Bloomberg Opinion — O índice S&P 500 despencou até 2,3% na segunda-feira (27) por causa da DeepSeek, uma startup chinesa de inteligência artificial (IA) que desenvolveu um modelo que compete diretamente com os melhores dos Estados Unidos – e, supostamente, de forma barata.
O venture capitalist Marc Andreessen chamou o fato de “momento Sputnik”, uma referência ao satélite russo que deu início à corrida espacial na década de 1960.
As ações de empresas de chips despencaram, assim como as de muitas gigantes da comunicação que desenvolviam suas próprias ferramentas de IA. Mas o pandemônio no maior mercado de ações do mundo não foi tão generalizado e pareceu diminuir com o passar do pregão.
Leia mais: Por que investir nas ‘Sete Magníficas’ pode não mais ser uma boa alocação
Como ainda não é possível distinguir o burburinho da DeepSeek da realidade de seus ganhos, a principal lição pode ser a de que a diversificação ainda é importante.
Estes foram os fatos da segunda-feira – a pior liquidação intraday de 2025:
- No momento em que este artigo foi escrito, 328 ações do S&P 500 estavam em alta.
- Na mediana das ações, a alta era de 0,7%, enquanto a média caiu apenas 0,2%.
- Os setores com ganhos no dia eram os de saúde, de bens de consumo básicos, o imobiliário e o financeiro.
- A indústria de tecnologia da informação foi responsável por 95% do movimento do índice.
- A Nvidia (NVDA), que fabrica chips de IA de ponta que também são extremamente caros, foi responsável por cerca de dois terços do declínio.
Em outras palavras, os investidores estariam em uma posição privilegiada na manhã da segunda-feira se tivessem simplesmente reequilibrado seus investimentos em ações neste ano em carteiras com pesos iguais de ações de large caps, em vez de se voltarem para o índice S&P 500 ou Nasdaq 100, cada vez mais focado em IA e ponderado pela capitalização de mercado.
Leia mais: DeepSeek: por que esta startup de IA da China é vista como ameaça real às big techs
Eu admito: apostar contra o índice tem sido uma proposta que causou prejuízos nos últimos 15 anos, mas o risco de concentração se tornou um problema mais grave para os investidores nos últimos dois anos.
A exposição dos investidores do índice S&P 500 a empresas de tecnologia da informação e serviços de comunicação está em seu ponto mais alto desde a “bolha das pontocom” nos anos 2000.
E apenas sete empresas são responsáveis por cerca de um terço de todo o índice em termos de ponderação. A Nvidia sozinha tinha uma ponderação maior do que cinco dos 11 setores representados no índice.
Essa concentração é um dos principais motivos pelos quais um relatório do Goldman Sachs (GS) de outubro sugeriu que o S&P 500 apresentaria um retorno total anualizado de apenas 3% na próxima década (ou apenas cerca de 1% ao ano, se ajustado pela inflação).
“Nossas análises históricas mostram que é extremamente difícil para qualquer empresa manter altos níveis de crescimento de vendas e margens de lucro durante períodos prolongados”, escreveu o Goldman na época.
É sempre tecnicamente possível que as atuais gigantes do índice continuem com um desempenho superior, mas a história nos conta o contrário.
Da mesma forma, a pesquisa sugere que a concentração do mercado está associada a uma maior volatilidade no futuro.
Se o mercado realmente se enfraquecer na próxima década, é bem possível que isso ocorra na forma de um crash seguido de uma recuperação longa e cansativa, em vez de dez anos de retornos reais praticamente estáveis.
Felizmente, as estratégias elementares de mitigação de risco são fáceis de implementar e você nem precisa de opções (na verdade, fazer tail hedging é muito ineficiente em mercados de baixa lentos, como a quebra das empresas pontocom).
O relatório do Goldman sugeriu que a versão ponderada por igual do S&P 500 poderia superar o desempenho do S&P 500 geral em 200 a 800 pontos-base na década.
Além disso, os atrativos ganhos de renda provenientes da posse de títulos podem dar nova vida a portfólios de classes de ativos mistos do tipo 60/40.
E os investidores podem finalmente aproveitar para adicionar certa exposição a ações internacionais pouco apreciadas, bem como a ações de small caps e mid caps americanas que ainda podem se beneficiar de um cenário macroeconômico sólido.
Leia mais: Como a DeepSeek se tornou uma febre global em 36 horas e apagou US$ 1 tri do mercado
É claro que é difícil saber em que ponto vai acabar o pânico com a DeepSeek.
Espera-se que as empresas que representam cerca de 38% do S&P 500 em termos de ponderação divulguem seus resultados nesta semana, e esses anúncios devem fornecer algumas informações sobre como os executivos americanos estão processando os acontecimentos e nos ajudar a separar o que é burburinho e o que é realidade.
Mesmo em um cenário em que a narrativa se mostre bem fundamentada, é perfeitamente possível que um caminho mais barato para a IA se transforme em um resultado positivo para muitas empresas norte-americanas de capital aberto, incluindo empresas que desenvolvem software relacionado à IA e usuários finais.
Mas, primeiro, a ação do mercado desta segunda-feira pode abalar a complacência dos investidores de índices. Apesar de todos os pontos fortes da economia e do mercado de ações dos EUA, a composição do índice está fortemente inclinada a favor da espetacular história da IA e da premissa de que identificamos corretamente os vencedores do mercado.
É provável que a narrativa esteja pelo menos um pouco errada, e os investidores devem esperar que a punição por sua falta de diversificação verdadeira seja volatilidade contínua e talvez até mesmo retornos totais abaixo da média.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Jonathan Levin é um colunista com foco nos mercados e na economia dos EUA. Já trabalhou como jornalista da Bloomberg nos EUA, no Brasil e no México. É analista financeiro com certificação CFA.
Veja mais em Bloomberg.com
Leia também
JBS poderá auxiliar na internacionalização da Mantiqueira, diz Márcio Utsch
Braskem paralisa Oxygea e fundo de US$ 150 mi deve ser descontinuado, dizem fontes
Vantagem dos EUA sobre o mundo vai se ampliar, diz head de estratégia do J.P. Morgan
© 2025 Bloomberg L.P.