Bloomberg Opinion — Um dia no campo de futebol deve ser uma boa distração das guerras comerciais e das discussões sobre tarifas. A Copa do Mundo do próximo ano, que será sediada conjuntamente por Estados Unidos, Canadá e México, testará essa teoria.
Será que os EUA, em particular, conseguirão sediar um torneio de sucesso que atraia torcedores do mundo todo? Ou as tensões, as tarifas e as deportações afastarão turistas e empresas?
O presidente Donald Trump certamente vê apenas oportunidades pela frente para um dos maiores eventos esportivos do mundo. “A tensão é uma coisa boa”, disse ele recentemente, quando questionado sobre o torneio no Salão Oval da Casa Branca. “Torna tudo muito mais emocionante.”
O problema é que as tensões provavelmente tornarão a Copa do Mundo muito menos lucrativa, minando o público, os patrocínios e alguns dos benefícios econômicos e sociais de longo prazo que supostamente justificariam a realização de um megaevento.
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Não precisamos esperar até o ano que vem para ver o perigo.
Basta observar a situação do próximo Mundial de Clubes de 2025, que começa em 11 cidades dos EUA em junho.
Esse torneio destaca times profissionais de diferentes países, geralmente com jogadores de diferentes nacionalidades, enquanto a Copa do Mundo apresenta seleções que representam seus países.
Infelizmente para a FIFA, a venda de ingressos para o evento de clubes deste ano tem sido decepcionante há meses.
Não é difícil entender o porquê.
Torcedores estrangeiros, há muito tempo essenciais para o sucesso de eventos esportivos globais, estão evitando os EUA, graças a tarifas e deportações agressivas de portadores de vistos legítimos.
Por exemplo, em março, as visitas internacionais aos EUA caíram 11,6% em comparação com o mesmo período do ano passado, e as viagens aéreas do México recuaram 23%, enquanto as travessias terrestres e aéreas do Canadá tiveram queda de 32% e 13,5%, respectivamente.
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O número de visitantes do Reino Unido, historicamente uma das maiores fontes de turistas com destino aos EUA, caiu 14,3% no mesmo período.
Essa é uma má notícia para a FIFA, a entidade máxima do futebol, que projetou no mês passado que 40% dos espectadores das partidas do Mundial de Clubes seriam estrangeiros.
De acordo com seus cálculos, esses torcedores deveriam gastar coletivamente mais de US$ 1,6 bilhão durante o evento, que dura um mês.
Para a organização, há uma preocupação maior e iminente.
Se as tarifas comerciais e as tensões não se dissiparem em breve, elas afetarão a presença de estrangeiros na muito mais popular e lucrativa Copa do Mundo de 2026. Isso não está fora de questão, mesmo em um evento notório pelo entusiasmo nacionalista dos torcedores.
Por exemplo, em 2018, torcedores do Reino Unido evitaram viajar para a Copa do Mundo na Rússia devido a preocupações com a hostilidade antibritânica e uma ruptura diplomática. Em uma partida das quartas de final entre Suécia e Inglaterra, 10.000 ingressos deixaram de ser vendidos.
Poderia acontecer novamente?
Os canadenses, muitos dos quais já estão evitando viagens e produtos dos EUA, são fortes candidatos a ficar longe. Isso deixa muito dinheiro em jogo.
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De acordo com um estudo de 2024 encomendado pelo Comitê Anfitrião de Los Angeles para a Copa do Mundo 2026, os torcedores visitantes geralmente desembolsam muito mais — em 2002, 1,8 vez mais — do que outros turistas estrangeiros.
Com a projeção de que Los Angeles receberá 150.000 turistas estrangeiros a mais durante o evento do que aqueles que normalmente visitariam a área, as perdas podem chegar aos US$ 343 milhões em gastos diretos em relação ao que os organizadores esperam durante o torneio.
Não são apenas os dólares dos turistas que desaparecerão.
A publicidade e o marketing também provavelmente serão afetados, especialmente para produtos e empresas que são fortemente tarifados.
Considere o dilema enfrentado pela Lenovo, a gigante chinesa de eletrônicos de consumo. Em outubro, tornou-se parceira oficial da FIFA (a um custo estimado em nove dígitos), com direitos de se comercializar como marca ao lado dos logotipos da FIFA e da Copa do Mundo, entre outros benefícios.
Na época, provavelmente parecia uma ótima maneira de alcançar os torcedores americanos.
Mas agora, com os produtos chineses da empresa enfrentando um futuro de altas taxas impostas por Trump, a Lenovo pode estar repensando seus planos de ativar esse patrocínio por meio de caras campanhas de marketing nos Estados Unidos.
Provavelmente não está sozinha.
A Kia, da Hyundai e a Adidas também estão entre as parceiras da FIFA com produtos que enfrentam altas tarifas — e decisões a serem tomadas sobre se devem anunciar para os consumidores americanos.
Enquanto isso, os anunciantes americanos já estão se contendo.
Em fevereiro, uma pesquisa com 100 “tomadores de decisões de publicidade” realizada pelo Interactive Advertising Bureau descobriu que 94% dos entrevistados estavam preocupados com a possibilidade de as tarifas influenciarem os gastos com publicidade — e 45% já planejavam reduzir seus gastos.
Esses são choques de curto a médio prazo, mas as tarifas podem ser ainda mais corrosivas a longo prazo.
Elas podem obstruir os planos da FIFA de construir um legado pós-Copa de saúde, condicionamento físico e aumento da participação esportiva juvenil (o que, em última análise, se traduz em um mercado de futebol americano maior).
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Na semana passada, por exemplo, a organização anunciou doações de US$ 1 milhão para apoiar a construção de campos para o futebol juvenil.
É uma ótima ideia, que surge em um momento em que os pais já estão com dificuldades para pagar por esportes juvenis.
De acordo com Todd Smith, presidente da Associação da Indústria de Esportes e Fitness, um grupo comercial que representa fabricantes de equipamentos esportivos, o custo de equipar uma criança com chuteiras, uniforme, caneleiras e uma bola aumentou entre 40% e 50% de 2017 a 2023.
Infelizmente, as tarifas estão prestes a elevar esses custos ainda mais além do seu alcance (grande parte dos equipamentos esportivos vendidos nos EUA é fabricada no exterior), especialmente para as crianças que já estão com dificuldades para pagar para jogar.
Enquanto as tarifas e a tensão persistirem, os EUA não conseguirão perceber os benefícios e a alegria que deveriam acompanhar a realização de um dos eventos esportivos mais populares — e lucrativos — do mundo.
Não é tarde demais para mudar as coisas; a falta de vontade de fazê-lo é um gol contra evitável e desnecessário.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Adam Minter é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobreo negócio dos esportes. É autor de “Secondhand: Travels in the New Global Garage Sale”.
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