Accor: combinar lazer e trabalho é tendência em viagens, diz CEO global

Em entrevista à Bloomberg Línea, Jean-Jacques Morin, que lidera a divisão Premium, Médio Porte e Econômico, conta a estratégia de expansão de um dos maiores grupos do mundo

Jean-Jacques Morin, CEO global das divisões Premium, Midscale & Economy da Accor
11 de Outubro, 2024 | 06:28 AM

Bloomberg Línea — Combinar viagem a lazer com negócios, ou vice-versa, é uma das principais tendências do setor, um reflexo da nova realidade do trabalho híbrido e remoto, o que é, por sua vez, um legado da pandemia.

A hotelaria captou esse movimento e tem buscado adaptar sua operação para atender da melhor maneira esse comportamento mais recorrente dos hóspedes, que buscam reservar espaços como salas dedicadas ao trabalho, mas não abrem mão de aproveitar opções de lazer e passeios de turismo.

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Foi o que apontou Jean-Jacques Morin, CEO global das divisões PME (Premium, Midscale & Economy) do grupo francês Accor, um dos líderes dessa indústria no mundo.

Em entrevista à Bloomberg Línea em passagem pelo Brasil, o executivo francês, que atua também como Vice-Presidente Executivo global responsável por Finanças, Estratégia, TI, Assuntos Jurídicos, Compras e Comunicação e é membro do Comitê Executivo desde 2015, disse que 40% dos viajantes hoje combinam negócios e lazer em seus destinos de viagem.

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Grandes eventos de entretenimento e o retorno de tradicionais convenções e encontros corporativos têm impulsionado os resultados das redes de hotéis desde o ano passado.

“Isso significa que, se a pessoa viaja para passar o final de semana em algum lugar, na sexta-feira ela terá um dia útil no hotel e precisará de uma sala de conferência, com wi-fi, computador e todas essas coisas. Ou seja, precisamos oferecer ao hóspede a capacidade de trabalhar no hotel”, disse Morin.

Essa tendência, impulsionada por novas gerações de hóspedes que valorizam práticas de sustentabilidade, ocorre em um momento em que grandes redes mundiais da hotelaria definem suas estratégias de crescimento que passam por novas geografias com maior potencial de expansão, como China e Índia e também a América Latina e o Oriente Médio.

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São mercados em que o avanço da classe média estimula viagens e multiplica as oportunidades para o setor.

O portfólio do grupo, fundado na França em 1967, inclui 45 marcas dos segmentos de luxo ao econômico, como Raffles, Orient Express, Fairmont, Faena, Delano, Sofitel, Pullman, Grand Mercure, Hyde, Novotel e Ibis, com mais de 5.500 unidades em mais de 110 países.

Nas Américas, a divisão PME da Accor mantém 450 hotéis em 12 países, com ambição de atingir 600 unidades até 2027 a 2028, segundo Thomas Dubaere, CEO para o continente.

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“Serão mais 150 novos hotéis nos próximos anos. De 80% a 90% dessa expansão será sob o modelo de franquias. O futuro será focado principalmente em franquias. Não queremos estar em todos os países da região. Selecionamos aqueles em que sabemos que há demanda doméstica e internacional. No Brasil, somos número 1 absoluto”, afirmou Dubaere na mesma entrevista.

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No Brasil, a Accor possui 331 hotéis listados na divisão PME (11 Premium, 80 Midscale and 240 Economy), dos quais 50% operam no modelo de franquia, em que grupos terceiros cuidam da administração.

A mais recente aposta no Brasil é a abertura de um hotel da sua marca australiana Tribe em Belo Horizonte, prevista para abril de 2025. Segundo o grupo, a capital mineira foi escolhida devido à sua arquitetura, marcada por obras de Oscar Niemeyer, como o Complexo da Pampulha, que atrai turistas apreciadores de design, justamente um dos atributos dessa rede.

O México é outro foco nas Américas. “Acabamos de assinar e inaugurar três hotéis em Puerto Vallarta, no México, resorts à beira-mar”, disse o CEO para a região, citando ainda um movimento de consolidação do grupo principalmente em países da América Latina, como Argentina, Chile, Peru e Colômbia.

Nos EUA, o grupo escolheu São Francisco como primeiro destino do país para receber uma das mais novas marcas da Accor, a Handwritten Collection, lançada no ano passado com mais de 35 hotéis abertos e em desenvolvimento, principalmente por meio da conversão de hotéis independentes.

No Canadá, por sua vez, o grupo deve crescer com as marcas Novotel e Handwritten Collection, provavelmente no modelo de franquia.

Confira abaixo trechos da entrevista com Jean-Jacques Morin, editada para fins de clareza.

Quais são as tendências que a Accor avalia como de maior impacto na indústria da hospitalidade?

O que está em voga é muito ligado aos comportamentos pós-Covid. O critério ESG é o número 1. Cerca de 70% dos viajantes usam algum componente ESG na hora de fazer uma reserva. Levamos isso muito a sério. Outra mudança forte é a capacidade de combinar negócios e lazer. Cerca de 40% dos viajantes estão com essa prática. É preciso oferecer ao hóspede a possibilidade de trabalhar no hotel.

A terceira tendência é o elemento estilo de vida. Por isso há três anos fizemos uma reorganização do negócio e criamos duas divisões: uma é a Premium, Midscale e Economy, da qual eu cuido. A outra é a Lifestyle & Luxo. Investimos bastante em uma gama ampla de marcas no portfólio para diferentes tipos de experiências. Hoje metade do portfólio é Lifestyle & Luxo [com marcas como Sofitel, Fairmont e Faena].

