Bloomberg Opinion — A política de priorização dos Estados Unidos, chamada America First, como praticada pelo presidente Donald Trump em seu segundo mandato, poderá, em vez disso, causar o isolamento do país ou grande descontentamento direcionado a ele. Não consigo entender como esse resultado trará grandeza para os EUA, e os trumpistas deveriam refletir sobre isso antes que seja tarde demais.
Com relação à política externa, Trump fez campanha com a promessa de que, por meio de sua “força”, seria um pacificador, resolvendo guerras como a da Rússia contra a Ucrânia em 24 horas e impedindo o surgimento de novas guerras. Mas, desde sua reeleição, e principalmente desde sua posse, Trump adotou um novo tom. É um tom que ele está acostumado a usar em assuntos domésticos: o de valentão.
Trump já ameaçou: a Dinamarca, porque quer a Groenlândia; o Panamá, porque quer seu canal; o Canadá, porque quer incorporá-lo como o 51º estado americano; a Colômbia, porque seu presidente se recusou brevemente a receber alguns aviões com migrantes colombianos deportados; e a África do Sul, porque se convenceu de que seu governo é racista, ou seja, “antibrancos”.
Ele também ameaçou indiretamente dois outros parceiros dos EUA, o Egito e a Jordânia, porque quer “tomar posse” da Faixa de Gaza, o que exigiria o reassentamento coercitivo de seus 2 milhões de habitantes em outros países da região. E ele brandiu tarifas comerciais contra os parceiros comerciais do país, incluindo o Canadá, o México e a União Europeia. Curiosamente, até o momento, ele não foi tão duro com os adversários dos EUA, principalmente a Rússia e a China.
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Como esses países – e outros, porque o mundo inteiro está observando – provavelmente responderão? Na década de 1980, Stephen Walt, um acadêmico da escola realista de relações internacionais, desenvolveu uma teoria para responder a essa pergunta.
Walt atualizou a noção realista tradicional de que os países ou impérios geralmente se esforçam para obter um “equilíbrio de poder” ao formar alianças contra qualquer um que seja mais poderoso. Isso não pode estar certo, argumentou Walt, porque muitos países deveriam ter se unido contra os EUA após a Segunda Guerra Mundial, quando o país se tornou o mais forte das duas superpotências.
Após a Guerra Fria, quando o mundo se tornou brevemente unipolar e os EUA não foram desafiados, um número ainda maior de países deveria ter se unido contra eles. Mas aconteceu o contrário. Os EUA continuaram atraindo mais amigos ao longo do tempo, contando hoje com cerca de 70 aliados e muitos outros parceiros comerciais.
O motivo: os EUA defendiam uma hegemonia benevolente em vez de hostil. Eles voluntariamente restringiram e empregaram seu poder para salvaguardar um sistema comercial aberto e as normas do direito internacional, no que ficou conhecido como Pax Americana ou a ordem internacional “baseada em regras”. Outros países, principalmente os pequenos, sentiam-se mais seguros sob a liderança americana e queriam pertencer a essas redes lideradas pelos EUA.
Walt levantou a hipótese de que os países só formam novas alianças contra uma nação como os EUA quando essa potência se torna poderosa e ameaçadora (como aconteceu com a Alemanha no final do século XIX, por exemplo). O melhor rótulo para explicar as relações internacionais, sugeriu ele, não é o equilíbrio de poder, mas o equilíbrio de ameaças.
Nesta nova era Trump, os Estados Unidos parecem ter se transformado de potência benevolente em potência ameaçadora. Trump desdenha a Pax Americana (ele a considera uma enganação) e parece não se importar com o imperialismo, desde que ele faça parte do jogo, mesmo que isso signifique deixar o mundo voltar à anarquia.
E, como prevê a teoria de Walt, os países parecem estar acelerando seus esforços para encontrar acordos alternativos de comércio e segurança que excluam os EUA. A União Europeia está conversando com países da América Latina e da Ásia; mais países estão se juntando ao Brics, um clube que se vê como uma alternativa ao Grupo dos Sete, liderado pelos EUA; a Associação das Nações do Sudeste Asiático está se unindo ao Conselho de Cooperação do Golfo no Oriente Médio; e assim por diante.
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A mudança é principalmente surpreendente se você souber onde procurar. No último fim de semana, o atual chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, debateu com seu oponente, Friedrich Merz, antes da eleição nacional que ocorre este mês. Desde a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha Ocidental e depois o país reunificado viam os EUA como uma espécie de “figura paterna” – como conquistador que se tornou salvador e também mentor da democracia. Merz chegou a presidir a Atlantik-Brücke (“Ponte do Atlântico”), uma organização para promover a amizade entre Alemanha e EUA.
E, no entanto, esses dois, ao mesmo tempo em que se desentendiam sobre quase todos os outros assuntos, pareciam concordar com naturalidade que os Estados Unidos passou de amigo a ameaça. Merz até relatou as preocupações particulares que o primeiro-ministro da Dinamarca compartilhou com ele. Ambos concordaram que, no comércio e em tudo o mais, a Europa, incluindo o Reino Unido (que deixou a UE), deve se manter unida, não com os EUA, mas contra eles.
Trump, como pessoa, e o MAGA [Make America Great Again], como movimento, estão cometendo um erro catastrófico ao confundir demonstrações caprichosas e imaturas de força – a força para ferir amigos mais fracos – com a glória mais duradoura do uso do poder para tornar o mundo mais seguro e melhor, aproximando amigos e mantendo os inimigos afastados. Os Estados Unidos sob o comando de Trump se tornaram uma ameaça. Que ninguém se surpreenda quando o mundo mais uma vez buscar o equilíbrio, e os Estados Unidos acabarem sozinhos.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Andreas Kluth é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre diplomacia, segurança nacional e geopolítica dos EUA. Anteriormente, foi editor-chefe da Handelsblatt Global e redator da The Economist.
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