Bloomberg Opinion — Apesar de toda a controvérsia que gerou nos Estados Unidos, a decisão de Mark Zuckerberg de afrouxar a moderação de conteúdo no Facebook e em outros produtos da Meta Platforms (META) também reverbera a 9.650 km de distância – no Brasil.
As novas políticas da Meta são vistas com “grande preocupação” pelas autoridades, disse o Ministério Público do Brasil na terça-feira (14), após receber uma nota da empresa explicando o escopo das mudanças.
O anúncio de Zuckerberg na semana passada provocou uma reunião de emergência no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chamou as mudanças de “extremamente sérias” e as abordou em conversas com seu colega francês Emmanuel Macron.
Talvez eu esteja apenas promovendo minha opinião de colunista, mas o Brasil é, em muitos aspectos, o marco zero da súbita conversão libertária de Zuckerberg e das promessas de restaurar a liberdade de expressão após “muita censura”. O país está imerso em uma complexa luta contra a desinformação online e o discurso de ódio, ao mesmo tempo em que constrói um ecossistema digital rigidamente regulamentado.
A nova abordagem de Zuckerberg, que inclui a eliminação de verificadores de fatos e a redução das restrições de conteúdo, ao mesmo tempo em que amplia os comentários políticos, está em clara rota de colisão com esses esforços. Espera-se que o governo Lula responda com um novo impulso no Congresso para regulamentar ainda mais as grandes tecnologias.
Qualquer colisão desse tipo terá implicações enormes para o futuro do negócio de redes sociais e para o equilíbrio que as democracias buscam alcançar entre a liberdade de expressão e os perigos do mundo online.
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Uma das maiores e mais experientes democracias digitais do mundo, o Brasil sofreu recentemente danos institucionais reais alimentados pelo extremismo das mídias sociais em um contexto político altamente polarizado.
No início de 2023, manifestantes saquearam o Congresso, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal em Brasília em uma tentativa violenta de desencadear uma intervenção militar para destituir Lula. Em novembro de 2024, um homem morreu após tentar entrar na Suprema Corte com explosivos presos ao corpo; a mídia local relatou a surpresa de sua família com a radicalização que o levou a tentar um ataque tão dramático, incomum na política latino-americana.
As tentativas do Brasil de restringir o discurso radical são, na realidade, uma forma de censura, como afirmam os absolutistas da liberdade de expressão? Ou essas restrições são necessárias para defender o sistema democrático de extremistas e criminosos?
A resposta varia de acordo com a política da pessoa que você perguntar. Mas, embora o uso das mídias sociais para promover a mudança de regime possa ser protegido pela primeira emenda nos EUA (que basicamente impede o Congresso americano de infringir os direitos dos cidadãos), de acordo com a legislação de outros países, é provável que seja visto como uma conspiração para um golpe.
Isso explica por que, como Elon Musk aprendeu no ano passado, os juízes brasileiros estão dispostos a ir muito longe em sua batalha contra o discurso de ódio e a desinformação. Essas decisões e a crescente arbitrariedade do Superior Tribunal Federal do Brasil levantam preocupações legítimas. A decisão do juiz Alexandre de Moraes de fechar o X no ano passado foi desproporcional e um desserviço à democracia do país.
A imprensa local criticou repetidamente o tribunal superior por agir como um “poder imperial” e destacou sua credibilidade em declínio entre os brasileiros. O enigma aqui é que ninguém tem a receita definitiva para o equilíbrio certo para esse desafio complexo: adote uma abordagem laissez faire e você poderá ver o discurso de ódio consumir a sociedade; adicione muitas restrições e você acabará como Nicolás Maduro na Venezuela, censurando a oposição política em todos os espaços.
Seja qual for a fórmula perfeita, é compreensível que o governo e os tribunais exijam que todas as empresas que operam no Brasil sigam suas leis e regulamentos. Depois de fazer uma birra lendária contra Moraes, Musk acabou cedendo às suas exigências para garantir a restauração do X depois de mais de um mês fora do ar.
Zuckerberg pode se deparar com exigências semelhantes em breve. Embora ele esteja certo ao dizer que a Meta não deve ser a árbitra da verdade, as plataformas de mídia social têm responsabilidades que não podem ser escondidas atrás de argumentos de liberdade de expressão.
Por exemplo, no Brasil, é crime punível com prisão fazer comentários racistas ou homofóbicos. As novas políticas da Meta podem resultar em um policiamento mais fraco desse tipo de mensagem em suas plataformas, o que pode levar a demandas judiciais.
Além disso, há o tom imperialista de Zuckerberg em seu já infame vídeo, no qual ele promete trabalhar com o novo presidente Donald Trump “para fazer frente aos governos de todo o mundo que perseguem as empresas americanas e pressionam por mais censura”.
“Os países latino-americanos têm tribunais secretos que podem ordenar que as empresas retirem as coisas do ar silenciosamente”, disse ele em uma clara – mas não totalmente precisa – referência ao Brasil. Essa promessa disparou alarmes em Brasília, e o governo lamentou a abrupta falta de engajamento da Meta, como me disse um funcionário com conhecimento da situação.
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Em contraste com as ameaças de Zuckerberg, a Meta adotou um tom conciliatório em sua comunicação com as autoridades nesta semana, reafirmando seu compromisso com a remoção de desinformação que possa atrapalhar diretamente o funcionamento dos processos políticos e dizendo que o fim do sistema de checagem de fatos será, por enquanto, restrito aos EUA.
Essa abordagem mais sensata é o caminho a ser seguido no Brasil se o Meta não quiser acabar como o X acabou no ano passado (especialmente se, como esperado, o Supremo Tribunal Federal decidir em um caso histórico que os limites à responsabilidade das plataformas sociais por conteúdo de terceiros são inconstitucionais).
É claro que Zuckerberg sabe muito bem disso depois de passar por uma boa dose de problemas com os órgãos reguladores brasileiros ao longo dos anos. Em junho, a Meta foi forçada a interromper o uso de ferramentas de inteligência artificial generativa devido a preocupações com o uso de dados pessoais.
Em 2020, o Banco Central suspendeu o recurso de pagamento do WhatsApp por quase um ano devido a preocupações com a concorrência e a segurança. Alguns anos antes, o WhatsApp foi fechado em todo o país várias vezes porque a empresa não entregou os dados dos usuários solicitados pelas autoridades em investigações criminais.
Zuckerberg pode apostar que um governo menos intervencionista sairá das eleições presidenciais do próximo ano e dará mais liberdade à Meta. Ou pode ser simplesmente que o Brasil seja apenas um dano colateral no grande jogo que Zuckerberg joga para dominar a tecnologia global.
No final das contas, é justo concluir que sua transformação libertária tem a ver com dinheiro e influência política, mesmo que vendidos sob a fachada de grandes ideais.
Isso pode muito bem funcionar para a Meta nos EUA, seu mercado predominante. Mas é improvável que vá longe no clima atual do Brasil.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Juan Pablo Spinetto é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.
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