Digitalizar pequenas empresas é uma grande oportunidade, diz CEO da Mastercard LatAm

O executivo italiano Andrea Scerch diz à Bloomberg Línea, em sua primeira entrevista desde que assumiu o cargo há quase dois anos, como a gigante global de pagamentos tem buscado crescer na região

O executivo italiano Andrea Scerch, CEO da Mastercard para a América Latina desde maio de 2023 (Foto: Divulgação)
17 de Março, 2025 | 07:09 AM

Bloomberg Línea — O executivo italiano Andrea Scerch costuma dizer que, ao assumir o comando da Mastercard para a América Latina e o Caribe há quase dois anos, se deparou com um ambiente de negócios de certa forma familiar a ele com diversas realidades e hábitos financeiros, dada a pluralidade de uma região com 45 países.

Familiar porque, além do conhecimento natural de diversidade regional em seu país natal, ele já havia comandado a região da Europa Central na gigante global de soluções de pagamento, além de ter ocupado cargos de liderança global que exigiram essa competência, baseado em Nova York e Londres.

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E também porque, com o início de seu trabalho na América Latina, percebeu a relevância para a região da construção de relações de confiança entre parceiros para que possa expandir a sua atuação e exercer o impacto que busca, o que também guarda semelhanças com a Itália, segundo ele.

“Acertar parcerias é fundamental para o nosso negócio. Não podemos fazer nada sozinhos. Precisamos nos associar a um banco, seja ele mais tradicional ou mais inovador, a adquirentes para construir aceitação, e ao governo para identificar oportunidades de parceria e, juntos, atingir alguns objetivos com o banco central”, disse o presidente da Mastercard para a América Latina e o Caribe à Bloomberg Línea, em sua primeira entrevista desde que assumiu em junho de 2023.

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Em uma região com mercados com realidades diferentes como o Brasil, que tem um dos índices de penetração de soluções digitais de pagamentos mais elevados do mundo, e o México, em que a “bancarização” ainda é um desafio a ser superado, o executivo apontou que há oportunidades comuns.

Uma das principais, segundo ele, é alavancar a digitalização de pequenas empresas em diferentes estágios, o que, no fim do dia, funcionará como um driver de desenvolvimento regional.

“A Mastercard precisa oferecer para a região não apenas um portfólio completo de soluções mas também uma estratégia eficaz para melhorar o acesso a esses serviços”, disse o executivo.

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Veja a seguir a entrevista com Andrea Scerch, editada para fins de clareza e compreensão:

O senhor está próximo de completar dois anos no cargo. Como avalia esse período?

Como você sabe, eu sou italiano, sou europeu, portanto não sou de apenas um país. Assim como significa liderar a América Latina e o Caribe. O que eu fiz no começo no cargo, e continuo a fazer, é viajar muito e visitar os países. Fui ao Brasil quatro a cinco vezes a cada ano. Viajei para o México, a Colômbia, o Chile, a Argentina e para países da América Central, porque não há maneira melhor para entender os mercados, trabalhar com os times locais e engajar com os clientes e os consumidores do que estando presente.

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A tecnologia hoje oferece um suporte importante [para comunicação], mas acredito que investir o seu tempo para conhecer um país permite que você tenha a compreensão da região. E hoje posso dizer que estou mais entusiasmado do que quando comecei porque vejo as grandes oportunidades que existem para que a Mastercard realize o trabalho que acredito que conseguimos fazer.

Quais as oportunidades que identificou?

Podemos ajudar pequenas empresas a digitalizar os seus negócios. Isso faz parte do nosso objetivo geral. Se nós acelerarmos e oferecermos suporte para que países e governos adotem mais pagamentos digitais, no fim do dia, há evidências de que os consumidores vão adotá-los.

