Por que São Paulo, mesmo com desafios, tem se tornado uma cidade imperdível

A cidade se destaca por sua energia vibrante, vida cultural rica e caráter autêntico, que atrai aqueles que buscam uma experiência urbana genuína

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Bloomberg Opinion — São Paulo é uma das maiores metrópoles do mundo, mas relativamente poucos viajantes internacionais querem visitá-la.

O fato de uma megalópole de 22 milhões de pessoas ter recebido apenas 1,6 milhão de turistas do exterior entre janeiro e setembro é uma comparação risível com os principais ímãs do turismo, como Paris (com uma população metropolitana equivalente à metade de São Paulo), que registrou quase 16 milhões de visitantes internacionais em 2023.

Devo confessar que tenho a mesma alergia a São Paulo desde a infância: meu pai costumava levar a família de carro de Buenos Aires para o Rio de Janeiro em viagens de férias de um mês, percorrendo 7.200 km e visitando todas as praias paradisíacas no caminho. Sua única condição? Não passar um minuto sequer em São Paulo. Ele ficava horrorizado com a selva de pedra e seu famoso trânsito imprevisível.

Portanto, quando tive a oportunidade de me mudar para o Brasil em 2010, o Rio era a única opção aceitável. Mas não foram necessárias muitas viagens para fazer reportagens em São Paulo para que eu apreciasse o dinamismo e a vitalidade do verdadeiro motor do Brasil, cujo estado abriga quase um terço do PIB do país e seu centro financeiro dominante. Sua agitação caótica oferece um contraste direto com a densa quietude de Brasília e a informalidade exasperante do Rio.

Passada uma década, depois de uma visita no mês passado, posso confirmar que São Paulo deu uma guinada cultural. Por trás de sua fachada insondável, quase impenetrável, e das ruas e rodovias perpetuamente engarrafadas, encontra-se um lugar animado, carismático e acolhedor, com arquitetura grandiosa, uma cena artística ousada e uma vida noturna pulsante.

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Nas últimas semanas, ocorreram eventos como uma corrida de Fórmula 1, o primeiro jogo da NFL na América do Sul, uma grande exposição individual do escultor britânico-indiano Anish Kapoor e uma iniciativa bacana para tornar mais visíveis as joias modernistas da cidade – sem falar nas partidas de futebol em estádios de primeira qualidade e nos grandes shows.

São Paulo também abriga a bienal de arte mais antiga depois de Veneza e uma das maiores paradas do orgulho LGBTQ+ do mundo.

Antes que meus amigos paulistanos iniciem uma campanha para me queimar, deixe-me dizer que tenho plena consciência das deficiências da cidade: um boom imobiliário que alimenta uma erupção de arranha-céus sem muito planejamento, mesmo quando a falta de moradia e a exclusão continuam muito presentes.

Minha viagem mais recente trouxe à tona inúmeras reclamações sobre o custo de vida, a insegurança e os pesadelos habituais de transporte.

Talvez eu tenha tido sorte, mas minha experiência no trânsito ao circular pelos bairros não foi tão ruim quanto no passado. Houve grandes investimentos em ciclovias, metrôs e trens metropolitanos que, apesar de seus custos e atrasos, acabaram ajudando a se movimentar na cidade.

O governo do estado de São Paulo agora visa um ambicioso plano de expansão no valor de R$ 194 bilhões para adicionar mais de 1.000 km de projetos ferroviários que devem melhorar a situação.

Peguei o Expresso Guarulhos do aeroporto até a icônica estação da Luz e achei seguro, limpo e barato, por apenas R$ 5 – mas sua frequência de apenas um trem por hora o torna quase inútil para viajantes a negócios com pouco tempo.

Essa falta de frequência é um exemplo pequeno, mas revelador, da grande desvantagem de São Paulo do ponto de vista internacional: não é uma cidade fácil de navegar para quem vem de fora.

Será que ninguém em posição de autoridade considerou que o trem poderia ser uma excelente experiência de boas-vindas para os estrangeiros, além de ajudar os passageiros locais?

De certa forma, essa não é uma cidade que está morrendo de vontade de se expor ao mundo, como, por exemplo, Istambul; é o visitante que deve fazer a lição de casa e se esforçar para descobri-la.

As autoridades fariam bem em investir pesadamente para promover os muitos pontos fortes de São Paulo e facilitar esse processo de descoberta.

Também é verdade que a cidade não tem um marco famoso que a torne reconhecida internacionalmente, mas, como diz o arquiteto Isay Weinfeld, ela não precisa disso porque a essência de São Paulo é justamente sua interessante mistura de culturas e pessoas, resultado de uma combinação de suas grandes diásporas japonesa, italiana e libanesa.

“A total falta de personalidade da cidade de São Paulo se tornou sua personalidade”, ele me disse. “É uma cidade com grande atividade cultural, muito vibrante, onde estão acontecendo muitas coisas; não é uma cidade para você relaxar.”

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Weinfeld, que é um dos principais arquitetos brasileiros e viveu seus 72 anos em São Paulo, argumenta, com razão, que a cidade deveria fazer mais para retirar os carros das ruas e dar mais importância aos pedestres como forma de promover espaços mais comunitários e habitáveis, com lojas na parte inferior dos edifícios para incentivar as interações. Vários projetos de revitalização, especialmente no centro da cidade, estão mudando a paisagem da cidade.

Atualmente, São Paulo parece ainda mais tranquila com a política e o impasse que emergem de Brasília; o debate sobre a sustentabilidade fiscal pode estar consumindo a vida de economistas e investidores no centro financeiro da Faria Lima, mas os negócios prosperam nas ruas principais, e a cidade é um centro crescente de empreendedorismo e inovação.

Rapidamente adotei o Pix como minha ferramenta para comprar qualquer coisa. A expansão do Pix para o restante da América Latina poderia fazer maravilhas para a integração regional.

É claro que talvez este não seja o melhor momento para escrever esta ode a São Paulo: a cidade acabou de passar por um processo eleitoral pouco inspirador, que viu seu prefeito pouco carismático Ricardo Nunes ser reeleito em uma campanha cujo ponto alto foi a agressão do então candidato Datena a Pablo Marçal com uma cadeira durante um debate ao vivo.

São Paulo também sofreu apagões em massa em outubro, que deixaram milhões de pessoas sem eletricidade, muitas delas por dias, devido a tempestades e ventos fortes.

Mas, no geral, São Paulo ainda tem uma vantagem que outras grandes cidades estão perdendo em nome da gentrificação, e seu povo amigável fará com que você se sinta em casa. Conte comigo como um fã. Se eu tivesse que escolher hoje, São Paulo seria o lugar onde eu viveria no Brasil.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Juan Pablo Spinetto é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.

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