Bloomberg — Donald Trump vai retornar à Casa Branca, e isso significa que a economia dos Estados Unidos está prestes a passar por uma forte mudança.
Trump prometeu uma escalada de tarifas sobre todas as importações americanas e a maior deportação em massa de migrantes da história. Ele também quer ter voz na política monetária do Federal Reserve. Muitos economistas avaliam que sua plataforma de políticas provocará mais inflação e crescimento mais lento à frente.
Ele também prometeu cortes radicais de impostos durante a campanha que culminou em sua vitória sobre a vice-presidente Kamala Harris.
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A sua capacidade de entregar pode depender do resultado na Câmara, que permanece como dúvida, mesmo depois que os republicanos ganharam o controle do Senado. Um governo dividido exigiria que o novo presidente negociasse mais intensamente com o Congresso sobre política fiscal.
Ainda assim, são as tarifas comerciais de Trump - que ele ameaçou impor a adversários mas também a aliados - que podem ter o maior impacto na economia americana, segundo analistas.
O autoproclamado “homem das tarifas” decretou taxas em cerca de US$ 380 bilhões em importações no seu primeiro mandato de 2016 a 2020. Agora ele promete medidas muito mais amplas, incluindo uma taxa de 10% a 20% sobre todos os bens importados e de 60% sobre produtos chineses.
Trump diz que os impostos de importação podem ajudar a aumentar a receita do governo, bem como reduzir os déficits comerciais do país e repatriar a indústria. Além disso, como Trump demonstrou na última vez em que esteve no cargo, um presidente pode decretar tarifas essencialmente sozinho.
“Ele vai correr [com essas medidas]”, disse Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s Analytics. “Acho que vamos colocar essas políticas em prática muito rapidamente e elas terão impacto imediato.”
A maioria dos economistas diz que a inflação aumentará como resultado, porque os consumidores pagarão custos mais altos que serão repassados pelos importadores que pagam as tarifas.
A Moody’s previu antes da votação que, com Trump como presidente, a inflação ao consumidor subiria para pelo menos 3% no ano que vem — e ainda mais no caso de uma vitória do partido republicano — de um patamar de 2,4% em setembro, alimentada por tarifas mais altas e uma saída de mão-de-obra migrante.
Se os países alvos retaliarem e uma guerra comercial ocorrer, os Estados Unidos enfrentarão “um modesto choque estagflacionário”, disse um economista do Wells Fargo, Jay Bryson, em um webinar em 16 de outubro, uma situação em que a produção econômica fica estagnada e as pressões sobre os preços aumentam.
‘Vencedores e perdedores’
Tal cenário colocará o Federal Reserve na posição de precisar aumentar as taxas de juros para combater a inflação, mas também de cortá-las para evitar o risco de uma recessão, disse Jason Furman, ex-chefe do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca durante o governo do presidente Barack Obama.
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“Em economia, sempre há vencedores e perdedores”, disse Furman em um webinar em 17 de outubro. “Nesse caso, os perdedores são os consumidores e a maioria das empresas.”
Trump disse à Bloomberg News durante a campanha que deveria ter direito a se pronunciar sobre as taxas de juros como presidente, “porque acho que tenho instintos muito bons” e “já ganhei muito dinheiro”.
A pressão sobre o Fed durante um segundo mandato dele preocuparia os investidores, porque a história sugere que os países que permitem que os políticos interfiram na política monetária provavelmente enfrentam uma inflação mais alta dado, por exemplo, a perda de credibilidade.
Argumentos de apoiadores de Trump
Em geral, Trump e seus apoiadores descartam as projeções pessimistas das “elites de Wall Street”. Eles ressaltam que a inflação não disparou em seu primeiro mandato enquanto ele promulgou tarifas e cortes de impostos — e presidiu um crescimento econômico robusto, até a pandemia chegar.
A Coligação para uma América Próspera, que apoia o protecionismo comercial, estimou que uma tarifa “universal” de 10%, combinada com cortes de impostos de renda que Trump promete, acrescentaria mais de US$ 700 bilhões à produção econômica e criaria 2,8 milhões de empregos adicionais.
Michael Faulkender, economista-chefe do America First Policy Institute, formado por autoridades do primeiro governo de Trump, disse que as projeções negativas não levam em conta o crescimento econômico que a agenda de desregulamentação de Trump e os planos para aumentar a produção de energia gerariam.
“Há muita flexibilização da nossa economia, removendo custos estruturais, o que pode gerar crescimento de uma forma realmente deflacionária”, disse Faulkender.
Trump prometeu tornar permanentes os cortes de impostos que aprovou em 2017 para famílias, pequenas empresas e propriedades de indivíduos ricos — a maioria dos quais deve expirar no final de 2025.
Mesmo que o Partido Republicano perca sua influência na Câmara, provavelmente há espaço para fechar um acordo com os democratas, que também são a favor de manter algumas dessas medidas em vigor.
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As promessas de impostos e gastos que a campanha de Trump divulgou durante a eleição poderiam coletivamente custar mais de US$ 10 trilhões em mais de uma década, de acordo com cálculos da Bloomberg News.
Trump disse que usaria as receitas tarifárias para ajudar a pagar por elas, mas economistas do Peterson Institute for International Economics estimam que as tarifas de importação só poderiam levantar uma fração dessa soma.
Efeitos no primeiro mandato
Muitos economistas também duvidam que a política comercial de Trump possa impulsionar rapidamente o emprego na indústria, um dos objetivos declarados. São necessários anos para a construção de fábricas, e a automação significa que elas hoje em dia exigem menos trabalhadores.
Um estudo do National Bureau of Economic Research (NBER) concluiu que as tarifas passadas de Trump não conseguiram aumentar os empregos em indústrias protegidas, ao mesmo tempo em que prejudicaram empregos em outros setores que foram afetados pela guerra comercial.
“As tarifas não vão reduzir o déficit comercial, não vão restaurar empregos na indústria, mas levará vários anos para descobrir isso e muita dor no meio do caminho”, Maurice Obstfeld, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), disse em um webinar em 17 de outubro.
A ameaça de Trump de deportar milhões de imigrantes sem documentos é outra fonte de alarme para muitos economistas e empresas. Isso reduziria o grupo de mão-de-obra disponível para empresas que têm dificuldade de contratar.
Deportar os recém-chegados após 2020 reduziria a economia em cerca de 3% até a próxima eleição em 2028, enquanto a queda na demanda de uma população menor reduziria os preços, Chris Collins, da Bloomberg Economics, escreveu em uma nota.
O impacto provavelmente atingiria mais duramente setores como construção, lazer e hospitalidade – e estados como Texas, Flórida e Califórnia, onde os migrantes constituem a maior parcela da força de trabalho.
As promessas de campanha muitas vezes caem no esquecimento, e o impacto econômico das políticas do segundo mandato de Trump dependerá de quais ele priorizar e conseguir executar.
-- Com a colaboração de Brendan Murray.
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