Como o Google pode representar o impulso que falta para a energia nuclear

Startups de energia nuclear, como as que desenvolvem pequenos reatores modulares, precisam de investidores com capital e paciência de longo prazo para que consigam prosperar

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Bloomberg Opinion — Os desenvolvedores de energia nuclear precisam de uma das criaturas mais raras: pessoas ricas e preparadas para esperar. Isso vale em dobro para o nicho mais exótico dos pequenos reatores modulares (SMR, na sigla em inglês). Agora a desenvolvedora Kairos Power parece ter conseguido um cliente paciente – o Google, da Alphabet (GOOG).

A californiana Kairos anunciou na segunda-feira (14) que assinou um acordo com a empresa, segundo o qual desenvolveria e construiria vários SMR, e o Google vai comprar a produção a partir de 2030 e atingir a capacidade total de 500 megawatts em 2035.

A Kairos recebeu em dezembro passado uma autorização da Comissão Reguladora Nuclear dos Estados Unidos para desenvolver um projeto piloto no estado de Tennessee para demonstrar sua tecnologia de sal fundido, que pode oferecer vantagens de segurança em comparação com os reatores tradicionais resfriados a água. O Departamento de Energia do país apoia o esforço com um subsídio de US$ 303 milhões.

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Surgiu um padrão no esforço para reavivar a energia nuclear nos EUA, em que bilionários do setor de tecnologia, como Bill Gates, Jeff Bezos e Sam Altman, investem dinheiro em startups de ponta. As próprias empresas de tecnologia são necessárias para comprar de fato o produto final.

Até o momento, isso tem se limitado à contratação de energia para novos data centers voltados para a Inteligência Artificial (IA) a partir de usinas nucleares existentes. Esses negócios fazem sentido para as grandes empresas de tecnologia porque oferecem energia sem carbono que, acima de tudo, está disponível com relativa rapidez para ajudar na corrida pelo domínio da IA.

No entanto, eles são inerentemente limitados – há um número limitado de reatores existentes e não previstos para todos – e também carregam as sementes de uma reação negativa, pois estão efetivamente reaproveitando a geração nuclear existente, deixando todos os outros na rede para usar outras fontes, em sua maioria baseadas em combustíveis fósseis.

O caso mais recente, que envolveu a Microsoft (MSFT) e a usina de Three Mile Island, na Pensilvânia, conseguiu superar esse ponto ao usar o poder de compra da gigante da tecnologia para justificar a reativação de um reator recentemente desativado. Novamente, porém, o escopo é limitado.

A oferta do Google de usar a energia dos SMRs da Kairos oferece uma “adicionalidade” genuína, como diz a frase, incentivando a construção de reatores totalmente novos e, possivelmente, semeando um setor totalmente novo nos EUA. Isso foi observado no anúncio, que, de outra forma, seria relativamente escasso.

A Kairos pode se vangloriar do contrato de um fornecedor gigante e confiável para a eletricidade prometida, a fim de levantar mais dinheiro para desenvolver as usinas.

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O Google, por sua vez, pode se gabar de ter promovido uma nova fonte de energia sem carbono para seus esforços de IA de longo prazo – o que é muito útil, dada a probabilidade de que uma grande parte do esperado boom de curto prazo na demanda de eletricidade relacionada à IA seja provavelmente alimentada por gás.

O custo inicial do Google, por sua vez, parece mínimo. Ambas as partes não falam muito sobre os termos, incluindo o preço. No entanto não há nenhuma menção ao fato de o Google fazer um investimento inicial, semelhante a uma participação acionária, na própria Kairos.

Também parece inconcebível que o Google não tenha negociado algum tipo de cláusula de saída caso o projeto da Kairos não dê certo, dado o longo histórico de atrasos e orçamentos estourados do setor nuclear.

Pense nisso em termos de um passivo contingente. Suponha que o Google tenha se oferecido para pagar, digamos, de US$ 150 a US$ 200 por megawatt-hora – mais alto até mesmo do que os prêmios pagos em acordos recentes com usinas existentes – e isso implica que o primeiro pagamento pela produção total de 500 megawatts em 2035 somaria cerca de US$ 100 milhões.

Isso ainda é um grande negócio para a pequena Kairos e seus concorrentes. As ações da Oklo, uma startup de SMR apoiada por Altman, subiram na segunda-feira devido às expectativas renovadas de um acordo com a OpenAI.

O mesmo aconteceu com a NuScale Power, cujas ações foram “esmagadas” no ano passado pelo colapso de seu próprio acordo de fornecimento para a Utah Associated Municipal Power Systems.

Esse revés é pertinente, o que demonstra que mesmo um contrato de compra de energia (PPA) assinado não garante o sucesso se as estimativas de preço começarem a sair do controle.

O fato mais importante sobre os SMRs é que nenhum deles foi construído e operado comercialmente nos EUA até o momento.

Dito isso, sempre foi um pouco estranho que essa vanguarda do alardeado renascimento nuclear tenha sido, com a NuScale, baseada no apoio de um grupo de obscuras cooperativas de eletricidade em Utah. O Google é um consorte mais provável.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Liam Denning é colunista da Bloomberg Opinion e cobre energia. Ex-banqueiro, foi editor da coluna “Heard on the Street”, do Wall Street Journal, e escreveu para a coluna “Lex”, do Financial Times.

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