Por que os ricos ficam mais ricos, explicado pela economia

Fatores como diferentes fontes de renda e efeitos de juros compostos sobre o patrimônio já acumulado ajudam a explicar a percepção de que pessoas mais ricas ganham mais dinheiro, segundo especialistas

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Bloomberg Línea — A riqueza é um elemento que pode contribuir para o bem-estar e o progresso das sociedades quando seus benefícios alcançam um número maior de pessoas e não há uma concentração excessiva que cause a erosão de bases sociais.

Por exemplo, no caso dos milionários que migram para outros mercados, gera-se um benefício para as economias de destino devido à injeção de receitas para os países e à contribuição para o emprego, ao mesmo tempo em que ajudam a impulsionar os mercados de ações locais, de acordo com o relatório Henley Wealth Migration Report 2024.

“Os milionários que emigram são uma fonte vital de receitas em moeda estrangeira, já que tendem a levar seu dinheiro consigo quando se mudam para um novo país”, apontou o relatório.

O mundo vivencia o surgimento rápido de novos bilionários, mas o desafio é que em regiões como a América Latina a acumulação de riqueza continua concentrada, o que amplia a desigualdade.

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Os ricos estão se tornando cada vez mais ricos, mas também mais numerosos: cerca de 200 novos bilionários surgiram no mundo no ano passado, o que equivale a uma média de quase quatro por semana, de acordo com cifras da Oxfam publicadas em janeiro.

Ao mesmo tempo, a Oxfam estima que a riqueza dos dez homens mais ricos do mundo cresceu, em média, US$ 100 milhões por dia. Essas pessoas acumularam fortunas de tal magnitude que, mesmo se perdessem 99% de sua riqueza da noite para o dia, “continuariam sendo bilionários”.

Em fevereiro, a própria ONG informou que a parcela 1% mais rica da América Latina já acumula 216 vezes mais riqueza do que a metade mais pobre, mas contribui com menos impostos.

Essa população concentrou um terço da nova riqueza gerada entre 2000 e 2022, o que equivale a cerca de US$ 3,7 bilhões. Segundo a Oxfam, isso é 216 vezes mais do que o restante 50% da população.

Como os ricos criam riqueza?

A criação de riqueza no mundo deriva de múltiplas fontes e origens que são analisadas pelos economistas. Se a análise se concentra na renda, existem duas fontes importantes: a renda do trabalho e o retorno dos investimentos.

“Se eu sou rico, posso fazer várias coisas para melhorar minha renda do trabalho: por exemplo, posso ir a uma boa universidade. Com uma renda maior, posso economizar mais e isso pode aumentar meus investimentos e ajudar com a segunda fonte de renda”, explicou David Pérez-Reyna, professor associado da Faculdade de Economia da Universidade dos Andes.

Em geral, segundo ele, a segunda fonte de renda começa a se tornar muito importante quando os investimentos acumulados são consideráveis, e nesses casos a primeira passa a deixar de ser tão relevante. “Se nos concentrarmos na acumulação de riqueza, o fato de um rico poder ter mais renda ajuda a que ele tenha cada vez mais disponível para investir mais.”

A criação de riqueza centra-se, assim, na aquisição de ativos e na diversificação dos investimentos, enquanto os passivos ficam relegados.

Sebastián Saa, especialista em ETFs na gestora BlackRock, explicou à Bloomberg Línea em outubro que uma das tendências mais interessantes entre os jovens bilionários na América Latina, por exemplo, é a sua inclinação para produtos de investimento como os fundos negociados em bolsa.

Os indivíduos de alto patrimônio (HNWI, em inglês) tendem a investir entre 30% e 50% de sua riqueza nos mercados de ações globais, enquanto os segmentos de menor patrimônio (classe média e baixa) frequentemente não possuem nenhum investimento em ações, de acordo com o diretor de pesquisa da firma de inteligência patrimonial New World Wealth, Andrew Amoils.

“Esses mercados de ações têm gerado retornos significativamente mais altos do que outros ativos nos últimos anos, especialmente os índices de ações dos EUA.”

O efeito dos juros compostos

Outra chave é a criação de unidades produtivas que geram capital que, por meio de estratégias como os juros compostos, buscam maximizar os retornos, segundo Jeisson Andrés Balaguera, analista financeiro e diretor executivo da Values AAA, Banca de Investimento.

“Ou seja, a pessoa que tinha investido US$ 1 milhão e faz bons investimentos, no ano seguinte pode ter gerado 10% sobre esse milhão, e assim sucessivamente. Em finanças, isso é conhecido como juros compostos.”

Os juros compostos são o efeito que ocorre quando os juros ganhos sobre um investimento são reinvestidos. Quando esse processo se repete de maneira constante, cria uma acumulação gradual semelhante a uma bola de neve em movimento.

Balaguera reconhece que ter um capital significativo que permita assumir riscos e gerar mais fortuna ajuda bastante.

“A organização e o bom entendimento financeiro são essenciais para esse processo; há muitas empresas que possuem excelentes produtos, serviços etc., mas acabam fechando, e isso se deve, provavelmente, a uma má administração ou estratégia de negócios”, complementou.

Compreender essa questão é fundamental, já que a formação técnica em áreas econômicas ou financeiras não garante o sucesso, mas contribui significativamente para atingir esses objetivos.

Participação de heranças

As heranças continuam a desempenhar um papel de destaque na transferência de riqueza no mundo. A Oxfam calcula que 60% da riqueza conjunta dos bilionários “é herdada”, entre outros fatores.

Em números, 36% de toda a riqueza atual dos bilionários é herdada.

As fortunas transmitidas de uma geração para outra são mais comuns na América Latina do que nos Estados Unidos ou na China.

O número de bilionários na região cujo patrimônio é parcial ou totalmente herdado equivale a 53,8%, acima da média do resto do mundo, de 37,3%, de acordo com cifras divulgadas em 2024 pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

Em comparação com outras regiões do mundo, a América Latina possui a maior quantidade de bilionários com fortunas herdadas, visto que, na Europa Ocidental, essa taxa equivale a 51,4%; nos EUA e no Canadá, a 27%; e na China, a apenas 5,6%.

“Na América Latina, parte do capital herdado se transforma em investimentos financeiros que, com altas taxas de juros, fazem com que esse capital cresça mais do que o dos executivos e o dos empresários”, disse no ano passado o economista e professor de Relações Internacionais da ESPM, Fábio Pereira de Andrade, à Bloomberg Línea.