Opinión - Bloomberg

Anunciar corte de gastos com isenção de IR pode se mostrar uma conta cara para Lula

Cálculo político de agradar a sua base eleitoral neste momento, e de enfrentamento do mercado, pode adiar para perto das eleições os impactos de uma possível crise econômica

Luiz Inacio Lula da Silva
Tempo de leitura: 6 minutos

Bloomberg Opinion — Quando se trata de erros políticos acidentais, é difícil acreditar no mais recente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O tão esperado anúncio de redução orçamentária feito por seu governo, com o objetivo de acalmar as preocupações sobre o crescente ônus da dívida brasileira, teve o efeito oposto ao desejado de forma espetacular devido a uma mistura de erros políticos e de comunicação.

O real caiu para uma baixa recorde, o que piorou as expectativas de inflação e disseminou a ideia de que a maior economia da América Latina terá que enfrentar taxas de juros mais altas por mais tempo.

A raiz do problema foi a tentativa de combinar uma redução orçamentária necessária no valor de R$ 70 bilhões com a redução de impostos para os brasileiros de baixa renda, em uma tentativa de tornar o anúncio mais palatável do ponto de vista eleitoral.

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Em termos de estratégia, é como se eu me exercitasse pela manhã para poder comer um hambúrguer enorme com batatas fritas à tarde: posso me sentir momentaneamente gratificado, mas sei que não estarei melhor no final das contas.

Os investidores também denunciaram o absurdo dessa estratégia. Economistas do JPMorgan esperam que a taxa básica de juros precise agora subir para incríveis 14,25% ao ano em 2025 para controlar as novas pressões inflacionárias. Desastroso e, pior, desnecessário.

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A economia brasileira está notavelmente bem e em vias de crescer cerca de 3% ou mais pelo quarto ano consecutivo, superando as expectativas. O desemprego está no nível mais baixo já registrado, e mais de US$ 360 bilhões em reservas internacionais proporcionam ao país uma margem significativa para lidar com qualquer eventual crise de confiança.

O principal desafio econômico do país é colocar suas contas fiscais em ordem novamente: a relação dívida bruta/PIB está perigosamente próxima de 80%, ante 72% quando Lula assumiu a presidência pela terceira vez no início de 2023.

O déficit fiscal nominal dobrou no governo Lula, chegando perto de 10% do PIB. Uma maior frugalidade fiscal deve ajudar o Banco Central a ancorar novamente as expectativas de inflação e estabilizar as preocupações com o endividamento sem prejudicar muito a atividade econômica.

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No entanto, em seus dois primeiros anos no poder, Lula tem procrastinado e adiado esse ajuste por medo de assustar sua base da classe trabalhadora.

É difícil entender como um líder experiente como Lula pode cometer esse erro de principiante: no final das contas, ele aprendeu o valor de ter investidores ao seu lado durante suas duas primeiras presidências e também viu em primeira mão o dano que os gastos descontrolados causaram ao governo de sua protegida Dilma Rousseff em 2016.

A realidade é que o terceiro mandato de Lula é sua versão intervencionista renovada, convencido de que os mercados estão conduzindo uma grande conspiração política contra seu governo, a qual o “homem do povo” precisa resistir.

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O movimento político da semana passada foi projetado para proteger sua popularidade antes de uma campanha de reeleição que parece cada vez mais vulnerável.

A recente eleição municipal expôs a fraqueza do Partido dos Trabalhadores (PT), que enfrenta um eleitorado cada vez mais inclinado para a centro-direita, ao mesmo tempo em que o partido não tem um sucessor claro para seu reverenciado líder de 79 anos de idade.

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Isso explica por que Lula enviou o ministro da Fazenda Fernando Haddad para fazer esse importante anúncio orçamentário em um vídeo brilhante que se assemelhava a um anúncio de campanha.

Ele pode ter tentado criar uma narrativa alternativa, na qual o governo defende os brasileiros comuns de especuladores vorazes que fizeram o dólar disparar para R$ 6, mas interpretou a ocasião de forma completamente equivocada: as notícias fiscais devem ficar restritas às seções econômicas dos jornais, nunca sugerindo aos leitores das primeiras páginas que o país pode estar prestes a entrar em uma crise.

Misturar decisões técnicas com promessas de campanha destinadas a agradar os apoiadores do governo só confunde a todos. O governo seria mais forte, e não mais fraco, se tentasse consertar seu orçamento ao entregar calmamente resultados fiscais exagerados mês após mês.

O segundo erro de Lula foi o timing: um ajuste fiscal é sempre mais fácil quando a economia está crescendo, e as eleições, ainda distantes – como agora – do que quando a atividade está estagnada, os mercados, ansiosos, e as eleições presidenciais, próximas.

O presidente deveria ter tomado emprestado o manual de seu colega mexicano Andrés Manuel López Obrador, que em seus primeiros cinco anos no poder implementou discretamente um programa de austeridade severo (indiscutivelmente severo demais) que conquistou a confiança dos investidores, apenas para revertê-lo na reta final de sua presidência quando as eleições presidenciais do México se aproximavam.

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É claro que a dinâmica política em ambos os países é diferente e Lula enfrenta um orçamento muito mais rígido com um Congresso dividido.

No entanto sua incapacidade de vender as virtudes de um setor público mais ascético fala de um líder preso a suas visões estatistas, como se o Brasil ainda vivesse na era de ouro do superciclo das commodities.

Para piorar sua situação, sua fatídica decisão fiscal ocorreu apenas alguns dias após o indiciamento de Jair Bolsonaro por supostamente planejar um golpe, removendo-o temporariamente do olho do furacão.

Ainda assim, não concordo com as visões apocalípticas que veem o Brasil a caminho de uma crise da dívida ou atingindo a dominância fiscal, o ponto em que a dívida e os déficits são tão grandes que os aumentos das taxas de juros não conseguem conter a inflação.

É mais provável que vivenciemos o que vimos até agora: tentativas moderadas de colocar a situação fiscal em ordem, mas subordinadas a seus ditames políticos e aos humores do Congresso.

Mais cedo ou mais tarde, essa incontinência fiscal tornará obsoleta a “Lulanomics” – a mistura de gastos sociais, dirigismo e subsídios, marca registrada do ex-líder sindical.

A insistência de Lula em adiar um inevitável aperto orçamentário provavelmente prejudicará suas chances eleitorais, pois causará volatilidade cambial, inflação acelerada e crescimento moderado.

Algumas reportagens na imprensa brasileira pintaram o quadro de um líder que agoniza sobre essa decisão, consultando um número maior do que o habitual de ministros e assessores e ignorando os avisos de sua equipe econômica.

No final, Lula escolheu o caminho mais conveniente para seu futuro político, mesmo ao custo de arriscar um confronto com os investidores. Ele pode ter errado o cálculo em ambos os casos.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Juan Pablo Spinetto é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.

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