Opinión - Bloomberg

‘Suprema Corte’ da Meta para moderação de conteúdo pode não ter ampla adesão

Órgão de supervisão planeja auxiliar outras empresas tech na Europa, como TikTok e YouTube, que lidam com questões éticas sobre liberdade de expressão online

Meta
Tempo de leitura: 4 minutos

Bloomberg Opinion — Desde sua criação em 2020, o Oversight Board da Meta Platforms (META) – apelidado de “Suprema Corte” para decisões e políticas de moderação de conteúdo – tem tentado afirmar sua independência em relação à empresa de mídia social que o criou e o financiou.

Um possível futuro que o Oversight Board explorou foi a expansão de suas atribuições para além de lidar apenas com o conteúdo publicado nos próprios produtos da Meta, abrindo-o para outras empresas que lidam com questões éticas semelhantes sobre a liberdade de expressão online.

A nova regulamentação na Europa proporcionou essa oportunidade. A abrangente Lei de Serviços Digitais, que entrou em vigor no final de 2022, exige que plataformas “muito grandes” permitam que seus usuários recorram de decisões a terceiros para obter uma segunda opinião.

Esses órgãos independentes, certificados pela União Europeia como portadores do conhecimento necessário, fazem julgamentos não vinculativos sobre se as empresas seguiram suas próprias políticas ao moderar publicações ou usuários.

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O Oversight Board criou agora um desses órgãos, o Appeals Centre Europe. A Meta, que afirmou que o órgão de supervisão agiu de forma independente, descreveu-o como a “evolução natural” do projeto.

O Appeals Centre, anunciado na manhã de terça-feira (8), foi criado com US$ 15 milhões do Oversight Board Trust, financiado pelo Meta. O órgão planeja contratar cerca de 40 pessoas, com sede em Dublin, para julgar recursos de usuários da UE de três plataformas: Facebook, TikTok e YouTube.

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O Appeals Centre, que planeja entrar em funcionamento antes do final deste ano, disse que responderia a todas as reclamações enviadas pelos usuários, na maioria dos casos dentro de 90 dias, conforme exigido pela Lei de Serviços Digitais.

As empresas podem optar por ignorar a decisão, mas a Lei de Serviços Digitais exige que todas as empresas sob a designação de “muito grande” se envolvam “de boa fé”.

Thomas Hughes, CEO do Appeals Centre, disse à Bloomberg que espera o recebimento de “dezenas de milhares” de recursos. Eu não espero, por vários motivos.

Primeiro, há uma porém: os usuários pagarão 5 euros por recurso. Isso é para proteger o Appeals Centre de uma enxurrada de solicitações abusivas, disse Hughes.

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Embora essa taxa seja reembolsada se os usuários ganharem, sua exigência reduzirá muito o número de pessoas dispostas a contestar decisões contra suas postagens, principalmente porque o Appeals Centre julgará apenas se uma empresa seguiu sua política, e não se a política em si foi justa e correta.

Em segundo lugar, até onde se sabe, nenhuma das empresas envolvidas – nem mesmo o Facebook – se comprometeu a informar os usuários sobre a existência do Appeals Centre ou sobre sua função.

Há pouco incentivo para torná-lo direto: o Appeals Centre planeja cobrar das empresas pelo menos 90 euros por cada caso que tratar, independentemente do resultado.

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Hughes ressalta que a Lei de Serviços Digitais exige que as empresas informem aos usuários suas opções de forma “clara e fácil de usar”, mas eu abordo esses assuntos há tempo suficiente para saber que as redes usarão qualquer padrão obscuro – ou seja, um design sorrateiro – para fazer o mínimo necessário para evitar entrar em conflito com a lei.

Em terceiro lugar, há uma questão de independência. Assim como o Oversight Board tem se esforçado para se distanciar de seu criador, o Appeals Centre, por sua vez, tem seus próprios vínculos estreitos com o Oversight Board.

Hughes já foi diretor da administração do Oversight Board, enquanto três diretores não executivos nomeados para o Appeals Centre são todos curadores do Oversight Board Trust.

Outros quatro diretores não executivos sem vínculos semelhantes com empresas de mídia social serão contratados “assim que possível”, de acordo com o comunicado de imprensa do órgão. E, pelo menos nos primeiros 18 meses, o Appeals Centre compartilhará a equipe administrativa com o Oversight Board (embora eu tenha sido informado de que ele terá seu próprio escritório).

Embora a inclusão do TikTok e do YouTube sugira algum nível de colaboração com essas empresas, esse não é o caso. De acordo com a Lei de Serviços Digitais, essas empresas não têm escolha – o Appeals Centre pode abranger qualquer uma das plataformas “muito grandes” que desejar.

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O TikTok disse que estava ansioso para “trabalhar com o Centro de Apelações Europeu quando eles começarem a lidar com os casos”, mas é notável que apenas o Oversight Board financie esse esforço, o que é decepcionante.

Uma organização financiada em conjunto, como já discuti anteriormente, traria mais credibilidade ao projeto do Oversight Board.

Um porta-voz da Meta disse que a empresa foi “incentivada” pela criação do Appeals Centre e acrescentou: “embora separado do trabalho existente do Comitê de Supervisão, isso representa uma evolução natural da perspectiva única e valiosa que eles trazem”. O Google, controlador do YouTube, não respondeu a um pedido de comentário da Bloomberg.

É claro que posso estar errado. Talvez quando o Appeals Centre funcionar, todos os tipos de cidadãos e empresas europeus se apressem em apresentar seus argumentos sobre como foram censurados ou banidos injustamente.

Mas não é o que vejo, não com todas essas ressalvas críticas. Assim como outras partes importantes da regulamentação tecnológica da UE, a aplicação prática de uma legislação aparentemente bem-intencionada deixa muito a desejar.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Dave Lee é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a área de tecnologia dos EUA. Foi correspondente para o Financial Times e a BBC News.

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