Bloomberg Opinion — O Judiciário está fechando o cerco contra Jair Bolsonaro.
Na última quinta-feira (21), a Polícia Federal indiciou o ex-presidente e 36 de seus aliados próximos – incluindo 25 membros das Forças Armadas – depois de obter evidências de que em 2022 eles planejaram um golpe para impedir que Luiz Inácio Lula da Silva chegasse ao poder.
De forma mais dramática, a investigação da polícia também alegou que Bolsonaro sabia de um plano para assassinar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o juiz do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes na esteira da última eleição presidencial, de acordo com relatos na mídia brasileira.
Essas acusações chocantes se somam à longa lista de questões legais pendentes do ex-presidente: Bolsonaro já foi proibido de pleitear ou ocupar cargos públicos até 2030 por divulgar falsas alegações sobre o sistema de votação do Brasil, e ele enfrenta duas outras sérias investigações pela suposta venda ilegal de presentes recebidos da Arábia Saudita e do Bahrein e por registros de vacinação falsificados.
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Se, como esperado, o principal promotor do país levar adiante as acusações e o caso avançar no Supremo Tribunal Federal, as chances de Bolsonaro acabar na cadeia continuarão elevadas.
Ao mesmo tempo, o indiciamento deve ser um momento de profunda reflexão e reconfiguração para o establishment político do Brasil.
Essas acusações vão inflamar as paixões mais uma vez em um momento delicado para a democracia do Brasil: neste mês, um homem morreu após tentar entrar no Supremo Tribunal Federal em Brasília com explosivos amarrados ao corpo – um incidente extremo e raro que ecoou o violento ataque à capital em janeiro de 2023.
Para boa parte da sociedade brasileira, os últimos problemas de Bolsonaro são mais uma prova de uma conspiração contra ele por parte dos principais poderes do país – particularmente, o polêmico Supremo Tribunal Federal. Tanto é assim que, em uma entrevista local na quinta-feira, Bolsonaro concentrou seus ataques em Moraes, que lidera as investigações.
No entanto não devemos superestimar o “efeito de perseguição” que essas novas alegações podem desencadear. Apesar de toda a sua aparente paixão, nem todos os eleitores de Bolsonaro apoiam uma ditadura ou suas alegações não comprovadas de fraude eleitoral.
Uma pesquisa de fevereiro da AtlasIntel, por exemplo, constatou que quase 47% dos brasileiros achavam que Bolsonaro realmente planejou um golpe para permanecer no poder (também constatou que uma pequena maioria o vê como perseguido injustamente).
Os partidos de oposição devem ser espertos e se concentrar na construção de uma candidatura alternativa para a eleição presidencial de 2026, deixando para trás os escândalos de longa duração de Bolsonaro e a proibição efetiva de sua candidatura. A centro-direita agora governa a maior parte do país e tem vários governadores e figuras-chave com potencial de apelo nacional.
A relutância de Lula em enfrentar de forma decisiva os crescentes problemas fiscais do governo e o fator idade (ele terá quase 81 anos na época das próximas eleições gerais) fazem dele um rival vulnerável em 2026 – mesmo que apareça claramente à frente nas primeiras pesquisas.
Se Bolsonaro, de alguma forma, pudesse concorrer, Lula ficaria entusiasmado com a perspectiva de enfrentar seu nêmesis em uma revanche da última eleição. Isso seria um gol contra para a oposição: é hora de a nova geração de líderes do Brasil entrar em cena e deixar para trás essa infesta dicotomia Lula-Bolsonaro.
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É claro que não é isso que Bolsonaro e seu grupo tentarão fazer: ele claramente continua sendo a figura de direita mais popular do país e jogará a carta da polarização em uma tentativa de se tornar um mártir político. Mesmo que o caminho para ele se tornar um candidato presidencial esteja agora aparentemente fechado, este é o Brasil, onde o inesperado é o que você deve esperar.
Se o escândalo da Lava Jato de 2014-2021 traz uma lição, é que quem quer que seja acusado de cometer crimes graves – com justiça ou não – deve ficar quieto e esperar até que os ventos políticos do país mudem.
No final das contas, o próprio Lula ficou preso por 580 dias e foi considerado um cadáver político antes de ressurgir em um retorno realmente espetacular.
Bolsonaro certamente acredita em suas chances, especialmente depois de ver a viagem de redenção de sua alma gêmea Donald Trump, mesmo que sua própria situação legal seja muito mais complicada. E se nada der certo, ele tem seus filhos para continuar a dinastia.
Em uma coluna para a Folha de S. Paulo, Bolsonaro argumentou recentemente que as eleições municipais do país mostraram mostrou “um tsunami” de apoio a novos líderes e candidatos de direita. Ele está correto. A oposição conservadora do Brasil deve olhar para o futuro, não para o passado. Encarregar-se do fardo de Bolsonaro seria uma proposta perdedora – e um desserviço ao país.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Juan Pablo Spinetto é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.
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