Bloomberg Opinion — A América Latina e o Caribe viverão outro ano frenético em 2025.
Poderia falar sobre o impacto do retorno de Donald Trump à Casa Branca sobre o México e a América Central ou falar sobre os avanços do experimento libertário da Argentina sob o comando de Javier Milei. Na Venezuela, Nicolás Maduro tentará estender seu reinado de terror, enquanto os líderes da esquerda à direita se movimentarão com cuidado para não serem pressionados pela concorrência entre os Estados Unidos e a China.
O ano começará e terminará com duas eleições presidenciais importantes no Equador (9 de fevereiro) e no Chile (16 de novembro); o risco de a Bolívia se tornar o próximo caso perdido político aumentou. A insegurança, a migração e a pobreza serão grandes. A queda drástica nas taxas de fertilidade da região e seu grave problema de produtividade atormentarão os formuladores de políticas.
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Mas, correndo o risco de parecer um nerd irremediável, devo destacar o inevitável problema fiscal da América Latina como minha principal obsessão. A região vive muito além de suas possibilidades, com uma dívida que se tornou um buraco negro para os recursos, um sistema de arrecadação de impostos inadequado para o propósito e uma abordagem ainda mais falha para os gastos.
O fracasso consistente em desativar essa bomba-relógio fiscal terá profundas consequências políticas, econômicas, sociais e financeiras em toda a região no próximo ano e depois. A escassez orçamentária resultante e as lutas para decidir quem fica com o quê – e quem perde – aguçarão a tensão entre a política e os mercados, como vemos atualmente no Brasil.
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Os números contam a história: de acordo com um relatório recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o custo do serviço da dívida da região aumentou para mais de 12% da receita tributária total; em alguns países, já excede os recursos gastos em serviços sociais essenciais. Em comparação, os países desenvolvidos do mundo gastaram 4,8% em pagamentos de juros em 2022.
Se considerarmos o Brasil entre 2010 e 2023, por exemplo, o país gastou mais do que o dobro de seu orçamento de educação com juros, enquanto a Argentina dedicou quase o triplo do valor de sua conta de saúde. No México, os pagamentos de juros consumirão 3,6% do PIB este ano, semelhante ao que o governo aloca para despesas de capital, e acima dos 2,6% gastos apenas em 2021, de acordo com o Fundo Monetário Internacional.
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Os formuladores de políticas ainda lutam contra com os efeitos da pandemia em suas contas, abrangendo tanto o estímulo fiscal quanto o aperto monetário necessário para controlar o pico inflacionário pós-covid, que acabou aumentando as taxas de juros. Os desequilíbrios orçamentários para estimular o crescimento tornam as metas de inflação mais difíceis de serem atingidas, forçando os bancos centrais a manter as taxas de juros mais altas por mais tempo.
“O espaço fiscal continua a ser limitado”, disse Sebastián Nieto-Parra, da OCDE, que coordenou o relatório. “Temos de repensar a estrutura tributária para melhorar suas receitas e sua equidade sem, ao mesmo tempo, afetar o empreendedorismo.”
Não quero parecer otimista demais, mas a boa notícia é que a América Latina é tão mal organizada em termos de impostos e gastos públicos que algumas medidas simples podem trazer grandes benefícios: para começar, um bom número de governos precisa aumentar as receitas, que estão muito abaixo das médias internacionais, seja aumentando as alíquotas ou melhorando a arrecadação.
Quase metade da receita é coletada por meio de impostos indiretos, como o IVA, que tende a punir desproporcionalmente os pobres. Os governos devem focar em aumentar a receita de impostos sobre a renda pessoal e a propriedade, em vez de depender de impostos corporativos que prejudicam a competitividade e a atividade.
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Gastos melhores
Ao mesmo tempo, é fundamental melhorar a qualidade dos gastos e sua supervisão. Ninguém gosta de pagar impostos, principalmente em uma região com uma dívida social gigantesca. Mas é mais agradável fazer isso quando os recursos são usados em serviços produtivos e de alto retorno do que quando alimentam uma burocracia amorfa e opaca. A região gasta cerca de 6% do PIB em subsídios aos combustíveis fósseis, uma política regressiva, altamente politizada e prejudicial ao meio ambiente.
O relatório da OCDE também destaca como melhorar o acesso das empresas aos mercados financeiros (seja por meio da venda de ações, de acordos de capital de risco ou de empréstimos de bancos privados e de desenvolvimento) em vez de depender de financiamento público. E então temos o principal dilema da região: acelerar a taxa de crescimento.
O problema da receita seria muito mais fácil de resolver se a região estivesse se expandindo mais rapidamente do que os atuais 2,4% estimados para o próximo ano. A redução da informalidade e o aumento da produtividade devem estar no topo das resoluções de Ano Novo dos formuladores de políticas.
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A adoção de qualquer uma dessas iniciativas provavelmente provocará grandes brigas políticas e conflitos sociais: oBrasil é o exemplo A, com Lula (e o Congresso) se recusando a controlar o orçamento, mesmo quando o país já tem a maior relação entre impostos e PIB da região, acima de 33%.
No México, Claudia Sheinbaum tenta reduzir o maior déficit desde a década de 1980, evitando uma reforma impopular que aumente os impostos (minha aposta: mais cedo ou mais tarde ela precisará dessa reforma).
Na Colômbia, Gustavo Petro está lutando para cumprir as regras fiscais do país, enquanto Gabriel Boric, no Chile, está tentando reduzir o desequilíbrio do governo em um ano eleitoral.
A exceção atual é a Argentina, onde Milei reduziu o déficit em mais de 4 pontos do PIB em 2024, o maior corte orçamentário em décadas. É verdade que a Argentina é um caso atípico, e isso não poderia ter sido alcançado sem o forte mandato popular que fez de Milei presidente. Mas o caso oferece uma lição importante para os formuladores de políticas: é possível fazer um ajuste sem morrer politicamente na tentativa - tudo depende de como o corte é vendido ao eleitorado.
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Atualmente, todos os países parecem estar sofrendo com problemas fiscais. Basta olhar para os EUA e a França. Mas a América Latina ainda tem mais de um quarto de sua população na pobreza e é a região mais desigual do mundo. Não há como contornar isso: gastar com mais sabedoria é essencial para qualquer progresso futuro.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Juan Pablo Spinetto é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.
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