Opinión - Bloomberg

O grande ‘teatro’ das sanções: mercado ilegal de petróleo continua a todo vapor

Bloqueios criam atrito e tornam o contrabando mais difícil e provavelmente menos lucrativo, forçando os vendedores a oferecer descontos maiores. Mas eles não reduzem significativamente os fluxos

Navio petroleiro visto do alto
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — O contrabando de petróleo não é fácil, mas é tão extremamente lucrativo que os obstáculos apenas o tornam mais lento. É claro que as autoridades podem tornar o comércio de barris ilícitos um pouco menos compensador do ponto de vista financeiro; no entanto, em última análise, o comércio de petróleo vai continuar.

E vai mesmo. Rússia, Irã e Venezuela, os três principais países produtores de petróleo sob sanções ocidentais, ainda bombeiam cerca de 16 milhões de barris por dia de petróleo bruto e outros líquidos de petróleo. Suponha que os três países vendam petróleo com um desconto de 20% em relação aos preços de mercado e faça as contas: isso equivale a US$ 1 bilhão em petróleo por dia.

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Sou cético quanto à capacidade da mais recente rodada de sanções e das promessas de aplicação mais rigorosa das sanções mais antigas para deter o comércio ilícito. As medidas criarão mais atrito e tornarão o contrabando mais difícil e provavelmente menos lucrativo, forçando os vendedores a oferecer descontos maiores. Mas elas não reduzirão significativamente os fluxos e nem os impedirão.

As somas envolvidas são tão grandes, e o negócio é tão lucrativo, que todos os envolvidos – vendedores, compradores e intermediários – estão altamente motivados a encontrar rotas alternativas, truques e estratagemas para manter o sistema funcionando. Com o tempo, os agentes da lei se cansam e os contrabandistas ficam mais informados.

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Não ajuda o fato de que nem todos consideram o petróleo bruto russo, iraniano e venezuelano como ilícito. Para a China, a Índia e muitos outros países em desenvolvimento, seus barris são tão bons quanto os de qualquer outro país.

Além disso, os países que impõem as sanções têm um incentivo para facilitar a vida dos contrabandistas a fim de manter o preço do petróleo baixo e precisariam persuadir todos os outros, principalmente Pequim e Nova Délhi, de que um petróleo mais caro é um preço que vale a pena pagar para impor sanções. Há um precedente histórico para isso, com o sucesso do embargo dos países ao petróleo bruto do Iraque e do Kuwait em 1990-1991.

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Mas aprendemos nos últimos cinco anos que o Ocidente não tem vontade política para suportar custos mais altos de energia, e o Sul Global não está interessado em apoiar Washington, Bruxelas e Londres. O apetite político por sanções intensas é tão fraco que até mesmo o Japão, normalmente alinhado com os EUA, só as defende da boca para fora.

O contexto político e econômico é importante para entender o que está por vir no mercado paralelo de petróleo. A atenção está voltada para a Rússia e o Irã, que juntos bombeiam cerca de 15% do petróleo bruto do mundo.

Na semana passada, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou um “memorando presidencial” que ordenava que seu governo restabelecesse a campanha de “pressão máxima” e “levasse a exportação de petróleo do Irã a zero”.

No papel, foi uma ação forte. Mas Trump minou seu próprio sucesso ao dizer, com a caneta na mão, que estava “dividido” com o memorando. “Todos querem que eu o assine”, disse ele, acrescentando: “vou assinar, mas não estou feliz em fazê-lo”. Como se isso não bastasse, ele deixou claro que, em última análise, não queria perturbar o fluxo de petróleo: “espero que não tenhamos que usá-lo”.

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Além disso, o memorando foi longo em palavras e curto em ações.

O Tesouro dos EUA anunciou dias depois, em uma declaração separada, que imporia sanções à “rede” que o Irã usa para burlar as sanções americanas sobre o petróleo. O problema é que a medida visava uma única petroleira de grande porte e duas de pequeno porte. Nos últimos anos, o Irã contou com mais de 500 navios-tanque para transportar seu petróleo, dos quais quase 60% permanecem sem sanções.

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Por enquanto, vamos focar nos navios petroleiros, que continuam recolhendo o petróleo bruto iraniano para exportação. Sim, alguns deles demoram mais para encontrar um comprador e, por enquanto, armazenam o petróleo em alto mar. Mas é apenas uma questão de tempo – e de um desconto maior em relação aos preços de mercado – até que alguém compre esse petróleo.

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Além disso, a produção de petróleo iraniana, quando medida em sua totalidade, está flertando com o nível mais alto em mais de 40 anos. Teerã não apenas produz petróleo bruto – o principal foco das sanções – mas também outros produtos petrolíferos, como condensados e líquidos de gás natural, que escaparam de quaisquer restrições com ainda mais facilidade. As duas últimas categorias de petróleo registraram um boom de produção nos últimos anos. Juntando tudo isso, o Irã bombeou no ano passado cerca de 4,5 milhões de barris por dia, o terceiro maior volume desde 1978.

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A Rússia vem sofrendo sanções desde logo após a invasão da Ucrânia, mas os políticos ocidentais se concentram em manter os preços do petróleo baixos, e não em restringir os fluxos. Em seus últimos dias no cargo, o ex-presidente Joe Biden mudou um pouco o rumo das coisas, impondo a Moscou as sanções mais fortes já vistas até agora.

Depois que o choque inicial passou, os contrabandistas trabalharam em soluções: A Rússia levou menos de 25 dias para encontrar soluções alternativas.

Sim, o Kremlin teve que vender seu petróleo a preços mais baixos e pagar mais para transportá-lo. Há muitas falhas, e parte da produção ainda não encontrou um cliente final, forçando alguns navios-tanque a se tornarem instalações de armazenamento flutuante temporárias. Mas, de modo geral, o petróleo ainda é comercializado.

É uma falha política vergonhosa, com a inação mascarada por retórica e palavras. Enquanto os governos ocidentais se recusarem a pagar preços mais altos do petróleo como custo para paralisar o mercado paralelo, a Rússia, o Irã e a Venezuela continuarão vendendo seu petróleo.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Javier Blas é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre energia e commodities. É coautor de “The World for Sale: Money, Power, and the Traders Who Barter the Earth’s Resources”.

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