Bloomberg — Primeiro, houve irritação em Berlim. Depois, desapontamento em Roma. Na busca por expansão, Andrea Orcel tem assumido riscos que poucos executivos se atreveriam a enfrentar.
O CEO do banco italiano UniCredit provocou reações de indignação do governo alemão em setembro, quando revelou ter montado uma participação no Commerzbank depois de adquirir uma fatia acionária secretamente nas semanas anteriores.
Menos de três meses depois, sua oferta surpresa pelo Banco BPM, também da Itália, deixou autoridades em Roma perplexas, já que contavam com o banco como parte de seu plano para criar um novo “campeão nacional do setor bancário.
Embora Orcel afirme que sempre busca um diálogo construtivo com seus interlocutores, nesses casos, a mensagem não foi compreendida. Na última terça-feira (26), o Banco BPM recusou sua proposta, alegando que a oferta não foi previamente acordada, era muito baixa e provavelmente prejudicaria os empregos e a concorrência na Itália.
O elemento surpresa nas duas transações é típico de Orcel, que, nos três anos e meio desde que assumiu o cargo, transformou a instituição italiana, que era um grande e complexo conglomerado, em um dos bancos grandes mais eficientes da Europa.
Ele encantou os investidores com uma generosa política de dividendos, ao mesmo tempo que construiu um fundo de € 10 bilhões para financiar fusões e aquisições (M&As). Esses mesmos apoiadores agora comemoram seus movimentos de fusão.
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A aquisição do Banco BPM permitiria a Orcel criar o maior banco da Itália, assim como uma incorporação eventual do Commerzbank fortaleceria a posição do UniCredit como um dos poucos bancos europeus que oferecem serviços completos além das fronteiras nacionais.
As duas negociações potenciais também poderiam ter efeitos indiretos além do UniCredit, desencadeando negociações sobre fusões e aquisições na indústria financeira europeia.
No entanto a reação de dois governos também levantou a possibilidade de que o executivo criador de acordos tenha ido longe demais.
Carreira ilustre
Se Orcel, de 61 anos, conseguir concretizar qualquer uma — ou nenhuma — das transações, isso definirá os anos mais recentes de uma carreira ilustre. Ao longo de sua trajetória, ele tem demonstrado que está disposto e é capaz de tentar o que outros não fariam. Como resultado, tem estado envolvido em muitas das aquisições transformadoras no setor nas últimas décadas.
Enquanto estava no Merrill Lynch, ajudou a organizar a combinação de 1998 entre UniCredito e Credito Italiano, com a criação da instituição que agora lidera.
No ano seguinte, foi o adviser na fusão de mais de € 10 bilhões entre o Banco Bilbao Vizcaya e o Argentaria, que resultou no BBVA. Ele também desempenhou um papel na compra do Abbey National pelo Santander e ajudou o Royal Bank of Scotland a assumir o ABN Amro.
Entrevistas com executivos que trabalharam com Orcel ao longo de suas três décadas e meia no setor bancário europeu, desde o Merrill Lynch até o UBS Group e o UniCredit, mostram um padrão consistente.
Eles o descrevem como altamente autoconfiante e instintivo — mas não impulsivo. Ele analisará uma situação cuidadosamente e de forma extensa antes de tomar uma decisão, de acordo com vários ex-colegas, que pediram para não serem identificados ao falar sobre questões pessoais.
Depois de tomar uma decisão, Orcel demonstra poucos sinais de ceder às expectativas dos outros — mesmo que isso signifique irritar governos, reguladores bancários ou até mesmo aliados de longa data.
Em um dos exemplos mais claros, há cinco anos, Orcel processou o Santander por descumprir um compromisso de contratá-lo do UBS Group.
Como negociador, ele tinha uma longa relação de trabalho com o falecido presidente do conselho do Santander, Emilio Botín, sendo seu confidente e parceiro de golfe. Agora, ele enfrentava judicialmente Ana Botín, que assumiu a presidência executiva após a morte do pai e tentou trazer Orcel.
No final, um tribunal espanhol decidiu que o Santander deveria compensar Orcel por violar um contrato de contratação válido, deixando-o com um possível pagamento na casa das dezenas de milhões de euros.
Orcel também entrou e depois desistiu das negociações para adquirir a participação do governo italiano no Banca Monte dei Paschi di Siena. As duas partes não conseguiram chegar a um acordo sobre quanto capital novo o Monte Paschi precisaria antes da venda e os ativos a serem transferidos, disseram fontes familiarizadas com o assunto ouvidas pela Bloomberg News.
Em vez de comprar o Monte Paschi, o UniCredit logo revelou um dos planos de dividendos mais ambiciosos da Europa. Ele devolveria cerca de € 16 bilhões nos próximos anos, prometeu Orcel em dezembro de 2021.
A implementação do plano elevou as ações do UniCredit, que mais do que triplicaram, impulsionadas por taxas de juros mais altas e pela estratégia de reestruturação de Orcel.
Novas negociações
Sua determinação também trouxe Orcel de volta para mais uma tentativa de adquirir o Commerzbank, uma aquisição que marcaria seu primeiro grande acordo transformador como CEO do banco. Uma tentativa anterior, em que ele havia agendado conversas com seu então par Manfred Knof no início de 2022, foi frustrada pela guerra da Rússia contra a Ucrânia.
