Bloomberg — Novas regulamentações estão apertando o capital dos bancos brasileiros, restringindo sua capacidade de crédito em um momento no qual muitos já estão pisando no freio por causa do aumento das taxas de juros e expectativas de alta na inadimplência.
As medidas, destinadas a alinhar os bancos do país com os padrões contábeis globais, pressionam as instituições financeiras a gerar lucros rapidamente para usar uma pilha recorde de quase R$ 370 bilhões em ativos fiscais — créditos resultantes do pagamento excessivo de impostos — que eles acumularam em seus balanços.
A mudança ocorre no mesmo momento em que uma outra regra entra em vigor, também comprimindo o capital dos bancos ao modificar a metodologia de contabilização de provisões para perdas com empréstimos inadimplentes.
“Essas mudanças regulatórias exigirão esforços consideráveis dos bancos em um ano difícil, com pressões inflacionárias aumentando e taxas de juros crescentes trazendo volatilidade, preocupações e maiores taxas de inadimplência”, disse Guilherme Machado, analista da S&P Global Ratings, em uma entrevista.
“Os bancos talvez distribuam menos dividendos ou expandam sua carteira de empréstimos mais lentamente.”
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Como consequência dessas mudanças, um número crescente de executivos de bancos tem visitado gestores de fundos que compram empréstimos inadimplentes na tentativa de achar um preço para seu crédito, incluindo alguns que ainda não estão com pagamento em atraso. Vender esses ativos é uma forma de os bancos lidarem com as novas regras.
Os bancos brasileiros historicamente pagavam impostos adiantado porque as despesas com provisões para perdas com empréstimos não eram consideradas no cálculo do lucro tributável, mesmo que reduzissem o lucro contábil.
Somente quando um empréstimo não tinha perspectiva de recuperação e era baixado a prejuízo, cerca de um ano após o início da provisão, a perda seria levada em consideração, reduzindo o lucro tributável. E os bancos, quando tinham lucros suficientes, tinham a flexibilidade de usar os créditos fiscais gerados como resultado dessa diferença temporal.
Um aumento na inadimplência, provisões crescentes e lucros em queda fizeram com que mais desses ativos fiscais fossem criados e menos fossem usados, deixando a pilha de créditos tributários nos bancos do Brasil atingir um recorde no fim de 2024.
Mas a nova estrutura regulatória global de Basiléia III estabeleceu que os ativos fiscais precisam ser subtraídos do capital dos bancos.
Isso seria um desastre para os bancos brasileiros se aplicado de uma só vez, então as autoridades concederam um período de carência de até 10 anos para os bancos usarem seus créditos tributários, a partir deste ano.
Eles também dificultaram a criação de novos ativos fiscais ao determinar que as despesas vinculadas a provisões para perdas com empréstimos devem ser usadas para cálculos de imposto assim que afetarem os lucros contábeis.
O Bradesco (BBDC4) tem o maior valor de créditos fiscais, com R$ 110,9 bilhões em dezembro, enquanto o Itaú (ITUB4), o maior banco da América Latina, tem a segunda maior pilha, com R$ 72 bilhões. O total aumentou cerca de 12% nos últimos 12 meses nos cinco maiores bancos, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.

A outra nova regulamentação que espreme o capital dos bancos obriga as instituições financeiras a calcular provisões com base nas perdas esperadas com empréstimos. Antes, a maioria dos bancos só fazia provisões após um evento de não-pagamento efetivo.
Além disso, os limites de crédito dos clientes, incluindo de cartões de crédito, passam agora a ser considerados nos cálculos de provisões, de acordo com Cláudio Sertório, sócio da empresa de auditoria KPMG.
Essa nova abordagem que olha para o futuro da performance do crédito trará aumento de R$ 37,8 bilhões em provisões, ou 11% do total, disse o banco central em um relatório em novembro.
Os bancos vão precisar aumentar o capital para lidar com essas novas provisões ao longo de quatro anos, começando em 2025.
O Itaú já usava a nova metodologia para provisões, então o impacto para o banco será pequeno, disse a S&P. Bradesco e Santander Brasil (SANB11) terão um aumento de 10% nas provisões, estima a S&P.
Geovanne Tobias, diretor financeiro do Banco do Brasil (BBAS3), disse em teleconferência em fevereiro que o impacto será de mais de 4% no patrimônio líquido do banco.
“Em um portfólio como o do agro, que está em uma fase desafiadora, em termos de perda esperada chama mais provisões”, disse Felipe Prince, vice-presidente de controles internos e gestão de risco do BB.
Se um banco vender empréstimos para fundos de investimento nos mercados secundários a preços altos o suficiente, ele pode reverter perdas de provisão e gerar lucros, usando créditos fiscais no processo, disse Sertório, da KPMG.
Mateus Tessler, sócio da empresa de investimentos alternativos JiveMauá, disse que tem recebido visitas de executivos de bancos “para perguntar se não queremos fazer algo com créditos ainda não defaultados ou que vão entrar em alguma reestruturação”.
Existem várias alternativas, de acordo com Tessler. “Comprar crédito com deságio é uma opção, ou mesmo oferecer crédito adicional à empresa que está em uma situação mais difícil, ou dar garantias aos bancos”, disse.
Apesar do impacto no início da transição, as novas regras deixarão o sistema financeiro nacional “mais robusto para enfrentar futuras materializações de risco de crédito,” disse o Banco Central.
Os índices de capitalização são “plenamente suficientes” para suportar o impacto dessas novas regulamentações, que podem ser mitigados por medidas como injeções de capital, maior retenção de lucros e redução de exposições, segundo o Banco Central.
“O sistema dispõe de margem de capital suficiente para continuar expandindo a oferta de crédito, não obstante a perspectiva de sua redução pelas alterações regulatórias”, disse o Banco Central.
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