Os consumidores não usam dinheiro porque gostam. Há muitas evidências de que preferem soluções digitais e eu acredito que nós estamos bem posicionados para oferecê-las, de acordo com a realidade de cada país, seja no Brasil ou no Chile, por exemplo, que estão em estágio mais avançado do que outros, mas também em grandes economias como Colômbia, México e Peru. Não se trata de uma solução única - one size fits all -, mas há uma oportunidade grande de apoiar a digitalização na região.

Em países com digitalização de pagamentos em estágio mais avançado como o Brasil, o que pode ser feito?

Vou dar um contexto. Existe um índice para avaliar o nível de pagamentos digitais sobre o consumo pessoal, e o Brasil tem uma das taxas mais elevadas não apenas da América Latina mas em escala global dada a sua combinação de uso de cartões e também do Pix.

O número de estabelecimentos que aceitam pagamentos sem contato, que é muito conveniente para o consumidor, é muito bom. A experiência também é excelente. Somos um dos players do mercado – não somos os únicos. Creio que o Banco Central fez um bom trabalho, e tanto os bancos tradicionais quanto os digitais, assim como os adquirentes, contribuíram para oferecer, diria, uma solução muito boa que permite que consumidores e pequenas empresas aproveitem mais os pagamentos digitais.

O país tem realizado um trabalho profundo no aproveitamento das oportunidades de consumo e também avança intensamente em segmentos como pequenas empresas. Mas, no setor corporativo, ainda há muito a ser feito para apoiar esses negócios relativamente pequenos – que também são a espinha dorsal da economia brasileira – a avançarem para a próxima etapa em termos de digitalização.

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E em países que não estão em estágios tão avançados?

No México, por exemplo, a situação é diferente, pois boa parte dos consumidores não tem acesso a serviços financeiros, não têm uma conta corrente simples com cartão de débito. E isso representa um desafio, pois a falta de inclusão financeira também impede o crescimento e limita o acesso a muitas oportunidades, como o e-commerce, e reduz a capacidade para aproveitar as novas tecnologias.

Ao mesmo tempo, embora o mercado não seja pequeno, há espaço para construir uma aceitação mais ampla. Por exemplo, temos uma parceria com o Banco del Bienestar, que pertence ao governo. Trabalhamos com eles para impulsionar a inclusão financeira e encontrar uma maneira simples de proporcionar acesso, mesmo para consumidores que não moram na Cidade do México ou em outras grandes cidades, a uma conta corrente, a um cartão de débito e para que tenham um motivo para utilizar esse cartão, como, por exemplo, um conjunto de descontos e benefícios.

É uma proposta que pode ajudá-los a avançar para essa primeira etapa de inclusão financeira. Portanto, para essa região, a Mastercard precisa oferecer não apenas um portfólio completo de soluções mas também uma estratégia eficaz para melhorar o acesso a esses serviços.

E isso é o que me entusiasma, para ser sincero, pois o crescimento vai um pouco além da Europa, que, de modo geral, é um pouco mais madura. Em muitos países, essa dimensão da necessidade de inclusão financeira é evidente. Acredito que parte da empolgação de trabalhar na América Latina é que podemos realmente contribuir não só para fazer nosso negócio crescer, o que claramente é um dos nossos objetivos, mas também para ajudar as pessoas e as pequenas empresas a fazer o mesmo.

Quais as estratégias que se mostram mais eficazes?

Especialmente na América Latina, existe uma base de consumidores relativamente jovem. Eles estão extremamente familiarizados com players digitais, com smartphones, e também possuem a expectativa de que nos pagamentos seja agregada a mesma qualidade de experiência que provavelmente têm no dia a dia, como ao fazer compras no Mercado Livre ou até mesmo ao se conectar com a Netflix. Nosso esforço com os parceiros, os bancos e as fintechs é justamente para oferecer uma boa experiência digital.

Temos um conceito que chamamos de Digital First – é um nome um pouco interno – e ele trata basicamente de garantir que nós, juntamente com nossos parceiros, possamos atender o consumidor com uma experiência que seja simples, segura e, de certa forma, recompensadora.

