Bloomberg Opinion — Se o período que antecedeu a eleição puder ser tomado como uma prévia, não espere que o setor corporativo dos Estados Unidos atue como qualquer tipo de controle na nova presidência de Donald Trump.
A estratégia à qual a maioria dos CEOs aderiu durante o ciclo de campanha foi fazer e falar o mínimo possível sobre política.
É a mesma abordagem que eles parecem dispostos a adotar no próximo mandato de Trump – mais interessados em permanecer nas boas graças do presidente eleito do que em agir como um contrapeso às suas táticas de intimidação e falta de civilidade.
Ninguém quer atrair a fúria do governo de Trump, principalmente aqueles que já passaram por isso antes.
Basta perguntar a Jeff Bezos. Durante o primeiro mandato de Trump, a propriedade de Bezos do Washington Post e o que Trump considerou sua cobertura crítica de seu governo foram responsabilizados por custar à Amazon (AMZN) um contrato de computação em nuvem de US$ 10 bilhões com o Pentágono.
Dessa vez, Bezos não se arriscou. Citando uma “percepção de parcialidade”, ele interveio para garantir que o Post não endossasse Kamala Harris. Mas quando Trump venceu, isso não o impediu de fazer sua própria declaração pública no X, antigo Twitter, parabenizando o presidente eleito “por um extraordinário retorno político e uma vitória decisiva”.
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Mas qualquer CEO que planeje passar os próximos quatro anos em silêncio deve se lembrar de que o estado de direito e a democracia não são apenas bons para os negócios, mas fundamentais para o funcionamento da economia.
Chegará um momento em que as empresas americanas precisarão enfrentar o governo Trump porque suas políticas são tão moralmente repugnantes ou tão ameaçadoras para a estabilidade econômica que elas não terão escolha.
Os CEOs e os conselhos precisam começar a pensar agora sobre quais serão suas linhas vermelhas e como responderão.
O curso de ação mais eficaz será usar associações do setor, como a Business Roundtable, para emitir declarações assinadas por um grupo de CEOs.
Como poucas empresas terão coragem de enfrentar a Casa Branca sozinhas, esses tipos de coalizões ajudarão a proteger contra retaliações e mostrarão força nos números. A comunidade empresarial já sabe como fazer isso.
Por exemplo, depois que Trump emitiu uma ordem executiva proibindo a entrada de visitantes de países de maioria muçulmana apenas alguns dias após o início de seu primeiro mandato, 130 empresas entraram com um petição amicus curiae (documento legal que indivíduos ou organizações apresentam ao tribunal por terem interesse no caso, mesmo que não sejam parte direta dele) no Tribunal de Apelações dos EUA, que disse que a ordem “viola as leis de imigração e a Constituição”.
Em vez de fazer grandes e ousados pronunciamentos públicos que coloquem um alvo em suas empresas, os CEOs podem se concentrar em comunicações internas que abordem como as políticas afetam diretamente os funcionários.
Várias empresas já mudaram para essa direção. Quando a Suprema Corte anulou o caso Roe v. Wade (que estabeleceu a garantia da opção do aborto), houve poucas declarações que denunciaram a decisão. Em vez disso, a maioria das empresas que abordou o assunto o fez dizendo que reembolsaria as despesas de viagem dos funcionários que precisassem fazer um aborto fora do estado.
O setor corporativo dos EUA costumava estar mais disposto a bancar o herói do que o lacaio. Houve muitas outras ocasiões durante o primeiro mandato de Trump em que a pressão dos CEOs teve um impacto real.
Os líderes empresariais se afastaram e dissolveram os grupos de consultoria empresarial de Trump depois que ele culpou “muitos lados” por uma manifestação de supremacistas brancos em Charlottesville, estado da Virgínia.
Os CEOs deixaram de fazer negócios no estado da Carolina do Norte depois que o estado aprovou uma proibição de banheiros para transgêneros, que foi revogada após a pressão econômica.
Após os tumultos de 6 de janeiro, eles emitiram declarações condenando os ataques ao Capitólio e ameaçaram interromper as doações políticas.
O cenário político e comercial mudou drasticamente desde então, e é difícil imaginar esse tipo de ativismo de CEOs ocorrendo hoje.
O setor de tecnologia perdeu o apetite pela missão de salvar o mundo que alimentou sua oposição a Trump em 2017. A retórica vinda do campo de Trump, que antes horrorizava e envergonhava os CEOs, agora é aceitada ou é ignorada.
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O entusiasmo da América corporativa por diversidade, equidade e inclusão (DEI) e por governança ambiental, social e corporativa (ESG) evaporou a ponto de não restar muito desses programas formais para proteger.
Os consumidores de direita puniram as marcas, desde a Deere (DE) até a Harley-Davidson (HOG) e a Tractor Supply, que deixassem transparecer qualquer odor de “capitalismo da lacração”.
Os funcionários também mudaram. Os altos executivos muitas vezes foram levados a se manifestar durante o primeiro mandato de Trump para aplacar uma força de trabalho indignada.
Hoje, o mercado de trabalho competitivo que forçou os CEOs a se posicionarem não é tão acirrado, e o resultado da eleição refutou a ideia de que os funcionários jovens querem ou esperam que seus CEOs ajam como uma força moral contrária a Trump. O eleitorado sabia o que estava em jogo desta vez e, de qualquer forma, votou decisivamente nele.
Assim como seus CEOs, os funcionários demonstram cansaço político. O New York Times noticiou esta semana que na Alphabet (GOOG), onde os executivos têm restringido as discussões políticas na empresa, que já foi muito franca, não houve muita conversa sobre eleições para a polícia. E na Amazon, a gerência não mencionou a eleição nenhuma vez durante uma reunião de duas horas sobre o futuro da empresa.
Isso está funcionando agora, mas como prova a mudança do primeiro mandato de Trump para o momento atual, as coisas mudam. Será que esse nível de passividade durará quatro anos, provavelmente caóticos?
Espero que os trabalhadores também descubram suas linhas vermelhas. Quando o governo Trump os ultrapassar, eles vão querer ouvir os chefes - e a desculpa da neutralidade não será suficiente.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Beth Kowitt é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a América corporativa. Foi redatora e editora sênior da revista Fortune.
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