Bloomberg Opinion — “Nunca desperdice uma boa crise” é um lema que a Europa poderia usar agora. Enquanto encara o cano de uma arma carregada de Donald Trump, a região pode aproveitar uma oportunidade se os legisladores e reguladores agirem rapidamente para reforçar seu setor de tecnologia, um impulsionador de crescimento fundamental.
Uma vez que os principais serviços dos Estados Unidos, como computação em nuvem e inteligência artificial (IA), tendem a ficar mais caros, o setor de tecnologia local da Europa pode aproveitar uma vantagem imediata.
Trump pode se queixar veementemente sobre como os Estados Unidos têm sido vítimas do comércio global, mas os maiores beneficiários do negócio de IA em expansão têm sido os americanos.
Agora, as empresas chamadas de hyperscalers – Amazon (AMZN), Microsoft (MSFT) e Alphabet (GOOGL) – podem sofrer com os planos tarifários de Trump, pois o aço, o alumínio e o cobre de que precisam para construir data centers ficarão mais caros.
Essas despesas, juntamente com o ressentimento internacional que Trump está cultivando, podem afastar cada vez mais os clientes estrangeiros do Vale do Silício. Os legisladores holandeses têm pedido ao governo que interrompa o fluxo de dados e aplicativos holandeses para os serviços de nuvem americanos.
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Felizmente, a Europa não precisa ir muito longe para encontrar alternativas, como a OVH Groupe, da França, a Aruba, da Itália e a Scaleway. A empresa francesa de computação em nuvem, de propriedade da gigante das telecomunicações Illiad, tem uma participação de apenas um dígito no mercado europeu de nuvem, que é dominado pela Amazon, Microsoft e Google.
Esse trio detém mais de 75% do mercado, me disse o CEO da Scaleway, Damien Lucas. Ele argumenta que é mais difícil para os fabricantes de software europeus inovarem porque uma parte do valor que recebem vai para o Vale do Silício. “Toda inovação na União Europeia acaba pagando uma taxa a essas gigantes dos Estados Unidos”, diz ele.
Alguns clientes europeus, segundo ele, também estão preocupados com a possibilidade de Trump pedir ao fundador da Amazon, Jeff Bezos, que feche a Amazon Web Services (AWS), sua empresa de nuvem, da mesma forma que os Estados Unidos ameaçaram desligar a Starlink Services de Elon Musk na Ucrânia.
Esse nervosismo ajudou a provocar um aumento de mais de 50% nas consultas de novos clientes em potencial sobre a mudança para a Scaleway, diz Lucas.
Agora, Lucas pressiona sua equipe para acelerar a expansão geográfica da empresa para cidades como Estocolmo e Milão e para desenvolver mais rapidamente ferramentas de nuvem e IA que se igualem às das unidades da Amazon, Google e Microsoft. A empresa tem cerca de 10% para cobrir todos os serviços de nuvem dos maiores rivais, diz ele.
Felizmente, Lucas tem um influxo de dinheiro para trabalhar: a Illiad anunciou há dois meses que estava investindo € 3 bilhões (US$ 3,3 bilhões) em sua infraestrutura de nuvem e IA, e grande parte desse financiamento foi para a Scaleway, de acordo com ele.
As autoridades da União Europeia também parecem estar agindo com rapidez. Na quarta-feira (9), a Comissão Europeia anunciou seu Plano de Ação do Continente de IA, que destina 200 bilhões de euros para a construção de infraestrutura de supercomputação, programas de desenvolvimento de habilidades e apoio a startups de IA na UE.
Mas a melhor parte do plano envolve ajudar as empresas menores a cumprir as longas regulamentações de IA e eliminar os obstáculos que têm prejudicado a competitividade europeia – problemas destacados pelo primeiro-ministro italiano Mario Draghi em um relatório histórico e preocupante.
Esses ajustes são extremamente necessários no setor de tecnologia da Europa, onde regras onerosas dificultam que os acadêmicos se separem das universidades ou que os fundadores de startups concedam opções de ações aos seus primeiros funcionários.
O aprofundamento do mercado único europeu também ajudaria a revigorar o desenvolvimento tecnológico, de acordo com Sebastian Mallaby, membro sênior do Conselho de Relações Exteriores e autor de The Power Law: Venture Capital and the Making of the New Future, um livro sobre a história do venture capital.
“Os Estados Unidos e a China se saíram bem na geração de unicórnios devido aos enormes mercados internos que possibilitam o aumento rápido das vendas”, diz ele. “A UE ainda tem um caminho a percorrer nesse sentido.”
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A Lei de IA da UE foi um esforço presciente e nobre para preencher o vácuo regulatório sobre IA, mas está atolada em inchaço e carece de especificidades – algo que o novo Plano de Ação procura abordar.
Se as autoridades conseguirem aproveitar a oportunidade para agir rapidamente e atualizar a legislação para torná-la mais clara, isso poderá ajudar a competitividade do bloco e a implantação mais ampla da IA. Apenas 13% das empresas europeias adotaram ferramentas de IA em 2024, de acordo com o Eurostat.
A guerra tarifária de Trump pode acabar sendo o catalisador geopolítico que o setor de tecnologia da Europa precisava. Em vez de desperdiçar energia em medidas de retaliação, os líderes europeus deveriam canalizar seus esforços para investimentos estratégicos em tecnologia, simplificando as regulamentações e aprofundando o mercado único. Há muito tempo, a região possui o capital intelectual necessário para uma maior autossuficiência tecnológica.
Talvez faltasse apenas a urgência existencial que essa crise comercial agora proporciona. Para legisladores e empreendedores tecnológicos europeus experientes, essa é uma oportunidade a ser aproveitada e que poderia finalmente transformar a região de uma colônia digital de big techs em sua própria potência tecnológica.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Parmy Olson é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a área de tecnologia. Já escreveu para o Wall Street Journal e a Forbes e é autora de “Supremacy: AI, ChatGPT and the Race That Will Change the World.”
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