Bloomberg Línea — Felipe Nobre, sócio fundador e CEO da Jera Capital, tem apresentado os cálculos a clientes e interlocutores: um investidor que aplicou US$ 1 milhão no Ibovespa há 15 anos teria atualmente cerca de US$ 750 mil, considerando a variação cambial e o desempenho do índice no período.
Já o mesmo investimento no S&P 500, principal índice de ações dos Estados Unidos, representaria atualmente mais de US$ 6 milhões. Quem investiu na bolsa brasileira no período deixou de ganhar US$ 5,25 milhões, uma diferença de quase 90%.
O resultado é exemplo daquilo que o gestor do multifamily office com cerca de R$ 4 bilhões em ativos sob gestão e sede em São Paulo classifica como um problema crônico do Brasil para gerar retornos no longo prazo, especialmente quando contabilizado o valor em moeda estrangeira.
A instabilidade política, a má distribuição de renda e a produtividade estagnada são alguns dos fatores que, para ele, impedem ganhos mais expressivos no país apesar das taxas de juros elevadas – e nada indica que uma mudança estrutural esteja em curso.
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A situação reforça a tese da empresa de que, do ponto de vista de gestão patrimonial, é recomendável alocar a maior parte do capital de uma família – senão quase todo – em ativos no exterior.
“As pessoas estão começando a entender que o CDI não paga a desvalorização cambial”, disse Nobre em entrevista à Bloomberg Línea. “O CDI é alto em reais, mas, se você considerar a inflação mais a desvalorização cambial, isso consome todo o ganho.”
A desvalorização do real frente ao dólar nos últimos meses e a queda do Ibovespa penalizam investidores que apostaram em um ambiente mais favorável aos ativos brasileiros.
O câmbio e a inflação agora têm corroído o patrimônio em dólar, o que tem aumentado o interesse de famílias por investimentos fora do Brasil como uma forma de proteção.
A cotação do dólar tem oscilado entre R$ 6,10 e R$ 6,20 nas últimas semanas diante da frustração de agentes do mercado com o plano de contenção de despesas apresentado pelo governo e a tramitação do projeto no Congresso, que retirou parte do impacto previsto.
Felipe Nobre avalia que, nesse ambiente, a maior parte dos ativos brasileiros fica exposta à percepção sobre a economia doméstica, uma vez que as maiores empresas negociadas na bolsa são de mineração, óleo e gás e energia, além de bancos, setores regulados e com ligação com o poder público.
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É uma situação que contrasta com o mercado americano. O dinamismo da economia permite o surgimento de novos gigantes em valor de mercado, a exemplo das grandes empresas de tecnologia sob o impacto de inovações como a Inteligência Artificial. Esses investimentos pelas empresas fazem com que o país continue a oferecer oportunidades mais vantajosas no longo prazo.
“Pode ser que os Estados Unidos estejam um pouco caros agora e o Brasil esteja um pouco barato, mas estamos discutindo o filigrama de uma tendência longa de descolamento”, disse.
“Os Estados Unidos vão continuar a atrair os melhores talentos do mundo. Por um bom período, vão estar entre os primeiros produtores de patentes do mundo. As tecnologias disruptivas estão todas lá. As empresas estão recebendo capital. Os melhores cérebros do mundo se mudam para estudar lá e acabam fundando as empresas no país. Não dá para achar que isso muda.”
Escritórios em Miami e Genebra
Especializada em assessorar famílias ricas do país com a gestão patrimonial, a Jera Capital investiu recentemente para abrir escritórios em Miami e Genebra como parte de sua estratégia de internacionalização dos portfólios dos clientes.
O movimento busca aumentar a presença no exterior principalmente para manter contato mais próximo com gestores locais e originadores de negócios e encontrar boas oportunidades.
“Um gestor tem que ter uma visão de longo prazo. Quando estou falando do planejamento de uma família, estou planejando 10, 20, 30 anos à frente”, afirmou. “É muito difícil que o Brasil deixe de ter políticas públicas expansionistas e isso gera consequências de retorno do investimento.”
Fundada em 2014 por Nobre e o sócio Fernando Kahtalian, que trabalhou no Banco Garantia e no Credit Suisse, a Jera Capital tinha inicialmente o foco em investimentos de private equity, venture capital e real estate no Brasil e no exterior.
Em 2018, ele e os sócios decidiram mudar a estratégia para operar como multifamily office, para atuar também em gestão patrimonial no modelo de responsabilidade fiduciária.
Atualmente o portfólio da empresa inclui também investimentos em renda fixa, renda variável, multimercados, fundos imobiliários e ativos distressed.
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Entre outros sócios estão Eduardo Ataide, ex-diretor executivo do JPMorgan Private Bank, Eduardo Setti, ex-private banker do Credit Suisse, e Guilherme Ghidetti, que trabalhou 12 anos na GPS Investimentos, multifamily office adquirido pelo Julius Baer.
O crescimento da casa tem sido impulsionado pela atração de novos clientes, entre eles famílias em transição geracional, executivos C-Level de grandes empresas e empreendedores de startups, segundo Nobre.
O CEO, que tem passagens pelo Banco Fator e pela Unibanco Asset Management, disse que hoje as novas gerações das famílias atendidas já têm familiaridade e vivência no exterior, o que é um dos fatores que impulsionam a demanda por investimentos fora do Brasil.
São pessoas que muitas vezes estudaram em escolas bilíngues, já moraram (ou moram) no exterior e têm facilidade com o inglês ou outros idiomas. Diferentemente das gerações anteriores que construíram o patrimônio no Brasil, os mais jovens conhecem mais alternativas de investimentos fora do país.
Alocação no exterior
A decisão de alocar investimentos no Brasil ou no exterior, segundo ele, depende do estilo de vida da família e do planejamento de cada um. Algumas têm filhos que moram no exterior ou pretendem estudar fora, por exemplo. Mas, em média, de 60% a 65% do patrimônio é investido fora do país, enquanto o restante é aplicado no Brasil, segundo ele.
“Do ponto de vista de investimento, se uma família não tivesse despesas e compromissos em reais, provavelmente 80% de dinheiro estaria fora do Brasil”, disse Nobre.
O gestor avaliou que os brasileiros ainda investem pouco no exterior em comparação com famílias de outros países da América Latina, em razão dos juros historicamente em patamares elevados, algo que, na visão dele, sempre transmitiu uma falsa sensação de altos rendimentos.
No entanto ele disse acreditar que a tendência é que isso mude e que haja um equilíbrio maior em relação ao percentual do investimento alocado dentro e fora do país.
É algo que ocorre mesmo com o investidor americano, que costuma diversificar os investimentos e aplicar em países emergentes para reduzir a exposição ao risco.
“A persistência de um retorno ruim no Brasil, a taxa de câmbio em desvalorização constantemente, a desconfiança institucional principalmente com a parte fiscal... isso tudo faz as pessoas pensarem em riscos diferentes do que no passado. Talvez seja um catalisador para o investimento no exterior.”
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