua diretoria executiva - tornou-se seu centro de poder, enquanto seus fundadores e sua história em Washington deixaram de ser o centro das atenções.
Harvey Schwartz, de 61 anos, agora aposta que pode transformar essa característica, que antes provocava uma crise de identidade, em uma vantagem competitiva para a empresa, que é hoje a quinta maior gestora de ativos alternativos do país.
“De repente, ficou muito óbvio: por que não estamos nos aproveitando disso?”, disse ele à Bloomberg News.
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Assim, o CEO baseado em Nova York disse aos principais executivos que reavivassem a marca do Carlyle em torno de suas raízes em Washington.
Ele transferiu todas as reuniões anuais de investidores e de conselho para Washington, onde fica um terço da equipe.
E reintegrou o bilionário cofundador David Rubenstein, que havia sido deixado e segundo plano na gestão anterior, como a figura pública da empresa.
Schwartz, um democrata, colocou seu plano em ação antes da posse do presidente Donald Trump. O momento foi fortuito.
Desde então, Trump desencadeou uma guerra comercial, derrubando a ordem econômica global e perturbando os mercados. Cada vez mais, os investidores veem as ações dos países e de autoridades como seu maior risco.
Longe de fazer o Carlyle voltar no tempo, o CEO diz que está reorientando a empresa para um mundo que mudou: mais do que nunca, a mão do governo fará ou não a fortuna dos investidores.
“A geopolítica desempenha agora um papel muito mais importante do que nos últimos 30, 40, 50 anos”, disse Schwartz em uma entrevista à Bloomberg News em fevereiro, quando completou seu segundo ano como CEO. Na mesma semana, Trump impôs novas tarifas e iniciou conversas com a Rússia, sua adversária de longa data, sobre o destino da Ucrânia.
No Carlyle, no entanto, ele diz, “Washington havia se tornado um pouco subpriorizada como um centro de poder”.
A investida em Washington faz parte de um plano de Schwartz para turbinar uma empresa que tem sido pressionada por desafios de sucessão, retornos financeiros voláteis e dificuldades para ganhar terreno em relação aos rivais.
A restauração da capital Washington como o centro intelectual do Carlyle também pode trazer de volta parte do prestígio da empresa, que já foi conhecida como o clube dos ex-presidentes, disseram pessoas familiarizadas com a estratégia ouvidas pela Bloomberg News.
Isso poderia se tornar uma ferramenta de branding silencioso na corrida com os rivais de private equity para conquistar os investidores de varejo.
Algumas pessoas de dentro da empresa temem que o esforço de Schwartz para defender os fundadores e a herança do Carlyle impeça que uma nova geração de líderes leve a empresa adiante.
Outros dizem que isso dá aos executivos um ouvido para a Washington de Trump e confere uma vantagem de investimento no momento em que o Carlyle faz um novo esforço de investimento na indústria de defesa.
O esforço não funcionará se for apenas uma fachada. Ele precisa se traduzir em apostas que aumentem os retornos e façam a empresa crescer além de suas raízes de private equity.
Entre os cinco maiores gestores de ativos alternativos de capital aberto dos Estados Unidos, o Carlyle foi o que menos captou recursos nos últimos cinco anos. Os retornos de algumas de suas principais estratégias caíram.
Além disso, a empresa não foi tão proativa quanto seus pares no cortejo de indivíduos ricos. Com cerca de 15% dos ativos provenientes de canais de varejo, sua presença nesses canais fica atrás de rivais maiores.
“A marca é importante, mas só vai até certo ponto”, disse Bill Katz, analista da TD Cowen.
E o fato de estar vinculado a Washington, onde a política é sempre volátil, poderia desencadear uma reação de qualquer uma das partes - e até mesmo do próprio Trump.