Simples, porque esses consumidores estão acostumados com a excelente experiência dos players digitais, em que você pode comprar o que quiser com apenas um clique. Seguro, porque a fraude é uma área de preocupação para os consumidores. Se não a enfrentarmos, não teremos a confiança necessária para que eles adotem as soluções.

E recompensadora porque quando você consegue adicionar um certo nível de engajamento – especialmente nos dias de hoje –, isso ajuda muito a influenciar o comportamento do consumidor.

Esse é um desafio que já adotamos com muitos bancos ao redor do mundo, não apenas na América Latina. E não pense nisso apenas para os novos entrantes do setor financeiro mas também para os bancos muito tradicionais. A meu ver, eles fizeram muito progresso ao perceber que uma ótima experiência digital é como se fosse uma pré-condição necessária para melhor atender o consumidor.

Do ponto de vista de inovação, o que os consumidores na região podem esperar para os próximos anos?

Acredito que oferecemos a melhor experiência possível, superior a qualquer outra solução tecnológica. Isso não se deve apenas à conveniência mas também à sua extrema segurança, que é muito importante para nós. Desde 2018, investimos quase US$ 10 bilhões em soluções de segurança para eliminar fraudes e remover qualquer ponto de atrito.

Acredite, isso certamente funciona muito bem nas lojas físicas, e no e-commerce temos implantado o que chamamos de solução “digital by default”, que inclui tokenização – e não quero ser técnico demais, mas a tokenização é uma forma de não expor o seu número do cartão, mas, sim, um número virtual, de modo a reduzir fraudes. Essa é uma particularidade técnica, mas temos tokenização, temos “click to pay” e agora temos “pass key”, que é uma nova maneira de se autenticar.

Sem entrar muito nos detalhes técnicos, são diversas soluções que têm o objetivo de tornar a experiência do consumidor ou da pequena empresa a mais fluida e segura possível, para que possa realmente confiar, o que é fundamental. Afinal, quando você paga com seu próprio dinheiro, quer ter certeza de que não apenas pode gastar o que quiser mas também que a experiência seja simples.

Algumas, ou muitas, dessas soluções já estão implementadas e disponíveis para os consumidores e varejistas, entre outros.

O que mais o surpreendeu em seu trabalho na América Latina?

Eu não diria surpresa, porque sou italiano, mas percebi que relacionamento importa muito na região. É muito semelhante ao que acontece na Itália: é importante estabelecer um relacionamento de confiança, em que nos posicionamos como um parceiro que quer ajudar os clientes a crescer seus negócios.

Acertar parcerias é fundamental para o nosso negócio e para a nossa proposta. Não podemos fazer nada sozinhos. Precisamos nos associar a um banco, seja ele mais tradicional ou mais inovador, a adquirentes para construir aceitação, e ao governo para identificar oportunidades de parceria e, juntos, atingir alguns objetivos com o banco central. Portanto, acredito que estabelecer parcerias está no cerne do que fazemos aqui na Mastercard. No fim do dia, há muitos stakeholders com os quais lidar.

Esse eu diria que é meu principal objetivo e é nessa direção que seguimos: queremos ser considerados por todos na região como o melhor parceiro para endereçar as oportunidades que existem. Se conseguirmos alcançar nessa dimensão, acredito que seremos muito bem-sucedidos.

Daqui a um ano, o que o senhor espera que possa contar dos avanços na região?

Eu espero poder contar dos progressos que alcançamos em termos de inclusão financeira, digitalização da economia e aceitação maior das nossas soluções. Estou confiante porque há muito de momentum e, ao mesmo tempo, claramente, depende de nós e de nossos parceiros entregarmos benefícios reais para os clientes do dia-a-dia e para as pequenas empresas.

Para as pequenas empresas, contar com algum nível de engajamento digital é vital para o acesso a crédito. Se você faz parte de um ambiente de negócios em que há pagamento com soluções digitais, terá um histórico financeiro que será relevante para que consiga acesso a crédito com um banco. E isso alimenta um ciclo positivo para os pequenos negócios da região.

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.