Como Ana Botín levou o Santander a avançar em banco de investimento em Wall St

Banco espanhol realizou uma onda de contratações de egressos do Credit Suisse e começa a se destacar no ranking de deals depois de cuidar de mais de cem transações neste ano nos EUA

Ana Botin
Por Jorge Zuloaga - Sonia Sirletti - Carmen Arroyo
20 de Novembro, 2024 | 04:54 AM

Bloomberg — Quando a tribo Iowa de Oklahoma procurou recentemente financiar um cassino entre Oklahoma City e Tulsa, no interior americano, ela recorreu ao Santander para encontrar investidores.

O maior banco da Espanha teria sido um coordenador improvável há alguns anos para esse tipo de operação, quando contava apenas com uma porção de empréstimos alavancados que conseguiu nos Estados Unidos.

Porém, depois de uma onda de contratações que incluiu dezenas de ex-funcionários de investment banking da filial do Credit Suisse em Wall Street, o Santander vem subindo rapidamente na tabela de classificação e realizou mais de cem transações nos Estados Unidos já neste ano.

As pessoas contratadas pelo banco e a enxurrada de transações que realizam começam a remodelar o gigante dos empréstimos de varejo, cujas ações perderam um terço de seu valor durante os dez anos de mandato da presidente executiva do conselho, Ana Botín.

PUBLICIDADE

Naquela que é indiscutivelmente a sua maior expansão em Wall Street, a empresa adquiriu a Amherst Pierpoint Securities por US$ 600 milhões há cerca de três anos e, desde então, contratou centenas de banqueiros de investimento nos Estados Unidos e no Reino Unido, sendo que cerca de 200 entraram desde o início do ano passado.

Leia mais: A ambição de Ana Botín, do Santander, para expandir o banco de varejo nos EUA

Com essa aposta, vieram algumas dificuldades de crescimento, incluindo despesas iniciais significativas.

Embora os novos contratados estejam fazendo incursões em negócios como finanças alavancadas, alguns de seus pacotes de remuneração excedem em muito o que os funcionários de longa data recebem, o que causa consternação em uma empresa em que os empréstimos comerciais e ao consumidor continuam sendo o coração do negócio, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto ouvidas pela Bloomberg News.

O número de pessoas que assumem riscos significativos e ganham pelo menos 1 milhão de euros mais do que dobrou em três anos. Isso tem aumentado a pressão sobre o lucro do banco de investimento, e o braço norte-americano da unidade relatou um prejuízo antes dos impostos no último trimestre.

Número de profissionais que ganham acima de 1 milhão de euros por ano aumentou no Santander nos últimos anos

Esta reportagem da Bloomberg News baseia-se em conversas com cerca de uma dúzia de pessoas que têm conhecimento do esforço do banco espanhol para expandir sua área de investment banking. Elas pediram anonimato para discutir assuntos internos.

"Nos últimos 18 meses, fortalecemos significativamente nossa equipe nos EUA", disse um porta-voz do Santander. "Ao combinar essa experiência adicional e complementar com a escala da rede Santander, estamos oferecendo novos produtos e serviços e aprofundando os relacionamentos com os clientes de todo o grupo."

PUBLICIDADE

Durante grande parte de seus 167 anos de história, o Santander foi um banco regional do qual poucos fora do norte da Espanha tinham ouvido falar.

O pai de Ana Botin, Emilio Botin, já falecido, transformou-o em uma potência intercontinental com dezenas de aquisições no México, no Brasil - com o Banespa e o ABN Amro Real -, no Chile, na Polônia, no Reino Unido e nos EUA. No entanto a unidade de banco de investimento continuou a ser um assunto secundário.

Não foi assim para Ana Botín, de 64 anos, que começou sua carreira no JPMorgan Chase na década de 1980. Ela entrou para o Santander aos 28 anos e assumiu o lugar de seu falecido pai em 2014. Sob sua liderança, o Santander trouxe José Linares, que agora dirige o banco de investimentos, e Hector Grisi, ex-banqueiro do Credit Suisse que acabou se tornando CEO.

Leia mais: Bancos brasileiros ampliam receita de investment banking e superam rivais de Wall St

Ambos desempenham um papel fundamental no esforço de reformulação dos negócios de títulos e consultoria do Santander.

Linares, ex-banqueiro do JPMorgan, supervisionou a compra da Amherst Pierpoint, um dos 25 operadores primários do Federal Reserve. O negócio fortaleceu sua posição em renda fixa e proporcionou-lhe acesso a mais de 1.300 investidores institucionais.

Também deu início a uma expansão no banco de investimento dos EUA, que foi turbinada pelo desmantelamento do IB do Credit Suisse. As dificuldades do banco suíço deram ao Santander a oportunidade de contratar uma série de talentos, inclusive em Nova York.

