Opinión - Bloomberg

Fim da euforia ou ajuste? O que o recuo das ações nos EUA significa para os mercados

Cenário macroeconômico tem mudado rapidamente sob os pés dos investidores, o que tem levado a uma reavaliação sobre os preços das ações

Bolsa de Nova York
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — Um impulso com efeito retroalimentador levou o mercado de ações dos Estados Unidos para cima por mais de dois anos. Desde a mínima atingida durante o último período de baixa, em outubro de 2022, o índice S&P 500 teve ganhos extraordinários de 67%.

Quanto mais as ações subiam, mais investidores ao redor do mundo acreditavam que elas continuariam subindo. Infelizmente, essa inércia autoperpetante parece subitamente estar nos levando na direção errada.

No final do mês passado, o S&P 500 despencou abaixo de sua média móvel de 100 dias, um sinal de que a tendência pode estar mudando, e recentemente tem flertado com a primeira queda abaixo da linha de tendência de 200 dias desde 2023.

Losing Momentum | The S&P 500 is close to falling through its 200-day moving average

Analistas bottom-up de Wall Street — que reforçaram o otimismo dos investidores durante a maior parte da recuperação — começaram a reduzir muito sutilmente seus targets de preço para 12 meses.

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Enquanto isso, mercados globais de ações, incluindo Europa e China, subitamente capturaram algum impulso relativo próprio, sugerindo que as ações americanas não são mais a única alternativa no mercado.

Leia também: Wall Street começa a reavaliar as projeções elevadas para o S&P 500 em 2025

Estes desenvolvimentos são difíceis de ignorar.

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Em primeiro lugar, o cenário macroeconômico tem mudado rapidamente sob os pés dos investidores. Embora os lucros das empresas tenham permanecido relativamente fortes, a guerra comercial em múltiplas frentes do presidente Donald Trump está semeando incertezas generalizadas que pesam sobre o sentimento empresarial e do consumidor.

O Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) também tem pressionado por cortes generalizados na folha de pagamento do governo, que provavelmente começarão a aparecer nos dados de emprego nas próximas semanas e meses.

E a ameaça persistente da inflação — potencialmente exacerbada pelas tarifas de Trump — pode restringir a flexibilidade do Federal Reserve para cortar as taxas de juros para apoiar a economia, incluindo o mercado imobiliário em declínio.

Em segundo lugar, os valuations de P/L (preço sobre lucro) já estavam elevados. Com aproximadamente 21 vezes, o índice P/L futuro combinado do S&P 500 ainda está bem acima do seu antigo “normal” de cerca de 17 vezes no período 2015-2019.

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Os fundamentos certamente desempenharam um papel no mercado altista de 2022 a 2025, e os otimistas apontaram compreensivelmente para o crescimento econômico em disparada, lucros e uma revolução genuína na inteligência artificial generativa.

Mesmo assim, a maior parte dos retornos das ações veio da expansão dos múltiplos, o que se tornou mais difícil de justificar à medida que os riscos ressurgem, os rendimentos dos títulos permanecem altos e mercados de ações concorrentes redescobrem seu ímpeto.

A High Multiple | US stocks still trade well above what used to be considered normal

Há um argumento, claro, de que as dificuldades do mercado são temporárias. “O mercado e a economia simplesmente se viciaram” em gastos públicos, disse o secretário do Tesouro Scott Bessent à CNBC na sexta-feira (7). “Haverá um período de desintoxicação.”

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Enquanto as políticas comerciais de Trump desestabilizaram os mercados, alguns comentaristas argumentam que elas são teatro de guerra comercial. O presidente, afirmam, pode reviver os mercados na segunda metade do ano, direcionando o foco dos investidores para cortes de impostos e desregulamentação, promessas de campanha que Wall Street geralmente vê como pró-crescimento.

Da mesma forma, não é incomum que ações de tecnologia, que têm estado em alta, façam uma pausa — arrastando o Nasdaq 100 para perto de uma correção de 10%.

Talvez seja assim, mas há muitos riscos.

Politicamente, Trump prometeu durante a campanha que provocaria uma onda de reshoring, e não está claro que ele estará disposto a recuar inteiramente das tarifas, particularmente no que diz respeito à China. Nesse ambiente, as empresas enfrentariam um processo caro e demorado de reorientação das cadeias de suprimentos globais para atender aos padrões de Trump.

Ao mesmo tempo, impostos e desregulamentação exigirão o árduo trabalho de construção de consenso político. Mesmo com o controle do Congresso, a estreita maioria republicana na Câmara provavelmente não é grande o suficiente para facilitar o processo.

Trump terá que convencer os defensores do déficit fiscal em seu próprio partido que eles deveriam ignorar a dívida nacional crescente e conceder aos americanos US$ 4,5 trilhões em benefícios fiscais ao longo de uma década. Mesmo que os políticos aprovem as medidas, os vigilantes do mercado de títulos podem decidir que têm outros planos.

Os consumidores podem ser uma das incógnitas mais importantes. A combinação de mercados voláteis e preços mais altos devido às tarifas comerciais pode fazer com que os compradores americanos se retraiam.

Na verdade, pesquisas de economistas do Fed mostram que a demanda de vendas no varejo nos últimos anos foi principalmente alimentada por famílias de renda média e especialmente alta.

O gasto deste último grupo presumivelmente foi apoiado pelo “efeito riqueza” de investimentos e valores imobiliários em alta. Leituras recentes para vendas no varejo e despesas de consumo pessoal sugerem que o crescimento dos gastos já pode estar estagnando.

A inércia é uma força poderosa, e está longe de ser claro que Trump será capaz de deter uma queda dos mercados uma vez que esteja demonstravelmente em andamento, mesmo se o cenário político melhorar.

Nos últimos anos, retornos crescentes do mercado de ações fizeram os americanos se sentirem mais ricos e gastarem um pouco mais do que teriam de outra forma, o que acabou apoiando os lucros corporativos.

Mas a inércia também funciona na queda. Declínios acentuados do mercado podem tornar consumidores e empresas mais cautelosos, e demissões que começam a conta-gotas podem se alimentar de si mesmas. Uma vez que um mercado altista é quebrado, não é particularmente fácil reconstruí-lo novamente.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Jonathan Levin é um colunista com foco nos mercados e na economia dos EUA. Anteriormente, trabalhou como jornalista da Bloomberg nos EUA, no Brasil e no México. É analista financeiro com certificação CFA.

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