Na Samsung, reconhecer os desafios é o primeiro passo para enfrentar a crise atual

A empresa sul-coreana tenta recuperar o atraso na produção de chips de memória de alta largura de banda e superar a concorrência em outras divisões principais

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Bloomberg Opinion — Esperamos que seu ano seja melhor do que o da Samsung Electronics.

O maior conglomerado da Coreia do Sul passou por um 2024 humilhante e, durante grande parte desse tempo, tentou recuperar o atraso em relação à rival SK Hynix na produção de chips de memória de alta largura de banda para a Nvidia (NVDA), que se tornou uma potência no mercado de chips voltados para sistemas de inteligência artificial.

Suas outras divisões principais enfrentam níveis de concorrência sem precedentes, desde a expansão da Taiwan Semiconductor Manufacturing no mercado de fabricação de chips por encomenda (foundry, no jargão do setor) até a ascensão dos fabricantes chineses de smartphones e displays.

Além disso, a demanda por seus chips convencionais diminuiu. As ações da Samsung caíram 20% este ano, e ninguém parece estar comprando na baixa.

Na frente trabalhista, a empresa enfrentou sua primeira greve em seu país e luta contra distúrbios semelhantes em unidades de produção em outros mercados. Ela começou a demitir milhares de funcionários fora da Coreia do Sul, principalmente em cargos de gerência e suporte.

Se há um lado positivo, é o fato de que seu presidente executivo está agora em uma licença incomum para não enfrentar ativamente quaisquer questões legais.

Na terça-feira (8), a maior fabricante de chips de memória e smartphones do mundo informou que os lucros preliminares do terceiro trimestre não atenderam às expectativas dos analistas.

A empresa também emitiu um pedido de desculpas extremamente raro e reconheceu que muitos estão falando sobre uma “crise” na Samsung em uma declaração que acompanha o guidance.

Leia mais: Samsung recebe aprovação da Nvidia para fabricar chips para IA, segundo fontes

Jun Young-hyun, recém-nomeado chefe da divisão de chips, prometeu focar na competitividade de longo prazo em vez de oferecer soluções de curto prazo. A única maneira de a Samsung se recuperar, acrescentou ele, é criando “novas tecnologias que não existem no mundo” e vencendo os rivais com “qualidade perfeita”.

Os executivos serão sábios ao instilar uma mentalidade de crise dentro da empresa se quiserem dar a volta por cima – esse tipo de revisão focada na qualidade tem funcionado historicamente para a famosa gigante da tecnologia. Agora vem a parte difícil de transformar essas palavras em ações.

As demissões em massa no Sudeste Asiático, na Austrália e na Nova Zelândia mostram que a Samsung está comprometida com o corte de custos, ainda que isso custe o emprego de milhares de pessoas. Mas os cortes financeiros brutais correm o risco de sair pela culatra quando se espera que as pessoas se unam para criar uma tecnologia realmente nova.

Se a equipe sentir que é dispensável, isso pode ser ruim para o moral, o que pode prejudicar sua capacidade ou desejo de criar produtos inovadores. A Samsung pode tentar superar essa barreira ao demitir funcionários estrangeiros, uma medida menos provocativa entre sua força de trabalho no país.

Jun também prometeu reformular a estrutura organizacional e os métodos de trabalho para restaurar suas raízes “tradicionais”.

É possível que ele tente seguir o exemplo do ex-presidente Kun-Hee Lee, que ficou famoso por preparar o cenário para o crescimento exponencial da Samsung nas últimas três décadas, depois de perceber que a empresa ficou para trás em relação aos rivais e enfrentou problemas de qualidade no início dos anos 1990.

Lee reuniu gerentes na Alemanha em 1993 e emitiu o que ficou conhecido como a “Declaração de Frankfurt”, dizendo-lhes para “mudar tudo, exceto sua esposa e filhos”.

Alguns anos mais tarde, quando os celulares da Samsung estavam com problemas de qualidade, Lee empilhou 150.000 produtos defeituosos em uma fábrica e fez com que os trabalhadores os martelassem até que se despedaçassem antes de queimá-los na frente de 2.000 funcionários.

A insistência do falecido presidente para que a empresa transformasse o fluxo de trabalho e melhorasse a qualidade valeu a pena: em um ano, a empresa desenvolveu o primeiro semicondutor DRAM de 256 megabytes do mundo. Suas ações abriram o caminho para que a empresa se tornasse líder global em tecnologia e a maior fabricante de smartphones do mundo atualmente.

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Embora a Samsung esteja longe de ser a empresa iniciante que era naquela época, ela se encontra em uma encruzilhada semelhante. A alta gerência acerta ao reconhecer o dilema atual, mesmo tomando a medida aparentemente humilhante de admitir publicamente as falhas. Eles também demonstram visão ao se concentrarem na competitividade de longo prazo em vez de soluções rápidas.

Recentemente, o setor de tecnologia ficou obcecado com a ideia do “modo fundador”, ou seja, ter um líder singular envolvido em todos os aspectos da administração de uma empresa como um dos principais fatores de sucesso.

Mas a realidade, do Vale do Silício ao Leste Asiático, é que a inovação realmente floresceu quando os empreendedores e a equipe estavam em “modo de crise”, trabalhando juntos e reconhecendo que, se os produtos de suas startups não fossem bem-sucedidos, suas empresas fracassariam.

Essa abordagem oferece um forte incentivo para que os líderes se concentrem no desenvolvimento das tecnologias mais importantes e para que os subordinados apontem os erros aos superiores.

Esse senso de urgência está no DNA da Samsung e é sensato reacendê-lo em um momento como este, em que a empresa precisa criar produtos realmente novos e empolgantes para superar a concorrência crescente que enfrenta agora.

Os líderes do passado usaram situações difíceis para melhorar a qualidade e promover a inovação. A atual gestão da Samsung deve encontrar uma maneira de fazer isso novamente.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Catherine Thorbecke é colunista da Bloomberg Opinion e cobre tecnologia na Ásia. Já foi repórter de tecnologia na CNN e na ABC News.

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