Entre os três segmentos que o senhor lidera, quais são as maiores contribuições para a receita do grupo?

A contribuição do Economy [hotéis menores e mais baratos, como Ibis e Formule 1] e Midscale [como Novotel e Mercure] são quase do mesmo tamanho na receita. O Premium [com marcas como Pullman e Gran Mercure] é o menor. Acreditamos que, no longo prazo, o Midscale crescerá mais rápido do que o Economy.

Nosso foco tem sido o Economy e o Midscale, em que atuamos há mais tempo com marcas que criamos há mais de 50 anos. A primeira foi Novotel, de porte médio, e, depois, o Ibis, do segmento econômico.

Depois mudamos para o segmento Premium, em que achamos que há mais espaço para ganhar participação de mercado do que já temos em Economy e em Midscale. Em Premium, precisamos ser melhores e queremos ser maiores. A marca Pullman só surgiu nos anos 2000. E adquirimos recentemente o Mövenpick e Swissôtel.

O senhor mencionou a relevância do critério ESG para a nova geração de viajantes. O que exatamente o grupo é valorizado em termos de sustentabilidade?

Assumimos o compromisso de reduzir as emissões de carbono em 25% até 2030 e em 50% até 2050. Também medimos o desperdício de alimentos e consumo de água nos hotéis. Trabalhamos com nossos fornecedores e buscamos fazer compras de alimentos próximos das unidades para encurtar deslocamentos desses produtos até os hotéis. Há muito ainda a ser feito.

Além disso, focamos em temas de diversidade e inclusão social, como ampliação de cargos ocupados por mulheres em vários níveis da organização. Também garantimos um sistema educacional dentro da Accor. Hoje 60% das pessoas que se juntam a nós não têm diploma. Fazemos 6 milhões de horas de treinamento por ano. Criamos essa ascensão social para o profissional permanecer na companhia.

Quais os principais desafios para implementar essa transformação ESG?

É um desafio significativo que começa desde o momento da construção do hotel até a cadeia de suprimentos. Há normas a seguir para a economia do consumo de energia do edifício. É uma forma de lidar com a questão de como o hotel se comportará no futuro porque foi construído da maneira certa.

Quando o hotel começa a operar, garantimos que as compras sejam ecologicamente corretas. Construímos uma espécie de Amazon para a hotelaria, que permite selecionar os produtos em conformidades com o critério ESG.

Outra medida da qual nos orgulhamos muitos é a redução do consumo de plástico. Isso significa que não há nenhuma garrafa de plástico no hotel. No Brasil, temos nos saído bem na implementação dessas ferramentas.

Como a Accor vê o cenário competitivo com grandes redes de hotéis no mundo?

Há dez grandes empresas no mundo no setor: três são chinesas, seis, americanas, e a Accor. Temos a particularidade de ser a única empresa internacional em todos os mercados fora dos EUA e da China. O mercado chinês é dominado pelas chinesas Huazhu Group, BTG Hotels e Jin Jiang.

Nos EUA, dominam as redes americanas [Marriott, Wyndham, Hilton, Hyatt, Radisson, Best Western Choice Hotels]. No resto do mundo, somos o número 1 na Europa, na Ásia, na América do Sul e no Oriente Médio pelo tamanho de nossa rede. Temos uma presença histórica, o que é definitivamente uma grande vantagem pela capacidade das pessoas de lembrar de sua marca, o que permite continuar a expandir a rede.

Nos últimos dez anos, multiplicamos o número de marcas por três. Todo mundo tem criado marcas. Temos a grande vantagem competitiva de dispor de um portfólio grande e completo, que vai de soluções econômicas como de ultraluxo como o Orient Express e o Raffles, de que precisamos para atuar.

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Quais são as estratégias para fortalecer sua presença no mercado?

Estamos nas geografias certas. As geografias do futuro são aquelas nas quais haverá o maior crescimento da classe média. Olhando a última análise sobre as despesas de viagem, descobrimos que as pessoas vão viajar mais do que viajam hoje. E vão viajar mais porque realmente a classe média vai crescer significativamente nos próximos dez anos. Até 2030, a classe média deve aumentar em 1,5 bilhão de habitantes no mundo, com mais recursos para viajar. Isso vai impulsionar o futuro da hotelaria.

Onde isso vai acontecer? Na Índia e na China. São dois lugares que vão crescer provavelmente 13% a cada ano em termos de despesas de viagem. A Índia mudou significativamente nos últimos quatro anos. E estamos bem posicionados. A América Latina também faz parte dessa equação, bem como o Oriente Médio. O crescimento não virá mais da Europa, mas de lugares como Dubai e Catar.

Qual é o papel do programa de fidelidade da Accor nessa estratégia?

Estamos trabalhando para que nosso programa de loyalty ALL - Accor Live Limitless - se torne cada vez mais forte. Estamos com muitas parceiras para que os membros possam consumir os pontos acumulados em um ecossistema. Projetamos esse programa para torná-lo mais atraente no acúmulo de pontos e na conversão em benefícios, não se limitando aos hotéis.

Ou seja, o membro pode usar seus pontos para alugar um carro, obter um seguro e muito mais. Temos trabalhado com bancos e outras instituições financeiras para permitir o acúmulo de pontos com o uso do cartão de crédito.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.