Bloomberg Opinion — Apesar de todo o discurso ousado sobre tarifas e controles de preços, o legado econômico do próximo presidente dos Estados Unidos dependerá principalmente de algo muito mais mundano: o código tributário – especificamente, a Lei de Redução de Impostos e Empregos (TCJA) de 2017, grande parte da qual expirará no próximo ano.
Quem quer que esteja na Casa Branca, trabalhando com o partido que controla o Congresso americano, precisará decidir se vai prorrogá-la, modificá-la ou deixá-la expirar.
Como Donald Trump é favorável à prorrogação de toda a lei e Kamala Harris à maior parte dela, é provável que a TCJA sobreviva e que a maioria dos eleitores mantenha suas alíquotas de impostos mais baixas.
Se assim for, este pode muito bem ser o último suspiro da era do “almoço grátis” – a ilusão de que os EUA podem cortar impostos, aumentar os gastos e nunca arcar com as consequências.
Mas a realidade fiscal dos Estados Unidos se aproxima de sua realidade política. Até o final do mandato do próximo presidente, se não antes, os políticos terão que começar a lidar com restrições orçamentárias novamente.
Desde a presidência de George H.W. Bush, aumentar os impostos de qualquer pessoa, com exceção dos americanos mais ricos, é impensável.
Isso pode explicar por que as taxas de impostos caíram para a maioria dos americanos nas últimas décadas, mesmo com o aumento do tamanho do governo.
Isso também ajuda a explicar por que é tão improvável que qualquer um dos candidatos permita que a TCJA expire. Harris prometeu não aumentar os impostos de quem ganha menos de US$ 400.000, o que sugere que ela manterá todas as disposições da lei que se aplicam a essas pessoas que ganham menos, que representam cerca de 98% da população ativa.
Trump planeja tornar permanentes todas as disposições da TCJA. Ambos os candidatos também prometem cortes de impostos além dos previstos na lei, propondo expandir o crédito de imposto de renda e o crédito de imposto infantil (Harris), eliminar impostos sobre horas extras ou benefícios da Previdência Social (Trump) ou acabar com os impostos sobre gorjetas (Harris e Trump).
Com relação aos gastos, Harris quer acrescentar um novo direito, fazendo com que o plano de saúde Medicare ofereça cuidados de longo prazo. Ela aumentaria alguns impostos para pessoas de alta renda, bem como a alíquota do imposto corporativo, e talvez tributasse também o patrimônio das pessoas de renda mais alta.
De modo geral, o plano de Harris é considerado mais responsável do ponto de vista fiscal, pois aumenta o déficit primário em apenas US$ 2 trilhões. O de Trump o aumentaria em US$ 4,1 trilhões.
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O fato de o número de Harris ser menos aterrorizante não deve dar muito conforto aos eleitores ou aos mercados de títulos.
Ambos os partidos sofrem de suas próprias ilusões: os republicanos acreditam que os cortes de impostos e as tarifas mais altas se pagam sozinhos, os democratas acreditam que o crescimento do governo pode ser financiado inteiramente por impostos mais altos sobre os ricos.
A questão é por quanto tempo os mercados continuarão a se entregar a essas fantasias. A inflação do início da década de 2020, causada em parte pelo excesso de gastos com o estímulo financeiro oferecido pelo governo durante a pandemia, foi um lembrete de como a realidade pode se intrometer.
Outro lembrete pode vir na forma de aumento dos prêmios de prazo à medida que a eleição se aproxima. As taxas de juros podem cair um pouco após a eleição, mas, historicamente falando, uma dívida grande tende a aumentar as taxas.
É claro que algumas pessoas argumentam que desta vez é diferente – mas, na verdade, os últimos 20 anos é que foram diferentes. Washington conseguiu continuar gastando porque os investidores e os governos estrangeiros compraram a dívida dos EUA, independentemente do preço. Mas isso pode estar mudando.
O apetite estrangeiro por títulos do Tesouro diminuiu, tanto porque outros países enfrentam seus próprios desafios econômicos quanto porque menos comércio em geral significa menos necessidade de títulos do Tesouro dos EUA.
Agora, os compradores tendem a ser investidores que buscam ativos de maior rendimento, o que sugere que o governo talvez não possa contar com a venda de sua dívida e com a oferta de taxas tão baixas por muito mais tempo.
É possível que um crescimento mais rápido pague pela dívida. Mas essa é uma grande aposta, principalmente em um ambiente menos global e com taxas mais altas. Outra restrição à política será o aumento da inflação, que é mais provável com uma população mais velha e um regime comercial mais protecionista.
O último surto de inflação também pode ter tornado as expectativas menos estáveis, elevando os prêmios de prazo. No lado positivo, a inflação mais alta reduzirá a dívida, mas a que custo político? O histórico recente sugere que será grande.
Um ambiente de taxa quase zero sustentou a ilusão de que a política fiscal perdulária era praticamente isenta de custos tanto para os contribuintes quanto para os políticos. Em um ambiente de taxas mais altas, essa ilusão é mais difícil de sustentar.
O Escritório de Orçamento do Congresso (CBO) projeta que os pagamentos de juros representarão quase 4% do PIB nos próximos 10 anos e, eventualmente, ultrapassarão 6%.
Isso pressupõe que a taxa dos títulos de 10 anos permaneça em cerca de 4%. Se as taxas chegarem a 5% ou 6%, a dívida se tornará um ônus ainda maior para o orçamento. Nesse nível, a simples rolagem da dívida aumenta as taxas e começa a afastar o investimento privado.
O debate do ano que vem sobre a Lei de Redução de Impostos e Empregos pode ser o último em que cada lado competirá para ser mais imprudente.
Os EUA estão entrando em um ambiente de taxas mais altas, com o aumento dos gastos e o vencimento de direitos não financiados, e a demanda por dívidas está mudando. Algo precisa ser feito: Todos terão de pagar impostos mais altos, ou o governo terá de gastar menos.
Minha aposta é na primeira opção. De qualquer forma, é o fim de uma era. Na política fiscal e monetária, assim como em um número cada vez maior de cafeterias corporativas, não existe almoço grátis.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Allison Schrager é colunista da Bloomberg Opinion. É pesquisadora sênior do Manhattan Institute e autora de “An Economist Walks Into a Brothel: And Other Unexpected Places to Understand Risk”.
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