Tarciana Medeiros tem conciliado diversidade e lucro no BB. E vem mais desafio

Primeira mulher CEO da instituição de 200 anos avança com agenda de equidade de gênero e racial entre funcionários, fornecedores e clientes - e resultados; mas cenário de juro mais alto pode ampliar a pressão

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Bloomberg — Desde que foi nomeada CEO do Banco do Brasil em janeiro de 2023, Tarciana Medeiros levou a instituição a um lucro recorde de R$ 35,6 bilhões no ano passado, um aumento de mais de 11% em relação a 2022. As ações saltaram 76%, o melhor desempenho no Ibovespa em 2023.

Primeira mulher a comandar a instituição de mais de dois séculos, atualmente o segundo maior banco da América Latina, Medeiros ainda implementou um plano de diversidade que levou a milhares de promoções para mulheres e pessoas negras. Isso, por sua vez, ajudou a impulsionar um aumento de 20% nos empréstimos para empresas lideradas por mulheres.

Agora, com a economia brasileira em terreno mais instável, ela enfrentará uma jornada mais difícil no BB (BBAS3). A inflação está em alta, e os investidores, preocupados com a capacidade do governo de controlar os gastos e atingir suas metas fiscais.

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A expectativa é que o Banco Central comece a aumentar a Selic (o que aconteceu de fato na última quarta-feira, dia 18). Isso corre o risco de prejudicar a lucratividade e os planos de expansão do banco.

E o presidente Luiz Inácio Lula da Silva - que já deixou claro sua insatisfação com o patamar atual dos juros - poderia eventualmente pedir que instituições públicas como o Banco do Brasil ofereçam mais crédito subsidiado a consumidores e empresas.

Nesse contexto, o desafio para Tarciana, 45 anos, é agradar tanto a seus acionistas privados, ávidos por lucros maiores, quanto a Lula, que quer garantir a prosperidade que prometeu durante sua campanha.

Tarciana insiste que está à altura do trabalho.

Para os acionistas, ela diz que se concentrará em produtos mais novos, como empréstimos com garantia de imóvel e crédito para pequenas e médias empresas, ao mesmo tempo em que atenderá totalmente aos clientes tradicionais do agronegócio. E ela disse que o banco pode resistir a quaisquer tentativas de intervenção do presidente.

Até agora, disse Medeiros, Lula não pediu que ela direcionasse crédito para nenhum cliente ou setor em particular; ele entende, segundo ela, que o colosso com quase 90.000 funcionários e agências em mais de 5.000 cidades deve permanecer independente e recompensar os investidores.

“Lula sabe que o banco não dá dinheiro de graça para ninguém”, afirmou. “O que ele quer é saber se o crédito está chegando a quem precisa.”

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Como uma mulher negra em um segmento dominado por homens brancos, Tarciana representa uma mudança para a indústria financeira do Brasil.

Ela é lésbica, seu pai era feirante na Paraíba e ela é formada em administração pela AIEC, uma faculdade de educação à distância - algo incomum em um país em que os chefes geralmente vêm de famílias ricas e frequentam universidades de elite.

“Ela está abrindo portas e acabando com a ideia de que as mulheres lutam pela diversidade e igualdade, mas não conseguem obter lucro”, disse Luiza Trajano, presidente do conselho de administração do Magazine Luiza (MGLU3), uma das maiores varejistas doBrasil.

Aos 8 anos de idade, Tarciana começou a ajudar o pai a vender frutas, vegetais e pão no mercado, o que a ensinou a interagir com os clientes, uma habilidade que ela disse ter lhe servido bem ao longo dos anos.

“Eu tinha que vender, estudar e lidar com as expectativas do meu pai todos os dias”, disse. “Eu lido bem com pressão.”

Em uma agência do Banco do Brasil perto de sua casa, as filas de clientes às vezes se estendiam até a porta da frente. Ela aproveitou a oportunidade e começou a vender lanches e bebidas para o pessoal da fila.