Em fevereiro, o presidente americano abalou o John F. Kennedy Center for the Performing Arts, uma das instituições culturais mais renomadas do país, assumindo o cargo de chairman e destituindo Rubenstein, que recebeu a Medalha Presidencial da Liberdade do presidente Joe Biden.
Rubenstein apareceu no Salão Oval semanas depois para conversar com Trump, disseram pessoas informadas sobre o assunto.
Rubenstein diz àqueles que o conhecem que ele é um independente registrado cujos laços vão dos Bidens aos Bushes. Ele também organizou festas familiares em Mar-a-Lago ao longo dos anos e conhece Trump desde seus tempos de incorporador imobiliário.
Esta reportagem baseia-se em conversas com mais de 20 pessoas familiarizadas com a Carlyle, incluindo clientes e funcionários da empresa.
A investida do Carlyle em Washington estava em evidência em uma manhã de fevereiro com muito vento. Depois de prestar homenagem à estátua gigante do presidente Abraham Lincoln, Rubenstein vestiu um capacete e desceu as escadas sob o memorial.
Ele visitada um museu subterrâneo que estava sendo construído com seu dinheiro, fazendo perguntas aos funcionários da construção sobre as fundações do monumento enquanto o cheiro de concreto permeava o ar.
Rubenstein, de 75 anos, foi cofundador da Carlyle em 1987, em um prédio localizado entre o Capitólio e a Casa Branca, com a ideia de capitalizar sobre pessoas que vivem dos relacionamentos entre os poderes.
No início, o Carlyle teve dificuldades para ganhar credibilidade e só se livrou da imagem de um pequeno mestre do setor de private equity depois de recrutar o ex-secretário de Defesa Frank Carlucci.
Ele planejou aquisições de empresas de defesa a preços de barganha em face dos cortes do Pentágono, o que rendeu à Carlyle enormes lucros de investimento.
Isso elevou Rubenstein, que já foi assessor de Jimmy Carter, para as grandes ligas de private equity. O ex-secretário de Estado dos Estados Unidos, James Baker, e o ex-primeiro-ministro do Reino Unido, John Major, passaram pelos corredores do Carlyle, juntamente com figuras políticas que queriam ter um gostinho de Wall Street.
Depois veio a reação. Os críticos atacaram o Carlyle por praticar o “capitalismo de acesso”, a ideia de a riqueza pode comprar acesso a autoridades influentes, em busca de oportunidades.
Manifestantes se aglomeraram do lado de fora do escritório da epresa na Pennsylvania Avenue, acusando a companhia de querer lucrar com as guerras.
Os executivos temiam que sua reputação cada vez pior - que culminou com uma menção no documentário Fahrenheit 9/11, de Michael Moore, - afugentasse os fundos de pensões.
Alguns dos mais proeminentes funcionários do governo foram incentivados a se afastar na década de 2000, e o Carlyle se reformulou como uma empresa de investimentos globais.
Kewsong Lee, o CEO anterior do Carlyle, afastou ainda mais o eixo da empresa de Washington. À medida que Lee contratava novos líderes, reestruturava os negócios e se expandia ainda mais para o crédito, ele e seus assistentes temiam que o fato de Rubenstein estar ligado ao Carlyle diluísse sua imagem de empresa moderna.
Lee iniciou conversas sérias para mudar a sede da empresa para Nova York. Ele melhorou os lucros do Carlyle, mas seu mandato como CEO único durou menos de dois anos.
Schwartz, ex-copresidente do Goldman Sachs, entrou no vácuo de liderança e começou a trabalhar.
Ele começou a procurar ativos negligenciados e determinou que a empresa não poderia mais negligenciar a riqueza privada.
Ele também viu potencial de crescimento no negócio conhecido como Carlyle AlpInvest, que comercializa participações de segunda mão e que há muito tempo operava de forma secundária, e desempenhou um papel importante em seus novos fundos de varejo.
Ele apoiou a criação de um pequeno braço de mercados de capitais. E passou a valorizar ainda mais as raízes da Carlyle em Washington.