Orcel não desistiu e voltou ao Commerzbank este ano. No entanto sua tendência de surpreender seus interlocutores ficou evidente quase imediatamente, quando o fez com o governo e a administração em setembro passado ao divulgar que havia adquirido uma grande participação no banco.
O governo alemão havia avisado os compradores em potencial ao anunciar planos de vender sua participação, mas Berlim queria colocar as ações entre uma variedade de investidores.
Autoridades em Berlim denunciaram a maneira como o UniCredit construiu sua participação, dizendo que uma movimentação sobre um dos bancos mais importantes do país deveria ter sido sinalizada de forma mais transparente.
Eles também afirmaram que não tinham indicação até ser tarde demais de que o UniCredit queria comprar a fatia de 4,5% que Berlim estava colocando em leilão, algo que Orcel nega.
Embora tenha ganhado admiração nos círculos financeiros, a jogada de Orcel não agradou ao chanceler alemão, Olaf Scholz, que a qualificou de “antipática.” Representantes sindicais do Commerzbank disseram estar “decididamente amargurados” em sua oposição ao acordo.
Orcel mais tarde sinalizou que não esperava que o governo alemão reagisse tão duramente, dizendo que a reação reduziu as chances de uma aquisição do Commerzbank se concretizar.
O CEO, dizem seus ex-colegas, exibe a prontidão de um banqueiro de investimentos para manter os detalhes em aberto até que tudo esteja finalizado, deliberadamente fomentando incertezas que depois usa a seu favor. Ele também recebeu elogios de pessoas de dentro do setor pela audácia de suas ações, até mesmo de rivais.
Oferta pelo BPM
O anúncio da oferta pelo Banco BPM, na segunda-feira (25), não foi diferente. O UniCredit fez uma oferta em ações quase sem prêmio em relação ao fechamento da sexta-feira, 22. As ações do BPM subiram, enquanto as do UniCredit caíram, à medida que os mercados especulavam que Orcel teria que aumentar sua oferta.
Pelo menos o CEO do UniCredit informou as partes relevantes durante o fim de semana sobre sua intenção de fazer a oferta pelo Banco BPM. Antes de divulgar a proposta nas primeiras horas de segunda-feira, Orcel alertou o governo italiano, disseram fontes familiarizadas com o assunto.
Ele também teve uma conversa no sábado com o presidente do Banco da Itália, Fabio Panetta, informou o Il Corriere della Sera. Então, poucas horas antes do anúncio do acordo, ele também ligou para o presidente do Banco BPM, Massimo Tononi, segundo o Bloomberg.
Orcel indicou que sua movimentação foi motivada pelo aumento das atividades de fusões e aquisições no setor bancário da Itália, como a compra de uma participação do Banco BPM no Monte Paschi. Isso sinalizou o potencial surgimento de um novo grande banco no mercado interno de Orcel.
“Não podemos ficar ausentes da consolidação na Itália”, disse Orcel em uma teleconferência na segunda-feira.
Mas sua jogada também deixou o governo da primeira-ministra Giorgia Meloni lutando para descobrir se seus planos de usar o Banco BPM como um pilar para criar o terceiro maior grupo bancário da Itália agora estão comprometidos. A Itália havia apoiado a jogada de Orcel no Commerzbank.
Agora, várias autoridades contatadas pela Bloomberg News expressaram perplexidade e questionaram quais seriam os motivos para sua mudança de direção.
Em uma teleconferência com analistas, Orcel disse que o interesse de seu banco pelo Banco BPM “não deveria ser uma surpresa.” Em outras palavras, aqueles que ficaram surpresos simplesmente não estavam prestando atenção, visto que ele sempre destacou os alvos em consideração.
Não importa o quanto deseje uma transação, no entanto, seus ex-colegas também dizem que Orcel sempre se certifica de ter uma estratégia de saída caso a abordagem original não funcione.
Em sua disputa com o governo italiano sobre o Monte Paschi, Orcel culpou Roma por subestimar a necessidade de capital do banco. O UniCredit havia prometido aos investidores considerar um acordo apenas sob condições específicas, disse ele, ressaltando que estava agindo no interesse do banco.
Com o Commerzbank, ele reiterou que o investimento é meramente “financeiro” no momento e que tem a opção de vender a participação se a aquisição não se concretizar. Ele também contratou grandes volumes de derivativos para proteger os resultados do UniCredit contra grandes mudanças no valor da participação no Commerzbank.
Na segunda-feira (25), Orcel disse que a probabilidade de um acordo com o Commerzbank diminuiu e que o cronograma é, em qualquer caso, mais longo do que ele pensava originalmente. Uma possível aquisição do Commerzbank “vai exigir tempo”, disse ele, citando o “respeito pela Alemanha e suas eleições.”
As movimentações sobre o Banco BPM e o Commerzbank “fazem perfeito sentido com base em tudo o que o UniCredit, sob a liderança de Orcel, tem dito e feito”, segundo Cole Smead, CEO e gerente de portfólio da Smead Capital Management, empresa de investimentos que possui ações do UniCredit.
“Orcel mostrou novamente que não tem medo de contrariar os resultados esperados quando persegue um objetivo no interesse das partes interessadas.”
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