Bloomberg — Americanos ricos preocupados com o resultado das eleições para a presidência dos Estados Unidos se preparam cada vez mais para acelerar a transferência de riqueza para seus herdeiros, aproveitando as isenções fiscais sobre heranças que estão programadas para expirar no final do ano que vem.
As isenções foram introduzidas na lei tributária republicana de 2017, que dobrou o valor que os ricos poderiam transferir sem pagar imposto sobre herança e doações.
Americanos abastados podem transferir cerca de US$ 14 milhões aos herdeiros até o fim de 2025 para evitar um imposto de 40% ao falecerem. O limite retorna a cerca de US$ 7 milhões em 2026, o que cria uma isenção no estilo “use ou perca” à medida que o prazo final se aproxima.
“Este é o tema mais ‘quente’ no planejamento patrimonial”, disse Mitchell Drossman, chefe de estratégias de wealth do Bank of America. “O fator mais importante é o resultado das eleições.”
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Alguns dos milionários esperam para saber se Donald Trump vencerá as eleições da próxima terça-feira (5) e se os republicanos recuperarão o controle do Congresso, o que aumentaria a chance de uma prorrogação do benefício, que foi sancionado por ele quando presidente.
Por outro lado, assessores financeiros temem que, caso a vice-presidente Kamala Harris vença, ela mantenha o novo limite previsto de US$ 7 milhões e aumente os impostos sobre os mais ricos.
Representantes das campanhas de Trump e Harris não responderam aos pedidos de comentário da Bloomberg News.
Uma grande transferência de riqueza já está em andamento, com potencial de exacerbar a desigualdade nos Estados Unidos.
Cerca de US$ 72,6 trilhões em ativos serão transferidos para gerações mais jovens até 2045, segundo um estudo de 2022 da Cerulli.
A receita do imposto sobre heranças aumentou nos últimos anos. Em 2022, 3.170 famílias ricas pagaram US$ 22,5 bilhões ao Tesouro, em comparação a 1.275 famílias que pagaram US$ 9,3 bilhões em 2020, de acordo com o IRS, a Receita Federal americana.
“Isso vem se acumulando há anos e agora está chegando ao ponto crítico”, disse o advogado David Handler, sócio de trust e wealth da Kirkland & Ellis.
Mudanças iminentes
A isenção de imposto sobre herança pode se aplicar a várias formas de riqueza, incluindo dinheiro, ações de empresas ou ativos mais difíceis de avaliar, como obras de arte ou participações em negócios.
Quando o limite for reduzido pela metade no fim de 2025, os US$ 7 milhões que não puderem mais ser transferidos de um patrimônio resultarão em uma conta de impostos de cerca de US$ 2,8 milhões após o falecimento do proprietário.
Cada dólar adicional isento de imposto sobre herança pode ser potencializado, por meio de alavancagem e lacunas que os democratas tentaram fechar repetidamente.
Técnicas comuns de planejamento tributário permitem aos herdeiros o direito de lucro em um ativo, um grande benefício quando o investimento tem um bom desempenho.
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Em 2022, um magnata do petróleo de Oklahoma, Harold Hamm, usou estratégias sofisticadas de planejamento patrimonial para transferir US$ 2,3 bilhões para cada um de seus cinco filhos.
Uma análise da Bloomberg News identificou ao menos US$ 9 bilhões transferidos pelo fundador da Nike, Phil Knight, para seus descendentes.
Para se preparar para as mudanças iminentes, consultores financeiros intensificaram o trabalho de personalização de planos de doação para clientes ricos.
Para famílias com filhos mais jovens e menos riqueza, as isenções completas podem não fazer tanto sentido, pois eles ainda não podem dar uma grande parcela de ativos, afirmou Ann Bjerke, chefe de planejamento avançado do UBS.
“Para um cliente com um patrimônio líquido de mais de US$ 100 milhões, essas conversas e análises são mais fáceis”, disse Bjerke. “Para aqueles na fronteira, com US$ 25 milhões, pode não ser tão fácil. Não queremos que eles doem ativos de que possam precisar durante sua vida.”
Existem alternativas para clientes ricos que ainda não estão prontos para abrir mão de todos os ativos que desejam proteger de impostos sobre doações e heranças.
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Uma escolha popular é o “trust de acesso vitalício para cônjuge” (SLAT, na sigla em inglês), que permite a uma pessoa transferir ativos de seu patrimônio, de modo que o cônjuge acesse o dinheiro e que filhos ou netos sejam beneficiados.
Enquanto o casal permanecer casado, ambos podem usufruir dos ativos. Cada um pode até estabelecer SLATs, desde que sejam estruturados de forma diferente.
‘Decisão muito pessoal’
Transferir o volume e o mix certo de ativos para um trust é crucial para um planejamento patrimonial bem feito, segundo assessores financeiros.
Embora dinheiro e títulos sejam uma opção, pode fazer mais sentido doar ativos com potencial de valorização, como participações em negócios privados ou “carried interest” — a participação nos lucros de investimentos de fundos de private equity ou venture capital.
O objetivo é mover ativos de alto crescimento para fora do patrimônio e dentro de um trust para minimizar os impostos sobre herança.
“Carried interest é um ótimo ativo para planejar”, pois um fundo pode não pagar distribuições por vários anos, mas “tem um potencial de crescimento exponencial”, disse Bryce Geyer, diretor da Stout, que realiza avaliações de empresas, “carried interest” e outros ativos relacionados.
Amber Slattery, uma assessora financeira baseada em Paris para clientes de alto patrimônio em todo o mundo, disse que tem recebido uma série de consultas sobre as mudanças nos impostos de doação dos Estados Unidos nas últimas semanas.
“Tenho conversas do tipo: ‘Você quer doar metade dos direitos de propriedade de sua casa para seus filhos? Devemos doar as heranças familiares?’”, disse Slattery. “Acaba sendo uma decisão muito pessoal. Com ativos líquidos, é mais simples e fácil — e esses tendem a ser ativos com maior valorização.”
Casos particularmente complexos envolvem decisões sobre como dividir empresas familiares e casas de veraneio. Um proprietário de empresa pode ter que decidir, sob pressão de tempo, se passa aos filhos uma participação na empresa e se essas “fatias” serão divididas igualmente.
“Isso traz muitas coisas à tona”, ela disse. “Qualquer patrimônio em que todos tenham um interesse emocional, é ilíquido, você precisa doar em participações. Um negócio e uma casa têm muito em comum nesse aspecto. Estão envoltos na história de uma família.”
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