Schwartz instituiu um regime de ligações regulares entre sócios, lideradas por assessores internos de políticas públicas, para conectar mais diretamente a empresa a Washington.
Jason Thomas, que trabalhou no Conselho Econômico Nacional e foi assessor econômico de Bill Conway, cofundador da Carlyle, passou a ter um papel de destaque e mais recursos do que tinha antes.
O chefe global de pesquisa e estratégia de investimentos alertou os negociadores e clientes, no início do ano, sobre um choque econômico iminente causado por tarifas.
James Stavridis, ex-Comandante Supremo das Forças Aliadas da Otan, conhecido como “o almirante”, foi promovido de conselheiro a sócio.
O almirante, que escreve uma coluna de opinião para a Bloomberg, viaja de Singapura a Vancouver para fazer briefings com clientes sobre geopolítica.
Ele também alterna semanas entre Washington e Nova York, onde mantém em sua mesa um moletom da Academia Naval que resgatou dos escombros queimados de seu escritório no Pentágono após o 11 de Setembro.
Schwartz realizou sessões de brainstorming com executivos de private equity dos Estados Unidos sobre como aumentar o desempenho dos principais fundos.
A empresa decidiu reduzir os setores em que o Carlyle investe para seus setores de maior retorno, como saúde e serviços financeiros, que envolvem negócios altamente regulamentados.
O CEO deixou claro que os líderes seniores de toda a empresa deveriam ter uma forte compreensão dos riscos políticos, pedindo-lhes que fornecessem relatórios mensais sobre como as mudanças políticas poderiam afetar o portfólio.
No final de 2024, o Carlyle conectou a Exiger, uma fornecedora de software que ajuda as empresas a gerenciar cadeias de suprimentos, com outras empresas de sua propriedade, para ajudá-las a gerenciar interrupções tarifárias.
Uma pesquisa encomendada pelo Carlyle constatou que a maioria das instituições e dos consultores financeiros leva em conta a esfera de influência de um gestor ao considerar a possibilidade de investir.
Hoje, a equipe de private equity dos EUA organiza um “Washington Day”, no qual leva dezenas de clientes ao Capitólio para reuniões com parlamentares.
Schwartz entrevistou a então secretária de Comércio, Gina Raimondo, no primeiro evento desse tipo, em junho.
Schwartz contratou um novo lobista renomado para reforçar a presença do Carlyle no Capitólio. Will Kinzel, um ex-agente republicano que dirige assuntos governamentais, tem a tarefa de navegar em um tipo de política cada vez mais estridente e decodificar as reviravoltas políticas de Trump.
Ele planeja fazer mais para mostrar o que as empresas do Carlyle fazem em todos os estados.
“Houve um realinhamentono mundo político. Os democratas eram o partido dos sindicatos e os republicanos, o partido das grandes corporações”, disse Kinzel em entrevista na sede da empresa em Washington. “Agora, ambos os partidos enxergam tudo por uma lente populista. Isso muda a estratégia de forma fundamental.”
Retorno ao setor de defesa
Paralelamente a toda essa mudança, o Carlyle também intensificou seu esforço na área de defesa.
Thomas fez um apelo no início deste ano para que os países europeus revitalizassem as bases militares-industriais locais.
Em março, os líderes europeus se comprometeram a gastar mais em defesa em meio a temores de que os Estados Unidos pudessem diminuir sua presença no continente com Trump.
Stavridis prevê que o Pentágono buscará novos sistemas de armas e inteligência artificial para impulsionar missões de drones, reduzindo ainda mais os custos de enviar soldados para a linha de frente.
Mesmo que o secretário de Defesa, Pete Hegseth, tenha solicitado cortes nos gastos com defesa, Stavridis afirma que há espaço para que empresas menos consolidadas desafiem os grandes fornecedores.
