Opinión - Bloomberg

Lula está perdendo o apoio da ‘classe trabalhadora’. Os motivos vão além da economia

Pesquisas indicam que o presidente não tem conseguido se conectar com uma classe empreendedora emergente que está crescendo em influência no país

Luiz Inacio Lula da Silva
Tempo de leitura: 6 minutos

Bloomberg Opinion — As pesquisas são claras: este é o pior momento para Luiz Inácio Lula da Silva em seus três mandatos como presidente do Brasil.

Apenas 24% aprovaram o trabalho de Lula em fevereiro, em comparação com 35% em dezembro, sua classificação mais baixa no cargo, de acordo com o Datafolha.

Pior para Lula, a pesquisa sinaliza que ele está perdendo apoio com a classe trabalhadora e com os eleitores no Nordeste, dois de seus principais círculos eleitorais, e ele não consegue se conectar com uma classe empreendedora emergente que está crescendo em influência.

Uma pesquisa da AtlasIntel publicada na semana passada também mostra uma deterioração constante no apoio ao antigo líder sindical, com mais de 50% dizendo que seu governo é ruim ou péssimo.

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Essa insatisfação fundamental entre os eleitores brasileiros dificilmente será revertida com programas sociais ou empréstimos baratos, algumas das políticas que marcaram os governos de Lula.

E isso deveria ser motivo de alarme no Palácio do Planalto: ganhar um quarto mandato no ano que vem será muito mais difícil para Lula do que ele imagina, apesar de sua liderança atual nas pesquisas.

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O que é mais difícil de explicar são as razões subjacentes por trás da crescente impopularidade do presidente.

Sim, a tendência coincide com a piora das expectativas na maior economia da América Latina. Alimentada pela relutância do governo em realizar ajustes fiscais significativos, a inflação permaneceu teimosa, forçando o Banco Central a aumentar as taxas de juros agressivamente, uma abordagem que, por sua vez, deve esfriar a atividade, como visto no quarto trimestre.

Depois de atingir o menor nível já registrado, o desemprego aumentou por dois meses consecutivos, atingindo 6,5% em janeiro.

Mas os dados não capturam as razões por trás da queda da popularidade de Lula, que envolve algo mais profundo do que apenas uma mudança nas expectativas.

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Afinal, a economia cresceu mais de 3% ao ano durante os primeiros dois anos de Lula 3.0, com salário real recorde e gastos sociais em expansão.

A maioria dos latino-americanos se alegraria com essa performance, tornando a rejeição abrupta do presidente ainda mais intrigante.

Claro, há o impacto da inflação dos alimentos, que acelerou os preços acima da média. Durante a campanha, Lula prometeu que os brasileiros voltariam a saborear suas deliciosas picanhas, uma promessa difícil de cumprir com a inflação dos alimentos acima de 7%.

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Houve também um incidente importante em janeiro envolvendo o Pix: a equipe de Lula foi surpreendida por ataques danosos nas redes sociais ao maior escrutínio do governo sobre a plataforma.

Lula Can't Profit From Brazil's Economic Rebound | Key economic indicators since the post-pandemic

Esses fatores importam, mas a razão para os problemas de Lula é mais direta: aos 79 anos e tendo concorrido à presidência seis vezes, ele está irremediavelmente se tornando o homem do passado — um destino semelhante ao de Joe Biden nos Estados Unidos.

Ouça Lula hoje e ele parece preso em 2007, longe do político encantador capaz de seduzir investidores e a comunidade empresarial.

Suas ideias são apenas repetições cansadas dos maiores sucessos de suas presidências anteriores: gastar muito em assistência social, estimular a economia independentemente do custo fiscal, usar empresas estatais para embarcar em uma política industrial duvidosa; ele até mesmo retornou à sua obsessão em ressuscitar a indústria naval do Brasil (uma ideia desastrosa que já custou bilhões ao país).

Se os incumbentes estão tendo dificuldades em todos os lugares, imagine um que está sob os olhos do público há mais de quatro décadas e que terá quase 81 anos quando as urnas abrirem.

O terceiro governo de Lula é percebido como amplamente paralisado, incapaz de entender a sociedade muito diferente do Brasil de hoje, refletida em um Congresso muito mais complexo.

O governo carece de um projeto moderno que possa entusiasmar os brasileiros, uma boa parte dos quais não eram adultos quando Lula estava no auge.

O Brasil está mais rico, menos industrializado, mais evangélico e mais conservador do que nos anos dourados do Partido dos Trabalhadores.

Apenas 13% dos brasileiros de 16 a 24 anos aprovam o governo de Lula na pesquisa do Datafolha, em comparação com 32% para aqueles com 60 anos ou mais.

Crucialmente, há uma enorme desconexão com a classe trabalhadora emergente, que não é mais pobre ou analfabeta e agora depende de atividades empreendedoras, não sindicalizadas, da economia de bicos a empreendimentos familiares.

A ironia, como o CEO da AtlasIntel Andrei Roman diz, é que Lula ajudou a criar essa classe de capitalistas que agora esperam que o governo os ajude a dar novos passos adiante.

“Lula não conseguiu fornecer oportunidades econômicas para esses 40% da população que querem ser mais prósperos, mas ainda enfrentam uma situação muito difícil”, disse. “O brasileiro típico hoje é mais inclinado a ideias de direita.”

De fato, Lula parece estar atrás de Jair Bolsonaro nas intenções de voto pela primeira vez na pesquisa AtlasIntel, um sinal de fraqueza considerando que seu rival político liderou um governo impopular e está proibido de concorrer no ano que vem.

Além disso, a questão da insegurança e do crime consistentemente está no topo das preocupações do país. À medida que os brasileiros desfrutam de rendas mais altas, os criminosos são cada vez mais vistos como uma ameaça a outros trabalhadores, não apenas aos ricos, algo que colide com a abordagem mais tolerante que tem sido a posição histórica da esquerda, segundo o economista Pedro Fernando Nery.

“O governo não tem resposta para a questão e o discurso da esquerda brasileira é distante da visão da população, que apoia encarceramento e mais tempo de cumprimento de penas”, disse.

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Diante de tudo isso, Lula se mostrou menos paciente e mais teimoso, talvez uma consequência inevitável de passar 580 dias na cadeia.

A decisão de nomear a presidente do PT Gleisi Hoffmann, uma defensora ferrenha do ditador venezuelano Nicolás Maduro, para o papel de relação estratégica com o Congresso mostra que ele valoriza a lealdade e o espírito de luta em vez da negociação ou da tecnocracia.

Lula parece convencido de que os problemas de seu governo decorrem de comunicação falha e falta de espírito combativo, mas ele está apenas se enganando: remar mais forte não ajuda se o barco estiver indo na direção errada, como diz o ditado.

É verdade que os 19 meses daqui até a votação são anos-luz para a realidade brasileira, particularmente para um homem que encenou uma das maiores reviravoltas políticas da história.

Lula provavelmente dobrará a aposta em programas como redução de horas de trabalho e a isenção de mais brasileiros do Imposto de Renda.

Ele pode se tornar ainda mais radical, jogando a responsabilidade fiscal aos ventos, pressionando por mais políticas pouco ortodoxas e intensificando seus confrontos com a Faria Lima.

Mas o ponto principal é que ele é vulnerável a um eleitorado que mudou mais rápido do que suas ideias. E isso nunca é um bom sinal, mesmo para um incendiário indomável.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Juan Pablo Spinetto é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.

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