“Eu achava que todo mundo no banco era rico”, lembrou, “e que quando eu crescesse eu trabalharia lá.” Com pouco mais de 20 anos, Medeiros visitou o estado da Bahia, onde viu outra fila em uma agência do Banco do Brasil - desta vez de possíveis funcionários.

Ela se candidatou e logo foi contratada como escriturária. Ao longo dos 20 anos seguintes, mudou de área dentro da instituição - seguros, crédito e atendimento ao cliente - em várias cidades do norte e do centro do Brasil, obtendo certificados de pós-graduação ao longo do caminho.

Em 2018, ela foi promovida para chefiar uma unidade que desenvolve novas estratégias para venda de serviços.

Durante a campanha presidencial de 2022, Lula prometeu muito mais diversidade do que seu antecessor, Jair Bolsonaro, e, uma vez eleito, se reuniu com várias mulheres do Banco do Brasil, incluindo Tarciana.

“Conversamos sobre taxas de juros, crescimento do crédito agrícola”, lembrou. “Só percebi que era uma entrevista de emprego depois que saí.”

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Algumas semanas depois, ela ficou surpresa quando foi nomeada para o cargo. Tarciana enfrentou resistência de colegas que consideravam que ela estava “pulando” etapas na hierarquia dobanco.

Mas sua capacidade de se conectar com outras pessoas a fez se destacar. Ela também obteve apoio do sindicato dos bancários, uma grande vantagem para Lula, um ex-sindicalista.

Pressão política

O Banco do Brasil sofreu muita pressão política ao longo dos anos, e suas ações ainda são negociadas com desconto em relação a pares que são totalmente privados.

Durante o governo da presidente Dilma Rousseff, o banco forneceu bilhões em crédito a pessoas físicas e pequenas empresas, o que contribuiu para um aumento da inadimplência e um declínio no preço dos papeis do banco.

“Há preocupação de que o banco passe por esse tipo depressão novamente”, disse Carlos Daltozo, head de research da consultoria Eleven Financial.

O Banco do Brasil aumentou neste ano sua reserva para casos de inadimplência em quase 10%, para R$ 34 bilhões, à medida que expande seus negócios de empréstimos para uma gama mais ampla de clientes.

“Isso levanta preocupações sobre o potencial de aumento de inadimplência”, disse Pedro Gonzaga, sócio e gestor da Mantaro Capital.

Em novembro, Medeiros pediu perdão publicamente pelo papel do banco no tráfico de escravos durante a era colonial do Brasil, anunciando planos para promover a cultura afro-brasileira e financiar o treinamento de jovens negros para melhores empregos.

“Toda a sociedade brasileira deveria se desculpar com os negros”, ela escreveu em uma carta aberta, em que prometeu “enfrentar o racismo estrutural”.

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”Não é incomum que as secretárias e eu sejamos as únicas mulheres” nas reuniões com o mercado financeiro, disse. Ela já estabeleceu uma meta para que os cargos de liderança tenham representação 30% feminina e 30% não branca até 2025 no Banco do Brasil, versus cerca de um quarto hoje.

Mais de 4.200 mulheres já foram promovidas sob sua supervisão. E sua equipe agora exige que os provedores de serviços assinem contratos que requerem maior diversidade.

“Quando você sente que pertence ao lugar em que trabalha, você trabalha melhor”, disse Tarciana. “Diversidade e resultados não são separados.”

Embora ela tenha recebido muitos elogios por tais iniciativas, alguns dentro do banco dizem que seu foco na diversidade desvia sua atenção do negócio principal. Os apoiadores de Tarciana respondem que tais críticas decorrem da mentalidade sexista que há muito tempo é difundida na indústria.

”Ela está tentando trazer diversidade a vários níveis”, disse Sylvia Coutinho, ex-Head do UBS para a América Latina. “Isso é muito legal.”

- Com a colaboração de Raphael Almeida Dos Santos e Cristiane Lucchesi.

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