“Não se trata de uma nova e enorme quantia de dinheiro, mas sim de fazer o relógio girar”, disse ele, prevendo “o surgimento de novos tipos de armas”.
Dayne Baird, que lidera negócios em tecnologia e serviços governamentais, obteve recentemente uma autorização de segurança, o que lhe permite participar de reuniões confidenciais, disseram quatro pessoas familiarizadas com o assunto ouvidas pela Bloomberg News.
A empresa pediu a Aaron Hurwitz que liderasse os investimentos em defesa quando ele foi promovido a managing director.
Nem sempre foi assim.
O Carlyle vinha se afastando das empresas tradicionais de defesa. Os executivos não conseguiam encontrar negócios atraentes no setor para o volume de recursos que precisavam colocar para trabalhar.
Alguns sentiam que estavam gastando muito tempo para convencer a empresa a aceitar os riscos de ESG, disseram pessoas familiarizadas com o assunto.
Eles investiram em empresas de serviços governamentais, como a ManTech, cujos serviços vão além das aplicações militares, e a Two Six Technologies, uma empresa iniciante que desenvolve ferramentas para apoiar missões governamentais e identificar como os adversários influenciam a opinião pública.
Depois de nomear Ian Fujiyama como novo diretor de serviços aeroespaciais, de defesa e governamentais em 2021, a empresa omitiu a palavra “defesa” de seu cargp em seu site. O título foi restaurado este ano.
Arma secreta
Em mais um sinal de que o Carlyle está abraçando suas raízes, Schwartz autorizou uma rede de ex-funcionários que antes operava de forma independente.
Sob seu antecessor, a Carlyle havia ameaçado processar os organizadores por violação de marca registrada.
Agora, a própria empresa organiza os eventos da rede, o que lhe dá mais acesso a ex-executivos. Entre eles estão o governador da Virgínia, Glenn Youngkin, e o presidente do Federal Reserve dos EUA, Jerome Powell.
Schwartz convida os fundadores da empresa para as reuniões de sócios, nas quais os chama para falar de forma espontânea.
Seus assessores dizem que Rubenstein é uma arma secreta que deveria estar sempre à frente, tanto com os clientes quanto com o público.
Rubenstein construiu sua imagem restaurando monumentos e promovendo jantares nos quais entrevista historiadores, convidando políticos de diferentes espectros.
O Carlyle publica comunicados intitulados “Da Mesa do David”, dando a Rubenstein liberdade total para escrever sobre temas que vão de Jimmy Carter aos pandas do Zoológico Nacional trazidos da China.
O Carlyle insiste que não planeja fazer a empresa retroceder. Rubenstein, que apresenta um programa na Bloomberg Television, tem dito a pessoas próximas que, embora seu papel inclua apoiar a captação de recursos e servir como conselheiro informal, ele não tem nenhuma intenção de comandar a empresa. Os principais dealmakers não são ex-integrantes do governo em Washington.
De seu escritório em Nova York, Schwartz tem reformulando a diretoria executiva da empresa. Ele recusou as ofertas dos funcionários para assumir uma sala maior em Washington, dizendo que não se importava com uma sala menor, tendo Nova York como sua base principal.
Sob seu comando, o Carlyle tem procurado fazer parcerias mais estratégicas com seguradoras e, no ano passado, a empresa captou 65% a mais do que no ano anterior em fundos voltados para o varejo que investem a longo prazo.
O verdadeiro teste para saber se a campanha de Schwartz em Washington funcionará será a forma como o Carlyle se recupera, diz Katz, analista da TD Cowen. “O desafio que ele enfrenta é como aumentar a escala nos setores de varejo, seguros e crédito em relação a uma série de marcas fortes e bem estabelecidas.”
A mudança do Carlyle marca o reconhecimento de toda Wall Street. “A Washington de hoje não apenas regula as decisões de investimento”, disse James Maloney, sócio-gerente da empresa de consultoria política Tiger Hill Partners. “Ela as conduz.”
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