Entre eles estão Steve Geller, ex-diretor de fusões e aquisições do Credit Suisse, e o banqueiro de finanças alavancadas Jeff Cohen, que passou mais de duas décadas no banco.

David Hermer, que supervisionou os mercados de capital acionário e de dívida da empresa suíça, agora dirige o banco de investimento do Santander nos EUA.

Leia também: Santander vai buscar ‘crescimento vigoroso’ em meio a juros em queda, diz CEO global

Ao mesmo tempo, vários veteranos do Santander deixaram a empresa. Entre eles estão Frederic Hauteville, ex-diretor de banco corporativo e de investimento para França e Benelux, Javier Sobrini, que supervisionou a infraestrutura de energia, e Jorge Gil. Alexandra MacMahon, chefe do banco de investimento do Santander no Reino Unido, saiu recentemente para se juntar ao ING Groep.

As novas contratações ajudaram o Santander a registrar uma receita de 6,26 bilhões de euros no banco de investimentos durante os primeiros nove meses deste ano, ou quase 14% da receita do grupo. Isso se compara a pouco mais de 10% cinco anos antes. O negócio é o segundo maior de contribuição para o lucro do Santander, depois dos bancos comerciais e de varejo.

Número de empréstimos alavancados concedidos pelo Santander nos EUA teve alta mais acentuada em 2024

O lucro da unidade, no entanto, caiu quase 5% nos primeiros nove meses, já que as despesas aumentaram. O banco de investimentos dos EUA registrou um prejuízo antes dos impostos.

Analistas dizem que a expansão do banco de investimento pode ajudar a elevar o preço das ações do Santander. Benjamin Toms, analista do RBC, estimou em maio que a unidade de banco de investimento sozinha vale cerca de 18 bilhões de euros, ou um quarto da capitalização de mercado total do banco.

A unidade "é um vento de cauda importante para a história futura do banco", escreveu Toms. "A administração tem a ambição sensata de ser a mais lucrativa, e não a maior" do negócio.

O Santander disse que não quer enfrentar os maiores bancos de Wall Street.

No ano passado, ele disse que planejava dobrar o tamanho de suas operações de banco de investimento nos EUA, onde empregava cerca de 900 funcionários na época. Desde então, esse número cresceu para cerca de 1.300, incluindo a equipe de suporte.

Nem todos são novas contratações. As áreas em que a empresa afirma estar fazendo incursões incluem consultoria em fusões, mercados de capital de dívida e de ações.

Banco de investimento do Santander nos EUA está em ascensão, bem como os custos da operação

Com M&As ainda sem engrenarem e aquisições alavancadas que lutam para voltar, um dos negócios em que o Santander tem se concentrado é o de ajudar as empresas a refinanciar ou a reprecificar suas dívidas.

Até o momento, o banco fez 110 negócios de empréstimos alavancados nos EUA neste ano, incluindo alguns para novas aquisições, em comparação com 21 no mesmo período do ano anterior, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.

O acordo de dívida de US$ 200 milhões em Oklahoma, para o qual o Santander sondou investidores, já foi precificado. Os recursos serão usados para pagar a construção de um novo resort com a marca de um cassino Harrah’s, informou a Bloomberg News.

Entre os outros negócios que o Santander ajudou a financiar estão a compra da ArchKey Solutions pela 26North Partners, fornecedora de sistemas elétricos e especializados, bem como uma aquisição alavancada pela American Industrial Partners.

Com a volta de Donald Trump à Casa Branca, os banqueiros esperam uma retomada dos negócios e das aquisições. Isso poderia reavivar a demanda por novos financiamentos, que têm sido difíceis de obter até agora, já que a maioria dos tomadores de empréstimos estava concentrada em refinanciar.

Atenção com a cultura

Apesar dessas pressões, o banco espanhol está empenhado em garantir que sua cultura não mude e que os clientes continuem a ser o motor de novos negócios, disseram duas das pessoas. Embora muitos dos principais banqueiros de investimento sejam ex-Credit Suisse, o comitê de risco que decide sobre grandes negócios é composto principalmente por banqueiros antigos do Santander.

Para Botin, a expansão do banco de investimentos é apenas uma parte de um esforço maior para crescer nos EUA. O Santander lançou recentemente sua agência digital Openbank na maior economia do mundo, o que poderia ajudar a aumentar os depósitos, uma fonte barata de financiamento.

"Não vou tirar muitos clientes do JPMorgan", disse Botin em outubro. "Mas espero conseguir alguns."

-- Com a colaboração de Manuel Baigorri, Laura Noonan, Todd Gillespie, Jeannine Amodeo, Macarena Munoz Montijano e Claire Ruckin.

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

UBS decide unificar negócios de gestão de fortunas e private banking no Brasil

Santander Brasil melhora rentabilidade e lucro sobe acima de previsão do mercado