Bloomberg Línea — O ano de 2025 começou com riscos amplos para a agenda ESG. Estrelas em ascensão do mercado de capitais nos últimos anos, ativos que seguem preceitos ambientais, sociais e de governança sofrem um revés com o começo do segundo mandato de Donald Trump nos Estados Unidos.
O republicano tem adotado ações práticas contra a agenda ambiental e de diversidade, que incluiu, entre outras medidas, o anúncio da saída dos EUA do Acordo de Paris logo no primeiro dia de governo. E determinou o fim de programas de diversidade e equidade em agências federais e fiscalização no setor privado.
O ambiente político sob o comando do republicano e do movimento conhecido nos EUA como anti-woke também tem ditado os rumos do recuo da agenda ESG entre grandes companhias privadas americanas nos últimos meses.
Meta, Amazon, McDonald’s, Walmart e Boeing estão entre as empresas que encerraram ou diminuíram seus programdas de diversidade e equidade.
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Além disso, os cinco maiores bancos de Wall Street – JP Morgan, Citigroup, Bank of America, Goldman Sachs e Wells Fargo – abandonaram a maior aliança climática do setor, a Net-Zero Banking Alliance (NZBA), sem contar a maior gestora do mundo, a BlackRock.
Ainda assim, a onda anti-ESG nos EUA não deve ser motivo para pânico na avaliação de José Pugas, diretor de sustentabilidade da Régia Capital. Criada em 2024, a joint-venture entre BB Asset e JGP é considerada a maior gestora dedicada exclusivamente a investimentos sustentáveis do Brasil, com R$ 5 bilhões em ativos sob gestão.
“Os movimentos são especialmente de companhias com sede nos EUA. Não vai haver uma diminuição de fluxo de investimento para soluções ESG, será uma questão bem específica dos Estados Unidos. Globalmente, a pauta deve continuar forte”, afirmou Pugas em entrevista à Bloomberg Línea.
O gestor não descarta o impacto que as mudanças nos EUA terão no mundo, mas enxerga nelas uma oportunidade para os ativos brasileiros.
“É óbvio que o multilateralismo e tudo que constroi um mundo mais democrático e participativo levou um susto com o cenário atual, já que os EUA sempre foram relevantes no contexto internacional.”
Pugas disse antever um cenário de enfraquecimento da atratividade americana para as finanças climáticas, enquanto o Brasil mantém – e pode reforçar – seu protagonismo na agenda por ser um país naturalmente diverso com um mercado de capitais desenvolvido, ainda que em escala menor.
“Nosso principal concorrente nessa frente são os EUA. Eles sempre foram um grande destino para investimentos de sustentabilidade e, agora que se tornam um mercado complicado para receber esses recursos, o capital terá que migrar para algum outro lugar.”
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A Régia não faz uma estimativa do fluxo de capitais que pode ser revertido para o Brasil, mas projeta um ano de protagonismo para as finanças sustentáveis e de forte captação para a gestora.
Dos R$ 5 bilhões já captados pela Régia, R$ 1 bilhão veio da migração de fundos da BB Asset e da JGP, enquanto o restante é fruto de novas captações.
Para 2025, a ambição alcançar R$ 18 bilhões sob gestão. Nos cálculos de Pugas, o patrimônio superaria os R$ 15 bilhões hoje alocados em fundos de investimento sustentável (IS) no mercado brasileiro.
Veja abaixo os principais pontos da entrevista:
Desde a eleição de Trump, grandes empresas americanas anunciaram que vão deixar compromissos ambientais e de diversidade. Qual o impacto para a agenda ESG?
As empresas que estão interrompendo os programas de diversidade ou deixando acordos climáticos são companhias americanas que estão expostas à jurisdição americana. A questão maior que observamos é que foi criada uma insegurança jurídica muito grande nos Estados Unidos em relação a temas de finanças climáticas que já estão consolidados em boa parte do mundo.
Não só perseguição política mas perseguição judicial. A Suprema Corte americana é mais conservadora nesses aspectos, portanto, esse é um temor real para empresas com sede nos EUA.
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A onda anti-ESG nos EUA pode impactar o fluxo de investimentos para ativos sustentáveis?
Os movimentos são especialmente de companhias com sede nos Estados Unidos. Não vai haver uma diminuição de fluxo de investimento para soluções ESG, será uma questão bem específica dos EUA. Globalmente, a pauta deve continuar forte.
É óbvio que o multilateralismo e tudo que constroi um mundo mais democrático e participativo levou um susto com o cenário atual, já que os EUA sempre foram relevantes no contexto internacional. Mas o Brasil também é relevante: em momentos como esse temos que assumir a posição de liderança.
O Brasil pode sair beneficiado nesse cenário?
Sim, estamos no melhor momento para o mercado de investimentos sustentáveis. O Brasil tem que ser inteligente o suficiente para entender que, na concorrência pelo capital, nós somos favorecidos pelo retrocesso nos Estados Unidos.
O Brasil é um país megadiverso em capital natural. Outros países com essas condições, como Paraguai e Madagascar, não têm um mercado de capitais desenvolvido. Nosso principal concorrente nessa frente é os EUA. Eles sempre foram um grande destino para investimentos de sustentabilidade, e, agora que se tornam um mercado complicado para receber esses recursos, o capital terá que migrar para outro lugar.
E existe ainda uma enorme oportunidade no mercado de carbono. O Brasil, por ser um país com mercado regulado, terá o maior mercado de carbono do planeta.
É possível que a sigla ESG perca força por ser taxada como um termo politizado nos EUA?
Não percebo isso no Brasil. O país tem uma abordagem de sustentabilidade que sempre foi maior que o ESG. A sigla é uma simplificação de fatores ambientais, sociais e de governança que foram adotadas como apelo do Pacto Global para que o mercado financeiro observasse essas questões.
Quem tem a sustentabilidade como pauta observa o ESG como um dos fatores da tomada de investimento. A sigla foi uma forma do mercado financeiro se apropriar do tema, mas a sustentabilidade como ciência já tem mais de 50 anos.
Você disse que estamos no melhor momento para investimentos sustentáveis. Por quê?
O volume de capital nunca esteve tão alto, bem como o debate da prioridade climática nunca esteve tão em alta. Basta ver o mapa de risco do Fórum Econômico de Davos, que colocou a crise climática como a principal preocupação de longo prazo. É algo que hoje em dia ninguém questiona, a não ser algumas minorias engajadas em teorias da conspiração.
Além disso, nunca tivemos tanto investimento em tecnologia para sustentabilidade. É um ponto visto como fator de competitividade para diversas economias, incluindo a China. Muitos dizem que, se os EUA querem ser um ‘petro-estado’, a China quer ser um ‘eletro-estado’. Se essa não fosse uma questão material, não veríamos os grandes países debatendo a respeito.
Existe risco de a pauta enfraquecer com a ausência dos Estados Unidos do debate?
A cada extremo climático fica cada vez mais claro a prioridade da pauta. Infelizmente, pelos pontos negativos. Porque ficou muito tarde e as consequências são muito óbvias. É muito fácil usar o discurso negacionista quando as consequências estão no futuro, mas elas já estão no presente. Neste momento, negacionismo é alienação, e alienação, por sua vez, é distanciamento econômico.
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