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Tratamento para obesidade: afinal, quem deveria tomar remédios como o Ozempic

Um comitê internacional de especialistas em problemas de peso e saúde vai desenvolver critérios para diagnosticar a obesidade clínica, para identificar aqueles que realmente precisam dos medicamentos

Close em uma embalagem de Ozempic
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — No final de 2023, as pessoas ainda discutiam se o Wegovy da Novo Nordisk (NVO) e o Zepbound da Eli Lilly (LLY) representavam um atalho para perder peso ou um avanço médico.

Porém, com uma grande quantidade de dados sobre os benefícios dos medicamentos para a saúde que vão além da redução da obesidade – incluindo a atenuação de doenças cardíacas, diabetes, doença renal crônica e apneia do sono – a maioria parece ter finalmente aceitado seu valor social potencialmente imenso.

Agora vem a parte difícil. Esses medicamentos altamente eficazes – os chamados GLP-1s – estão mudando a forma como a obesidade é vista e tratada. As mudanças ocorreram com tanta rapidez e podem beneficiar tantas pessoas que criaram novas questões e dilemas éticos para os profissionais da área médica, inclusive quem deve recebê-los.

O mercado teórico para o Wegovy e o Zepbound é enorme: a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA, órgão análogo à Anvisa, os aprovou para qualquer pessoa com índice de massa corporal igual ou superior a 30 – 27 ou mais para indivíduos com uma doença relacionada ao peso, como pressão alta ou apneia do sono.

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Cerca de 57 milhões de americanos em idade ativa com plano de saúde privado atendem a esses critérios, assim como quase 14 milhões de americanos em idade de aposentadoria. A expectativa é que, uma vez iniciados, os medicamentos precisem ser tomados por toda a vida para manter os resultados.

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Mas será que todo mundo que se encaixa nessa descrição ampla precisa dos medicamentos? As opiniões dos médicos variam.

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Alguns acreditam que todos merecem o tratamento, enquanto outros fazem uma distinção entre as pessoas que correm o risco de sofrer ou que já sofrem complicações de saúde relacionadas ao peso e aquelas que são perfeitamente saudáveis com um IMC que as tornaria elegíveis para os medicamentos.

Em ambos os campos, a escassez e os altos preços dos medicamentos forçam os médicos a encontrar maneiras de priorizar quais pacientes devem recebê-los.

Essa é uma resposta necessária a um problema contínuo e uma visão de futuro, diz Robert Kushner, especialista em medicina da obesidade da Feinberg School of Medicine da Northwestern University.

“Vamos colocar isso na água? Vamos tratar todos com obesidade? Como utilizamos essa ferramenta eficaz para levá-la às pessoas que mais precisam dela?”

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Identificando pacientes

O campo precisa de uma abordagem apoiada em evidências para ajudar a definir melhor quem é o candidato certo para os GLP-1s. Para isso, um comitê internacional de especialistas em obesidade divulgará um relatório provisório no início de 2025 que estabelece critérios para diagnosticar a obesidade “clínica” ou quando o excesso de peso estiver causando ou aumentando o risco de outros problemas de saúde.

Idealmente, isso ajudará os médicos a distinguir mais facilmente entre “quem tem a verdadeira doença da obesidade, que precisamos tratar precocemente”, e as pessoas que ganharam 10 ou 20 quilos e ultrapassaram o limite do IMC para a obesidade, mas ainda são perfeitamente saudáveis, diz Kushner, que liderou a comissão.

Essas definições certamente irritarão alguns americanos – e seus médicos. Ninguém quer ainda mais controle em um momento em que muitos não conseguem encontrar ou pagar por esses medicamentos.

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Mas elas também podem ser um bom passo em direção a uma avaliação mais crítica da conexão entre peso e saúde – uma avaliação que poderia tornar mais fácil e mais equitativo para os mais necessitados obter os medicamentos e oferecer às seguradoras diretrizes para facilitar sua cobertura.

E talvez isso ajude a resolver as tensões entre médicos e planos de saúde. Os especialistas em obesidade têm inúmeras histórias irritantes de pacientes que perdem a cobertura dos GLP-1s quando seu IMC cai abaixo de um determinado número.

Tratamento contínuo

A realidade é que, sem um tratamento contínuo, o peso voltará – e, com ele, também os riscos de doenças como diabetes e pressão alta. Encontrar uma maneira de definir a obesidade que se concentre no risco de doenças pode esclarecer a necessidade de tratamento de longo prazo.

Isso também pode ajudar os médicos na tentativa de responder a outra pergunta importante: quando a perda de peso de uma pessoa é suficiente?

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Não faz muito tempo, os médicos especialistas em obesidade passavam a maior parte do tempo incentivando seus pacientes a continuar – se eles conseguissem manter as mudanças no estilo de vida, os benefícios para a saúde estariam ao alcance.

“Passo mais tempo tentando convencer as pessoas a parar de perder peso”, disse Louis Aronne, especialista em obesidade da Weill Cornell Medicine, em Nova York, durante um discurso em uma recente conferência sobre medicina da obesidade.

A preocupação é que esses medicamentos não apenas causem a perda de gordura, mas também de músculos, e que possam afetar a ingestão de nutrientes. Tudo isso deve ser levado em conta na jornada de perda de peso do paciente.

Mas os médicos ainda não têm um consenso sobre a maneira correta de controlar a obesidade de um paciente usando medicamentos.

Eles devem ter como meta uma faixa específica de IMC (amplamente considerada uma métrica problemática) ou observar a relação cintura/altura (uma avaliação da distribuição da gordura corporal, que está ligada ao risco de doenças cardíacas)?

Ou deveriam buscar marcadores de saúde específicos, como níveis mais baixos de açúcar no sangue ou colesterol? Quanto eles devem levar em conta a massa muscular e a perda de nutrientes durante o tratamento?

Para complicar tudo isso, há a questão dos benefícios mais amplos do GLP-1 para a saúde, alguns dos quais se acumulam independentemente da magnitude da perda de peso.

A necessidade de estabelecer metas não é incomum. Tratamentos transformadores para doenças crônicas têm uma maneira de estabelecer padrões para o que os médicos consideram saudável. O advento de medicamentos para a redução do colesterol e da pressão arterial e para o tratamento do diabetes permitiu que os médicos definissem marcos para o tratamento. A diferença com os medicamentos para obesidade, no entanto, é que os pacientes tendem a ter opiniões fortes sobre essas metas e elas podem não corresponder ao que os dados (ou o médico) dizem ser o melhor.

“Essas são questões pequenas agora, mas acho que vão se tornar maiores com o passar do tempo. Precisamos estar atentos”, disse Aronne.

Em última instância, os dados serão o melhor guia. Mas até lá, os médicos continuarão sentindo o caminho nessa nova era.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Lisa Jarvis é colunista da Bloomberg Opinion e cobre biotecnologia, saúde e o setor farmacêutico. Anteriormente, foi editora executiva da Chemical & Engineering News.

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