Por que vender o TikTok nos EUA para Musk não resolve os riscos de proteção de dados

Forma como o homem mais rico do mundo trata o antigo Twitter, hoje nomeado como X, mostra que usuários não terão a garantia de evitar o uso indevido de suas informações pessoais

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Bloomberg Opinion — A ideia de Elon Musk como possível comprador do TikTok pode parecer o desenvolvimento mais louco até agora na saga da determinação do governo dos Estados Unidos de banir o aplicativo. Mas não é tão fora de cogitação quanto parece, e traria seus próprios danos potenciais.

O homem mais rico do mundo já disse há muito tempo que espera criar um “aplicativo completo”, e incorporar o TikTok ao X, antigo Twitter, o levaria a dar um passo em direção a esse objetivo. Ele também poderia oferecer uma potencial mina de ouro de conteúdo de treinamento para sua startup de inteligência artificial, a xAI.

E, como um aliado próximo do novo presidente Donald Trump, que fez campanha para salvar o aplicativo, é menos surpreendente que seu nome tenha surgido como parte de um possível acordo com Pequim.

O TikTok praticamente esgotou suas vias legais para derrubar a lei que proibiria a plataforma nos EUA se ela não for vendida por sua empresa controladora chinesa, a ByteDance.

O TikTok luta pelo seu futuro nos EUA, pois a ameaça da ciberespionagem chinesa surgiu como uma questão delicada em Washington.

O Departamento do Tesouro dos EUA disse em dezembro que foi hackeado por um agente patrocinado pelo Estado de Pequim, poucos dias depois que a Casa Branca divulgou que nove empresas de telecomunicações haviam sido violadas por um grupo chinês.

Na última sexta-feira (10), perante a Suprema Corte, o representante do governo dos EUA fez referência a esses ataques, dizendo que a China tem um “apetite voraz para obter o máximo possível de informações sobre os americanos”.

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A lei que proíbe o TikTok tem como alvo a “manipulação secreta de conteúdo por um adversário estrangeiro”, argumentou o procurador-geral dos EUA perante a Suprema Corte, dizendo que Pequim poderia “manipular secretamente” a plataforma para promover sua agenda.

O governo também sustentou que a capacidade do TikTok de coletar uma grande quantidade de dados de usuários dos EUA constitui uma ameaça à segurança do país.

Musk pode aliviar os temores de Washington de que o aplicativo possa ser usado por Pequim para manipular as opiniões dos americanos.

Mas a aquisição do bilionário também mostraria que o dinheiro e o poder podem comprar campanhas de influência nas mídias sociais, embora talvez menos secretas. E os ataques de hackers de Pequim, bem como as leis frouxas de proteção de dados dos EUA, revelam que a China tem outros métodos para obter os dados digitais dos americanos.

Isso deve ser um alerta para o Congresso americano de que há muito tempo é necessário adotar regulamentações abrangentes para proteger os cidadãos em todas as plataformas contra riscos de abuso, independentemente da sede da empresa controladora de um aplicativo.

Desde que Musk adquiriu o X, há mais de dois anos, a plataforma se tornou uma fossa de desinformação e racismo que teve consequências no mundo real, desde tumultos na Inglaterra em 2024 até falsas alegações de que imigrantes haitianos estavam comendo animais de estimação no estado de Ohio poucas semanas antes da eleição presidencial dos EUA.

Ele ajustou os termos de serviço para permitir que os dados dos usuários treinassem seus modelos de IA e, segundo consta, ordenou grandes mudanças no algoritmo do X para aumentar sua própria influência sobre a plataforma.

Funcionários e documentos vazados indicaram que Musk criou um sistema especial para mostrar aos usuários primeiro suas próprias publicações.

Relatórios separados sugerem que ele emprestou sua força para impulsionar o conteúdo pró-Trump no X no período que antecedeu a eleição. E não é que isso tenha sido feito para apoiar os negócios: segundo algumas estimativas, a X perdeu quase 80% de seu valor desde sua aquisição em novembro de 2022.

Se a desconstrução do X por Musk indica o que está reservado para o TikTok, não é provável que seja uma vitória para os mais de 170 milhões de usuários americanos. Ele demitiu centenas de funcionários e desmontou grande parte do que tornava a plataforma mais útil.

Antes o X era o local ideal para obter informações em tempo real durante eventos de notícias de última hora, enquanto agora os usuários estão mais propensos a encontrar imagens geradas por IA ou conteúdo ragebait – criado para gerar reações de raiva – e contrários a diversidade, equidade e inclusão quando buscam as informações mais recentes sobre os incêndios florestais em Los Angeles.

Muitos usuários, marcas e anunciantes migraram para os concorrentes, desde a Threads, da Meta Platforms (META), até a novata Bluesky.

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A aquisição do TikTok por Musk está longe de ser um negócio fechado.

Isso exigiria uma cisão extremamente complexa, e não está imediatamente claro como ele financiaria uma compra.

O TikTok disse que “não se pode esperar um comentário sobre pura ficção”. Musk se manifestou com emojis de riso. Mas é revelador o fato de que as autoridades chinesas supostamente discutem uma opção que envolveria a aquisição das operações nos EUA.

No passado, a China sinalizou uma rejeição completa de uma venda, ajustando suas leis de exportação em uma demonstração de oposição feroz. A batalha legal mudou desde então.

Musk também é um dos poucos líderes empresariais americanos que ainda têm grande exposição ao mercado chinês por meio de sua empresa de veículos elétricos, a Tesla (TSLA). Pequim provavelmente está ciente de que ainda pode exercer algum poder sobre o império de Musk.

Enquanto isso, os criadores de conteúdo do TikTok estão migrando para outra plataforma de mídia social chinesa, a Xiaohongshu ou “RedNote”, e pedindo aos seus seguidores que façam o mesmo.

Eles usam esse protesto para apontar o que muitos veem como absurdos na medida em que o governo decidiu excluir apenas um aplicativo. Um dos principais comentários com mais de 73.000 curtidas em um vídeo viral do TikTok publicado na terça-feira (14) dizia: “prefiro perdê-lo do que ser comprado por Musk, honestamente”.

Musk talvez consiga evitar que o TikTok seja banido devido às ameaças de Pequim, mas seu histórico mostra que ele provavelmente não conseguirá evitar que seja usado para influenciar os americanos ou coletar grandes quantidades de seus dados. Washington também não deve ignorar esses riscos.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Catherine Thorbecke é colunista da Bloomberg Opinion e cobre tecnologia na Ásia. Já foi repórter de tecnologia na CNN e na ABC News.

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