Bloomberg Opinion — Um dos motivos pelos quais a marca da Apple (AAPL) é tão valiosa é o fato de que, durante décadas, ela teve a reputação de só fazer promessas que pudesse cumprir.
Isso aconteceu graças a um CEO notoriamente teimoso e difícil, Steve Jobs, que se cercou de executivos talentosos e ouviu a opinião de seus investidores, mas, no final das contas, tomou todas as suas decisões ao consultar um único conselheiro: ele mesmo.
Tim Cook não é Steve Jobs, e isso foi bom durante tempo em que Jobs não está mais entre nós.
O longo tempo de Cook na Apple e seu talento para a logística da cadeia de suprimentos fizeram dele o CEO certo quando o maior desafio da Apple parecia ser o aprimoramento do iPhone para pudesse vender bilhões de unidades em todo o mundo. À sua maneira, Cook cumpria promessas tão bem quanto Jobs.
No entanto, de repente, Cook parece estar em um território desconhecido.
Ele se viu nessa situação graças à sua abertura aos caprichos de Wall Street, que exigia grandes notícias sobre o que a Apple faria com a inteligência artificial (IA).
Não creio que Jobs teria se deixado levar pela pressa, mas Cook o fez em sua tomada de decisões.
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Ao apresentar prematuramente a Apple Intelligence ao mundo, Cook deu à empresa um prazo que ela não tinha certeza se conseguiria cumprir, e agora não conseguiu.
A empresa não cumpriu as promessas feitas aos clientes em anúncios na TV que alardeavam recursos que até hoje não estão nem perto de serem concluídos, incentivando os clientes a comprar um smartphone que custa US$ 1.000 ou mais e não faz o que foi anunciado.
Os recursos mais rudimentares da Apple Intelligence que foram lançados foram decepcionantes.
Primeiro, as empresas de notícias reclamaram de resumos mal interpretados, que a Apple ajustou sem nunca admitir a culpa.
Agora os problemas são mais profundos. Quando amigos que não são tão letrados em tecnologia enviam mensagens a você perguntando “como desativar esses pop-ups porque eles continuam atrapalhando minhas mensagens”, você sabe que a Apple cometeu um erro que vai muito além da imprensa de tecnologia.
As pessoas normais acham que a Apple Intelligence não funciona.
Cook tem se movimentado para evitar que esse problema se torne uma crise que possa colocar a sua liderança em xeque.
Sua principal iniciativa até o momento foi reorganizar a equipe de executivos responsáveis pela execução do esforço da Apple Intelligence, conforme relatado pela primeira vez pela Bloomberg News.
Agora no comando está a pessoa que liderou o desenvolvimento do fone de ouvido Vision Pro que, embora não seja exatamente um sucesso, é amplamente considerado um feito tecnológico impressionante (e é real, o que é mais do que se pode dizer da versão atualizada da Siri).
Mesmo com essas mudanças, a Siri aprimorada da Apple não deve chegar aos iPhones até 2026, no mínimo, adiando as expectativas de Wall Street de um “superciclo” de vendas do iPhone que supostamente estava previsto, graças a essa vaga ideia de que os consumidores se animariam em trocar seus smartphones por modelos mais novos.
É mais provável que alguns dos recursos mais conversacionais cheguem em 2027. Essa data provisória parecerá cada vez mais distante se concorrentes como a nova Alexa, da Amazon (AMZN), forem lançados a tempo e tiverem o desempenho anunciado.
O Alexa+, com suas integrações e interface limpa, é o tipo de aplicativo de IA que a Apple já deveria ter criado. Infelizmente, ela não criou – portanto, agora a empresa deve fazer tudo o que puder para garantir que os consumidores possam usar esses outros serviços sem obstáculos.
Esse é o caminho a seguir. Um retorno às raízes do iPhone como um lugar para desenvolvedores externos criarem aplicativos inovadores.
Para sair desse buraco da IA e manter o iPhone na vanguarda, eles precisam pegar emprestado o famoso grito de guerra do ex-CEO da Microsoft Steve Ballmer: “Desenvolvedores! Desenvolvedores! Desenvolvedores!”.
É nisso que a Apple sempre foi boa. Como Jon Gruber, blogueiro que acompanha a Apple, enfatizou recentemente, a linha de computadores Mac tornou-se a escolha do setor para os profissionais de criação porque era a melhor plataforma para usar os produtos da Adobe.
O iPhone, da mesma forma, tornou-se o dispositivo que mudou o mundo por causa de aplicativos como Uber, Spotify e Google Maps.
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A função principal da Apple é – e sempre foi – criar um hardware e um sistema operacional capaz de suportar essas ideias inovadoras.
Porém, nos últimos anos, esse objetivo foi dificultado pelo desejo da empresa de exercer mais controle – em nome da privacidade, segundo ela – e, ao mesmo tempo, desenvolver seu próprio negócio de serviços como outra fonte de renda valiosa.
Isso agora significa que a IA no iPhone é tão boa quanto a Apple pode torná-la atualmente.
Como o desenvolvedor Gus Mueller escreveu recentemente: “eu gostaria que as coisas avançassem no ritmo do setor, e não no da Apple”.
Pode ter havido um momento em que a Apple sentiu que poderia criar sua própria IA e manter todos os outros de fora, mas esse momento acabou.
A Apple precisa urgentemente encontrar uma maneira de abrir seus dispositivos para que outros possam desenvolvê-los adequadamente.
Estou confiante de que ela pode fazer isso com proteções suficientes em relação à privacidade, instituindo o mesmo tipo de acordo de vigilância que implementou para garantir que sua App Store não fosse um risco para os consumidores.
Tenho certeza de que ela pode encontrar maneiras de ganhar muito dinheiro como guardiã, pois, apesar do tumulto, o iPhone ainda é o dispositivo móvel mais capaz de executar IA, e sua enorme base de usuários está consolidada.
Deixar de se adaptar ao novo momento da IA, no entanto, pode ser um erro com grandes consequências.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Dave Lee é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a área de tecnologia. Foi correspondente em São Francisco no Financial Times e na BBC News.
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