Acabar com o uso do plástico no nosso cotidiano é mais desafiador do que se imagina

Existem fontes alternativas de energia para combustíveis fósseis, como carvão, gás e petróleo, mas há poucos substitutos para os polímeros, já enraizados na vida moderna

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Bloomberg Opinion — Seria possível acabar com nosso inabalável vício em plásticos?

Essa é certamente a esperança dos ativistas. Os Estados Unidos – berço do moderno setor de polímeros e o maior produtor de suas principais matérias-primas, petróleo e gás – uniram-se a um bloco de apoio a um tratado mundial que limita a produção de plásticos. Isso pode fazer com que a reunião dos países na Coreia do Sul, em novembro, seja um ponto de virada na cultura material da humanidade. O desafio mais difícil será garantir que um acordo seja viável.

Seja qual for o ponto de vista, é provável que uma montanha de resíduos de polímeros seja um dos monumentos mais duradouros do século 21. Produzimos cerca de 400 milhões de toneladas de plásticos todos os anos. Exceto pelos cerca de 9% que são reciclados e 12% que são incinerados, tudo isso acaba em algum lugar do meio ambiente, seja em um aterro sanitário ou espalhado por nossas ruas, solo e oceanos.

Se fizermos tudo o que for possível para parar esse trem desgovernado, poderemos reduzir a produção em cerca de 40% até 2040, de acordo com um estudo influente. Mesmo um cenário tão ambicioso deixaria mais de 10 bilhões de toneladas de resíduos até a metade do século.

A sua opinião sobre isso depende de como você avalia as evidências contraditórias sobre os custos e benefícios dos plásticos. Não basta apontar para um número grande e se preocupar com ele: a cada ano, fabricamos 4 bilhões de toneladas de cimento, 2 bilhões de toneladas de aço, extraímos 4,5 bilhões de toneladas de petróleo do solo e liberamos 35 bilhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera. O fato de você considerar isso um problema depende de você achar que os resíduos são prejudiciais (como o CO2) ou inofensivos, como o concreto.

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Além disso, os plásticos têm vantagens reais sobre as alternativas. Eles são leves, em grande parte inertes e, em muitos casos, causam menos danos ambientais do que o metal e o vidro (cuja pegada de carbono tende a ser maior) e até mesmo o papel (cujos efluentes poluem a água doce).

As embalagens, o principal monstro para os consumidores, compreende apenas cerca de 31% dos plásticos que consumimos. O restante é dividido em uma variedade estonteante de usos, de canos de água a painéis de carro, eletrodomésticos, roupas e dispositivos médicos.

Nossa aversão aos polímeros nos cega para as inúmeras maneiras pelas quais a vida moderna seria impossível sem eles.

Dito isso, a cada ano que passa, vemos mais estudos que mostram como os plásticos estão se acumulando no ambiente natural e nos tecidos de seres humanos, animais e plantas.

As evidências concretas dos danos que isso causa são escassas, mas os caminhos são bem compreendidos – desde aditivos tóxicos que podem ser lixiviados ao longo do tempo até poluentes absorvidos no ambiente da mesma forma que a estática pega a poeira e, em seguida, liberados nas profundezas do corpo.

Poucos se arrependem da abordagem de precaução que as gerações anteriores adotaram diante das primeiras evidências sobre os efeitos nocivos do tabaco, dos produtos químicos que destroem a camada de ozônio ou dos gases de efeito estufa. Dada a imensa dificuldade que teremos para controlar nosso hábito de usar polímeros, uma política proativa semelhante faz sentido.

Como seria um limite global para a produção de plásticos? É improvável que essa seja a parte mais importante de qualquer tratado futuro. O estabelecimento de padrões internacionais para eliminar aditivos tóxicos como o BPA e os ftalatos (usados para tornar os polímeros, respectivamente, mais rígidos e mais flexíveis) provavelmente fará a maior diferença para a saúde humana e animal. Os esforços para padronizar os processos de produção para facilitar a reciclagem terão um impacto maior sobre o meio ambiente.

O apoio ao gerenciamento de resíduos em economias emergentes de rápido crescimento terá a maior influência sobre a poluição marinha. Um limite rígido, no entanto, poderia ser o tipo de meta difícil de ser atingida que instiga as mentes e libera a engenhosidade humana.

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Essas reduções não deveriam ser impossíveis de serem alcançadas. A maioria das pessoas argumentaria que o Japão e a Coreia do Sul têm padrões de vida comparáveis aos dos EUA, mas o último consome duas vezes e meia mais plásticos per capita. Se o mundo como um todo pudesse reduzir nosso uso para o nível atual da China e aumentar a reutilização para as taxas em que a União Europeia recicla embalagens de polímeros, poderíamos manter a produção de novos plásticos abaixo de 500 milhões de toneladas por ano.

Isso pode não parecer muito, mas ainda assim seria uma conquista fenomenal, principalmente quando comparada com as previsões da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de que podemos estar caminhando para mais do que o dobro desses níveis.

Se você acha que tem sido difícil destronar a centralidade dos combustíveis fósseis em nosso sistema energético, prepare-se para muitas décadas de luta. A eletricidade proveniente de energia eólica, solar, de baterias e nuclear é uma alternativa atraente ao carvão, ao gás e ao petróleo.

Há poucos substitutos aguardando nos bastidores que possam repetir esse truque com os polímeros. Os plásticos são inseridos no tecido da vida moderna de forma tão intrincada quanto seus resíduos estão espalhados pelo ambiente natural. Não será fácil substituí-los, mas o primeiro passo é tentar.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

David Fickling é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre mudança climática e energia. Já trabalhou para a Bloomberg News, o Wall Street Journal e o Financial Times.

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