Bloomberg — O Brasil, que já conta com um dos setores de energia mais limpos do G20, precisará investir US$ 6 trilhões de agora até 2050 para acelerar a descarbonização de toda a economia.
Essa é a avaliação mais recente da BloombergNEF, que conclui que as emissões relacionadas à energia do Brasil devem cair 14% até 2030, em comparação com os níveis de 2023, e cair 70% uma década depois, caminhando para zerar as emissões líquidas.
Em seu relatório New Energy Outlook, a BNEF afirma que o Brasil precisará investir mais em tecnologias de redução, como captura e armazenamento de carbono, mas seu maior desafio de descarbonização será a eletrificação do transporte, que atualmente representa mais da metade das emissões do setor de energia do país.
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A análise ocorre no momento em que o Brasil se prepara para sediar a conferência anual das Nações Unidas sobre o clima, conhecida como COP30, no final deste ano.
Os países presentes na cúpula serão solicitados a demonstrar seu compromisso contínuo com o histórico Acordo de Paris, que se compromete a manter o aquecimento global bem abaixo de 2 ºC e, idealmente, 1,5 ºC, em relação aos níveis pré-industriais.
Para cumprir suas ambições climáticas, o Brasil precisará mostrar que está combatendo o desmatamento e as emissões agrícolas, além de abordar questões de transição energética, de acordo com a BNEF, a divisão de pesquisa da Bloomberg especializada em energia, transporte, indústria, infraestrutura e mercados de commodities sustentáveis.
Ainda assim, a análise dos setores de energia, transporte, indústria e edificações do Brasil não vê um cenário em que o país se alinhe com as metas de manter o aquecimento global em 1,5 ºC.
Na melhor das hipóteses, o Brasil será consistente com 1,75 ºC de aquecimento até 2100 se descarbonizar totalmente sua economia até meados do próximo século, segundo o relatório.
A projeção aumenta para 2,6°C em um cenário de base, supondo que não haja apoio político adicional para a transição e que o desenvolvimento econômico seja baseado na tecnologia mais barata disponível.
Estas são as cinco principais conclusões do relatório:
Solar e eólica são o futuro
O Brasil foi pioneiro em energia hidrelétrica, instalando mais de 100 gigawatts de capacidade desde a década de 1960. Mas é improvável que isso continue. Suas megabarragens têm sido afetadas por problemas como danos ambientais e tempo de inatividade quando os níveis dos rios estão baixos. Agora é a vez de a energia eólica e a solar assumirem o controle. Espera-se que ambas aumentem significativamente em um cenário de net-zero ou de base.
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Cerca de 90% da geração de eletricidade do Brasil em 2024 veio de fontes renováveis. Esse setor deve crescer, principalmente porque é barato expandir a energia eólica e solar. Espera-se que ambas ultrapassem o fornecimento de hidroeletricidade até 2050.
“O Brasil constrói muita energia solar e eólica, não apenas porque está preocupado com o net zero, mas porque é mais barato do que construir gás”, disse Vinicius Nunes, pesquisador associado da BNEF e autor do relatório.
“O gás não é barato no Brasil, o petróleo não é barato no Brasil, mas a energia solar e eólica são as fontes de eletricidade mais baratas. Portanto, mesmo que você não tenha como meta zerar as emissões líquidas, do ponto de vista econômico, faz sentido construir energias renováveis.”
Energia é metade do desafio
Embora o setor de eletricidade do Brasil esteja quase totalmente descarbonizado, os combustíveis fósseis ainda são amplamente utilizados em outros setores, como transporte e indústria.
"Os brasileiros tendem a pensar que, como o setor de energia já está descarbonizado, não há muitas emissões de energia. Mas esse não é o caso", disse Nunes. "Metade do consumo final de energia do Brasil ainda é de combustível fóssil. Portanto, lidar com as emissões no setor de energia ainda é uma questão importante para o Brasil."
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Também estão no radar de emissões do Brasil: os milhares de hectares de terras agrícolas do país e a floresta amazônica, um dos mais importantes sumidouros de carbono do mundo.
Não há caminho para zerar as emissões sem lidar com as emissões agrícolas e o desmatamento. Quando se analisa o total de emissões de gases de efeito estufa do Brasil, a agricultura e a mudança no uso da terra respondem juntas por 63%.
Carvão, petróleo e gás já atingiram o pico
No Brasil, o uso de todos os três combustíveis fósseis já atingiu o pico no cenário de emissões líquidas zero ou no cenário de base, segundo o relatório. No entanto, a projeção é de que os combustíveis fósseis ainda farão parte da matriz em 2050.
As trajetórias futuras dos três tipos de combustível são bastante diferentes. No caso do gás, em um cenário base, a demanda cairá e depois aumentará novamente, à medida que os setores industriais que atualmente dependem de petróleo e carvão forem substituídos.
Para um plano alinhado com as metas líquidas zero, o petróleo cairá quase a zero até 2050, à medida que a eletrificação for assumindo o controle.
No caso do carvão, não há uma maneira econômica de indústrias como a produção de aço e alumínio se afastarem do combustível no curto prazo, causando um platô em um cenário de caso básico.
A demanda do setor de energia por carvão, por sua vez, cai rapidamente devido à energia renovável barata.
Nunes disse que o risco político para descarbonização da energia é relativamente baixo e que é improvável que ocorra uma reação no estilo dos EUA durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou de um futuro líder.
Mesmo durante o governo do antecessor de Lula, Jair Bolsonaro, que não era um líder voltado para o clima, o setor de energia renovável sofreu pouco. “É um setor economicamente bom para o país. Portanto, não há muita resistência no Brasil por causa disso”, disse Nunes.
Veículos elétricos reduzirão emissões
Como o setor de energia já está muito à frente, o transporte rodoviário apresenta o desafio mais significativo para a descarbonização. "Esse setor no Brasil é o que precisa reduzir as emissões mais rapidamente para que o Brasil esteja em um caminho para o zero líquido", disse Nunes.
Os biocombustíveis são usados muito mais amplamente no Brasil do que na maioria dos outros países. Um programa iniciado na esteira da crise do petróleo de 1973 criou uma indústria de etanol, e a maioria dos carros no país funciona com gasolina, etanol ou uma mistura. O Brasil é o segundo maior exportador de etanol do mundo.
Mas, nos próximos 20 anos, espera-se que a eletrificação se torne cada vez mais dominante nos carros de passeio, em grande parte devido ao preço. Os veículos elétricos a bateria representavam apenas 1% das vendas no Brasil em 2023 e esse número aumentará para 59% até 2040, mesmo em um cenário básico, de acordo com a BNEF.
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Ainda assim, espera-se que o setor de biocombustíveis continue crescendo para atender à demanda em outros setores que não podem ser facilmente eletrificados, especialmente o combustível para transporte marítimo e aviação.
É provável que o Brasil se torne um grande exportador de biocombustíveis para regiões como a Europa, que têm exigências rigorosas de alternativas ao combustível fóssil na aviação, mas pouca capacidade de produção própria.
Custo elevado
De modo geral, o cenário net-zero da BNEF custa apenas cerca de 8% a mais do que os métodos mais baratos para desenvolver a economia de 2024 a 2050.
A mudança de políticas e de mercado necessária para estimular o uso de tecnologias como captura e armazenamento de carbono e combustível de aviação sustentável representam alguns dos requisitos de investimento adicionais.
A análise do cenário base não leva em conta os custos de funcionamento de um sistema baseado em combustível fóssil, apenas o investimento de capex.
Também não calcula as despesas extras de adaptação em um mundo de 2,6 ºC em comparação com um mundo de 1,75 ºC, o que tornaria o investimento em ações climáticas ainda mais vantajoso, segundo o relatório - o que significa que, em breve, poderá ser mais barato para o Brasil fazer a transição para uma economia líquida zero do que não fazer, disse Nunes.
“Se você está construindo muito mais energias renováveis, não está construindo muitos combustíveis fósseis”, disse ele. “Portanto, uma coisa compensa a outra.”
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